As dúvidas eram poucas, mas permitiam alimentar alguma esperança. Mas agora, já há a certeza absoluta que o Natal dos portugueses está estragado, com o corte de 50 %, no 13o mês, deixando as famílias em desespero e o comércio a fazer contas de cabeça para perceber em que data vai colocar na montra o fatídico letreiro, "Liquidação Total".
O próprio governo tem noção do efeito altamente recessivo que esta medida terá na economia portuguesa. Victor Gaspar, ministro das Finanças, terá dito aos seus pares que ao fim de 37 meses, segundo os seus cálculos, a economia reanimaria. Pela minha parte, pergunto se, daqui a 37 meses, ainda haverá economia que resista.
Pedro Passos Coelho conta para já com o apoio dos comentadores mais conectados com a direita que defendem para Portugal um "choque liberal" que venha estimular o empreendedorismo. Eu pergunto se o "choque liberal" de José Sócrates já não foi suficiente para provar que essa não é a solução?
A 15 de Setembro de 2008, o mundo viu-se mergulhado na mais catastrófica crise financeira, com óbvios reflexos na economia. O neoliberalismo tinha falido e tinha levado toda a economia também à falência. A desgraça espalhou-se e só uma parte da Ásia e da América do Sul escaparam.
Pensava-se então que, após este desastre, as teorias de Milton Friedman e Allan Greenspear dariam lugar à moderação e a uma regulação dos mercados financeiros que evitasse nova hecatombe. Mas não, o neoliberalismo mantém-se tranquilamente a reunir condições para nova crise, mesmo depois dos avisos deixados por eloquentes economias como Paul Krugman e Joseph Stiglitz ambos Prémio Nobel da Economia ou ainda por Jacques Attali, tido como o fundador do pensamento económico liberal de Charles De Gaulle.
Em Portugal, o entusiasmo neoliberal está de regresso. Já se enganaram com José Sócrates, agora querem enganar-se com Pedro Passos Coelho e com o conjunto de ministros que se afirmam simpatizantes dessa escola. Parece até existir um concurso, para se apurar quem é o mais neoliberal dos membros do novo governo. Repito a metáfora que já aqui usei: quando há um incêndio, devia chamar-se os bombeiros e não os incendiários. Aqueles e as ideias que fizeram esta crise não têm soluções para ela. São o problema, não são a solução.
E até as promessas falhadas pelo primeiro-ministro, já são justificadas com a agilidade de que um poder neoliberal necessita. Vejamos: desde Abril que Passos Coelho tem dito e redito que a confiscação do subsídio de Natal era um "disparate" ou uma "crassa asneira" – as duas expressões são dele. Mal se apanhou no governo e com a desculpa de que a execução orçamental tinha entrado em derrapagem, adoptou essa medida que, jura ele, será temporária.
Também disse que jamais justificaria as suas medidas, com a herança socialista. Mas, no debate do programa de governo já o fez, no que foi copiado pelo ministro das Finanças. As poucas informações que têm saído do gabinete de Victor Gaspar trazem sempre, como pressuposto de partida, o mau estado em que o PS e José Sócrates deixaram as finanças e a economia.
Mas o governo tem a tarefa facilitada. Está a agir, praticamente, sem oposição. O PCP está igual a si próprio, marcou para este mês uma jornada de luta que não vai incomodar ninguém, porque cai em cima de um período de férias. Depois, comete o erro enorme de retirar espaço de manobra aos sindicatos, sobretudo à CGTP. O Bloco de Esquerda parece atravessar um processo de dissolvência, depois da derrota de 5 de Junho. E o PS, decapitado desde essa data, procura uma nova liderança. Na corrida estão dois candidatos que coincidem num ponto: nenhum deles agrada a ninguém. E a questão foi levantada com mestria por Mário Soares ao dizer que "não apoia nenhum, porque é amigo dos dois". Quem conhece Soares sabe o que isto quer dizer: não apoia nenhum, porque não acha nenhum com competência para liderar o partido que ele fundou. Já deu sinais inequívocos de preferir, apesar de tudo, António José Seguro, porque é o candidato que rompe com o socratismo e promete devolver o PS à esquerda. Pelo contrário, Francisco Assis apresenta-se como o candidato da continuidade e, por isso, os seus principais apoios vêm do núcleo duro de José Sócrates.
Seja qual for o vencedor, pode ser um líder a prazo, até que alguém convença, por exemplo, Eduardo Ferro Rodrigues a regressar à liderança do partido.
Sérgio Ferreira Borges,
analista político
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