quarta-feira, 18 de julho de 2012

Luxemburgo abre caça a beneficiários do RMG





A carta veio da Direcção da Imigração do Luxemburgo, um departamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros luxemburguês, e é peremptória. Maria e João (*) "não dispõem de recursos suficientes para eles próprios e os membros da sua família" e tornaram-se "uma sobrecarga não razoável para o sistema de Segurança Social" luxemburguês. "Em consequência, considero a partir deste momento revogar o vosso direito de residência, bem como o dos vossos filhos menores", termina a carta, que dá a Maria e João um prazo de oito dias para "apresentar observações".

Maria e João estão há quase quatro anos no Luxemburgo. João chegou primeiro, em 2008, e só esteve um dia sem trabalhar.

"Ao segundo dia arranjou trabalho, graças a Deus", conta Maria, que veio para o Luxemburgo alguns meses depois com os quatro filhos do casal. O mais velho sofre de uma doença rara, uma enfermidade incurável que se agravou com o clima do Luxemburgo. Maria ainda trabalhou durante 15 dias, mas o filho foi internado e teve de deixar o emprego. A doença do menor não tem tratamento no Grão-Ducado, e de seis em seis meses, Maria tem de levar o filho a uma clínica no estrangeiro, onde a criança chega a ficar internada por períodos de três semanas. "Nenhum patrão iria aceitar isso...".

Como Maria não pode trabalhar, a família tem de viver com o salário do marido. E como o que o marido ganha não chega para viver, têm direito a receber um complemento de Rendimento Mínimo Garantido (RMG), como prevê a legislação luxemburguesa. Foi um assistente social que informou a família de que tinham direito ao RMG, como todos os cidadãos comunitários que vivam no país há mais de três meses. "Mas agora a carta diz que damos prejuízo ao Luxemburgo e que vamos ficar sem 'droit de séjour' [direito de residência]", conta Maria, em lágrimas.

Desde que recebeu a carta, Maria não tem descanso: no dia seguinte estava à porta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para pedir explicações. "Só por telefone”, dizem-lhe. Uma funcionária chega a dizer-lhe que a carta "é definitiva” e que "não há nada a fazer, vão mesmo perder o direito de residência”. Pânico. Pelo telefone, esclarecem-na: sim, tem oito dias para explicar a situação da família, só depois é que o Ministério toma uma decisão.

"O meu marido sai de casa todos os dias às 4h30 da manhã para ganhar o salário mínimo. Faz isto há quatro anos. E agora querem que nos vamos embora, como se fôssemos criminosos? Mas nós roubámos alguém? Nós matámos alguém, para sermos extraditados do país? Eu não acho isto justo!".


CASOS NÃO PARAM
DE AUMENTAR


 Quem também não acha a situação "justa" é a ASTI. De há uns meses para cá, a Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes foi inundada de casos como este: cidadãos comunitários com cartas iguaizinhas à de João e Maria, só mudam os nomes.

"É uma invasão", garante Laurence Hever, assistente social no Guichet Info-Migrants da ASTI, que presta informação aos imigrantes.

"As primeiras situações surgiram no ano passado, mas nessa altura eram casos de pessoas que estavam desempregadas e tinham trabalhado pouco tempo no Luxemburgo. Desde Junho, há cada vez mais casos, incluindo de trabalhadores que recebem um complemento de RMG. Recebemos cinco casos por semana, um por dia. Mas estas são apenas as pessoas que nos contactam: há pessoas que não contactam sequer um advogado ou uma associação, e simplesmente não respondem".

E com apenas oito dias para responder, há muitos a deixar passar o prazo. "Oito dias para decidir o que vai ser das suas vidas", indigna-se a assistente social. "Há muita gente a deixar passar o prazo – têm medo, acham que se não fizerem nada o problema desaparece... E depois têm de contactar uma associação ou um advogado, porque, em geral, não são capazes de redigir uma resposta deste tipo. E têm de recolher documentos e provas, e isso leva tempo".

