Falou na qualidade de presidente do Eurogrupo, o conselho que junta os ministros das Finanças dos Estados da Zona Euro, a que preside. E o que se lamenta é que não tenha falado, como presidente da Comissão ou presidente do Conselho Europeu.
O aviso de Juncker foi motivado pelos ataques constantes contra a Grécia que estão a impedir o país de sair da grave crise económica, sobretudo porque os custos da dívida pública estão em constante agravamento. Escrevi, esta semana na imprensa portuguesa, que Juncker é o único dirigente europeu que demonstra vontade de pôr essa gente na ordem. E isso merece os elogios que, embora discretos, lhe têm sido feitos. Vejamos agora se foi ouvido e, sobretudo, se as suas palavras foram respeitadas.
Os fundos de investimento, que são o braço armado da banca mais especulativa, têm sido os causadores da desgraça financeira, à escala planetária, tão grave que ainda ninguém percebeu como vai o mundo sair disto. Muitos analistas, incluindo o prémio Nobel da economia, o norte-americano Paul Krugman, dizem que estamos mais perto de uma nova crise do que de qualquer solução para esta que nos vai dilacerando. Aliás, vale a pena visitar o seu blogue, ou lê-lo, semanalmente, no "New York Times".
Se nem sempre isso é transparente no seu discurso, a verdade é que Juncker tem essa consciência que o deve preocupar, não só em termos europeus, mas também por exercer responsabilidades do mais alto nível, num país que dá a melhor hospitalidade a escritórios e operações da banca internacional. Portanto, Juncker tem duas pistas para correr e é bom que levem as suas advertências a sério.
As palavras foram, felizmente, graves. Disse que "a Europa tem instrumentos de tortura no sótão", uma metáfora que deixa adivinhar medidas duras, se o capital especulativo insistir no desprezo pelas sociedades, pelo poder político, e persistir no sacrifício de todos os valores civilizacionais, ao primado de um lucro que não produz riqueza, nem garante a coesão das sociedades.
Mas isto revela outra coisa. As estruturas políticas europeias estão fortemente contaminadas pelo neo-liberalismo e este aviso mostra como muita gente se assustou, quando o primeiro-ministro luxemburguês se disponibilizou para se candidatar à presidência do Conselho Europeu. Conseguiu que, de uma vez, se abandonasse a possibilidade estulta de eleger Tony Blair. Mas, quase por magia, inventaram o belga Herman van Rompay para tapar o caminho a Jean-Claude Juncker. E, para esta missão de estorvar o percurso do primeiro-ministro do Luxemburgo, tinham, obviamente, de descobrir um belga ou um holandês, os dois parceiros do Luxemburgo no Benelux. Só assim teriam a certeza de neutralizar as intenções de Juncker. Ele não queria confrontar-se com vizinhos e aliados históricos.
Alguma imprensa norte-americana transcreveu, sem comentários, a afirmação do primeiro-ministro do Luxemburgo. E também sem destaque, pode mesmo dizer-se que o fez muito discretamente. Mas quem visita os jornais americanos sabe que, por norma, eles não dispensam cuidados aos acontecimentos europeus, ou às declarações de estadistas europeus. Portanto, o simples facto de agora terem transcrito partes da entrevista de Jean-Claude Juncker já é significativo. Por outro lado, a ausência de comentários – pelo menos, até ao momento em que escrevo – também quer dizer muita coisa. Desde logo, que quem gostou, não se sentiu à vontade para o dizer publicamente. E quem não gostou não teve forças suficientes para manifestar o seu desagrado.
Pela minha parte, devo dizer que, se Jean-Claude Juncker quiser, eu mesmo posso ir ao sótão buscar aquilo que está a fazer muita falta. Faço-o, para bem de nós todos.
Sérgio Ferreira Borges
analista político
(o autor assina semanalmente no jornal CONTACTO a coluna política "Avenida da Liberdade")
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