quinta-feira, 11 de março de 2010

Crónica: Felizmente, há Juncker!

Jean-Claude Juncker está a tornar-se na consciência da Europa. Numa entrevista à imprensa alemã, lançou uma séria advertência ao sistema financeiro mais especulativo, aviso que tranquilizou os cidadãos que se sentem desprotegidos perante as ofensivas insensatas da banca internacional.

Falou na qualidade de presidente do Eurogrupo, o conselho que junta os ministros das Finanças dos Estados da Zona Euro, a que preside. E o que se lamenta é que não tenha falado, como presidente da Comissão ou presidente do Conselho Europeu.

O aviso de Juncker foi motivado pelos ataques constantes contra a Grécia que estão a impedir o país de sair da grave crise económica, sobretudo porque os custos da dívida pública estão em constante agravamento. Escrevi, esta semana na imprensa portuguesa, que Juncker é o único dirigente europeu que demonstra vontade de pôr essa gente na ordem. E isso merece os elogios que, embora discretos, lhe têm sido feitos. Vejamos agora se foi ouvido e, sobretudo, se as suas palavras foram respeitadas.

Os fundos de investimento, que são o braço armado da banca mais especulativa, têm sido os causadores da desgraça financeira, à escala planetária, tão grave que ainda ninguém percebeu como vai o mundo sair disto. Muitos analistas, incluindo o prémio Nobel da economia, o norte-americano Paul Krugman, dizem que estamos mais perto de uma nova crise do que de qualquer solução para esta que nos vai dilacerando. Aliás, vale a pena visitar o seu blogue, ou lê-lo, semanalmente, no "New York Times".

Se nem sempre isso é transparente no seu discurso, a verdade é que Juncker tem essa consciência que o deve preocupar, não só em termos europeus, mas também por exercer responsabilidades do mais alto nível, num país que dá a melhor hospitalidade a escritórios e operações da banca internacional. Portanto, Juncker tem duas pistas para correr e é bom que levem as suas advertências a sério.

As palavras foram, felizmente, graves. Disse que "a Europa tem instrumentos de tortura no sótão", uma metáfora que deixa adivinhar medidas duras, se o capital especulativo insistir no desprezo pelas sociedades, pelo poder político, e persistir no sacrifício de todos os valores civilizacionais, ao primado de um lucro que não produz riqueza, nem garante a coesão das sociedades.

Mas isto revela outra coisa. As estruturas políticas europeias estão fortemente contaminadas pelo neo-liberalismo e este aviso mostra como muita gente se assustou, quando o primeiro-ministro luxemburguês se disponibilizou para se candidatar à presidência do Conselho Europeu. Conseguiu que, de uma vez, se abandonasse a possibilidade estulta de eleger Tony Blair. Mas, quase por magia, inventaram o belga Herman van Rompay para tapar o caminho a Jean-Claude Juncker. E, para esta missão de estorvar o percurso do primeiro-ministro do Luxemburgo, tinham, obviamente, de descobrir um belga ou um holandês, os dois parceiros do Luxemburgo no Benelux. Só assim teriam a certeza de neutralizar as intenções de Juncker. Ele não queria confrontar-se com vizinhos e aliados históricos.

Alguma imprensa norte-americana transcreveu, sem comentários, a afirmação do primeiro-ministro do Luxemburgo. E também sem destaque, pode mesmo dizer-se que o fez muito discretamente. Mas quem visita os jornais americanos sabe que, por norma, eles não dispensam cuidados aos acontecimentos europeus, ou às declarações de estadistas europeus. Portanto, o simples facto de agora terem transcrito partes da entrevista de Jean-Claude Juncker já é significativo. Por outro lado, a ausência de comentários – pelo menos, até ao momento em que escrevo – também quer dizer muita coisa. Desde logo, que quem gostou, não se sentiu à vontade para o dizer publicamente. E quem não gostou não teve forças suficientes para manifestar o seu desagrado.

Pela minha parte, devo dizer que, se Jean-Claude Juncker quiser, eu mesmo posso ir ao sótão buscar aquilo que está a fazer muita falta. Faço-o, para bem de nós todos.

Sérgio Ferreira Borges
analista político
(o autor assina semanalmente no jornal CONTACTO a coluna política "Avenida da Liberdade")

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