Na ausência de resposta, a Direcção da Imigração revoga automaticamente o direito de residência, "e retira-lhes o RMG e as prestações familiares". E sem direito a viver no país, "as pessoas caem numa zona de não-direito", explica Laurence Hever.

"Não são legais nem ilegais: não têm o direito de residir aqui, mas também não podem expulsá-los". É que a lei comunitária só permite a expulsão de cidadãos da UE em casos de segurança ou ordem pública: em nenhum caso a decisão de afastamento poderá ser baseada em razões económicas, diz a directiva comunitária sobre a liberdade de circulação. Mas ficar no Luxemburgo sem direito de residência significa perder o direito a trabalhar no país, perder o direito às prestações sociais e aos abonos de família, e, a prazo, "perder o apartamento, tudo”. "São os sem-papéis comunitários", sintetiza a assistente social, chocada com a falta de critério da Direcção da Imigração.

"Nunca pensei que chegássemos a este ponto. Há situações e situações. O que mais me choca é porem toda a gente na mesma gaveta. Não contesto o direito de o Governo fiscalizar os abusos, mas há pessoas que pura e simplesmente não deveriam receber esta carta", indigna-se a assistente social. É o caso, defende, de João e Maria.

"Aqui, não há qualquer abuso nem aproveitamento do sistema: a família faz esforços, mais até do que a maioria. O pai é trabalhador assalariado, e é impossível para esta mãe trabalhar, com quatro filhos, para mais quando um deles tem uma doença grave".


ASTI QUESTIONA MINISTRO DA IMIGRAÇÃO 


Há pouco mais de uma semana, a ASTI convocou uma reunião com vários juristas para discutir o problema. E decidiu questionar o ministro da Imigração sobre os critérios que levam ao envio das cartas e à revogação do direito de residência.

A carta para Nicolas Schmit seguiu na última sexta-feira e ainda não teve resposta. A de João e Maria, essa, já chegou. Com a ajuda da ASTI, o casal expôs a situação à Direcção da Imigração e enviou documentos e provas: atestados médicos com a doença do filho, recibos de vencimento, cópias do contrato de trabalho de João. Pensaram que o caso ficaria por aí, mas a resposta do Ministério fê-los sentir que voltaram à estaca zero.

A carta diz que a família recebeu "uma soma de mais de 50 mil euros" de RMG nos últimos três anos, e pode por isso "ser considerada uma sobrecarga não razoável para o sistema de Segurança Social, tendo em conta que os rendimentos [de João] não chegam para cobrir as necessidades dele próprio e dos membros da família". E dá a Maria e João um prazo até Dezembro deste ano para "reduzirem de maneira significativa" a sobrecarga para a Segurança Social. Mas em Dezembro a situação da família não vai ser diferente: "A mãe vai continuar a não poder trabalhar, e enquanto o marido ganhar o salário mínimo, vão continuar a ter direito a receber este complemento”, diz a assistente social da ASTI.

Para Maria e João, a bomba-relógio que receberam pelo correio continua a ameaçar explodir.

Paula Telo Alves

* O casal pediu o anonimato.

1 comentário:

  1. Trata se de Puro Racismo . Existe de facto uma onda anti Portuguesa quer no seio dos Luxemburgueses quer das outras comunidades Imigrantes e Fronteiricos que querem ocupar o lugar que os Portugueses tem ocupado nas ultimas decadas neste anedotico Pais em que ninguem fala nem compreende o calao que debitam como se de um idioma se tratasse muitos sao na verdade analfabetos nem ler nem escrever o sabem ... mas enfim quem pode pode e como os Portugas para votar nao estao por Ai auto excluem se do sistema que so serve os interesses das classe dominante que ate faz lembrar o tal livro do Aldhus Huxley .. Admiravel Mundi Novo ...

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