A comunidade luso-guineense no Luxemburgo está a acompanhar a situação do país com alguma preocupação e mostra-se incomodada com o que se passa no terreno, mas também com a imagem dos guineenses.
Quintino Gomes nasceu em Bissau e conta já com uma larga experiência de vida. Tem ainda família na capital com quem mantém contacto. De Bissau chegam-lhe notícias que a situação no terreno pode tornar-se crítica.
"A família diz que as pessoas já estão com dificuldade para encontrar alimentos. Está tudo fechado e as pessoas têm receio de sair de casa", conta Quintino Gomes, que lamenta o estado do país. "A situação é lastimável. Não podemos concordar com a perturbação da ordem constitucional. Não nos abona em nada resolver as coisas pela via da violência. O diálogo deve estar acima de tudo e os militares e os políticos têm de ter isso em conta", admoesta Quintino Gomes. "Que deixem o processo eleitoral acabar e, se houver fraudes que resolvam isso no sítio certo e não com levantamentos de armas", conclui.
Meta Mané, natural de Gabu (antiga Nova Lamego), está à frente da associação Luso-guineense desde a sua recente criação e não poupa críticas aos militares.
"Isto é inadmissível. Governar o país não é governar a nossa casa. É o povo que manda, mas os militares pensam que mandam porque têm armas. Se eles não sabem governar que deixem quem sabe. A violência não resolve nada e o povo já está cansado", diz Meta Mané.
Do contacto que tem com a família na Guiné, diz que "o país estava a andar bem e o governo deposto estava a caminhar muito bem, mas agora a situação é muito preocupante e a primeira coisa a fazer é restaurar a paz".
Com o golpe de Estado, o presidente da Luso-guineense vê-se agora obrigado a repensar os planos do regresso à terra natal. "Estou fora do país há 23 anos e tinha planos de regressar ao meu país. Gostava de compor a minha casa e estar com a família, mas vou ter de rever as coisas face a este cenário."
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Fotos: Lusa |
Meta Mané pede uma força de transição. "Não tenho orgulho nenhum ao acompanhar os últimos acontecimentos quando chego a casa. Já não temos credibilidade e estamos comprometidos no plano internacional. Precisamos de uma força de transição, mesmo que seja durante 15 anos, para restabelecer a paz e a dignidade do país".
Quem passou também pelo país foi o escritor português radicado no Luxemburgo, José Manuel Saraiva. O romancista, que foi militar e viveu a guerra na Guiné, continua atento ao que se passa no país, mas não está surpreendido.
"Tenho acompanhado os desenvolvimentos e acho inconcebível o que se está a passar na Guiné. Lamento profundamente a situação, mas isto não me surpreende dado o historial do país ao longo destes anos, com tanta onda de levantamentos militares", diz o antigo jornalista, que vê questões de "natureza não política" nesta crise. "As questões não são tanto de ordem política, mas, como toda a gente diz, são mais de natureza do tráfico."
Tal como a maioria da comunidade guineense, José Manuel Saraiva espera também que a comunidade internacional "ponha ordem" no país. "Fiquei contente com a tomada de posição da União Europeia e das Nações Unidas e espero que a comunidade internacional ponha ordem naquilo. Perdemos [os portugueses] muitas vidas na Guiné e eles também. É um país amigo, mas desde a independência é uma pena não saberem levar as coisas", lamenta o escritor.
Já para o guineense José Manuel dos Santos, natural de Cacheu, a falta de formação e divisão étnica entre os militares não podem ser esquecidas entre as possíveis causas do estado em que o país se encontra.
"A questão étnica tem muita força. Mesmo entre os militares há divisão por questões étnicas e os políticos sabem a quem ir buscar apoio. A maior parte das pessoas que passaram pelas Forças Armadas ficaram como militares e ficaram também sem educação. A ignorância é visível e nunca vão entregar o poder. A única solução passa pela intervenção da comunidade internacional", diz José Manuel, que adianta ainda que os familiares na Guiné "estão bem, mas evitam sair porque nunca se sabe."
Outra figura da comunidade guineense no Luxemburgo é a presidente da associação Bissau-Lanta, para quem a actual situação envergonha ainda mais a comunidade.
"É muito triste e vergonhosa a situação para a imagem da comunidade, também aqui no Luxemburgo. Queremos dizer às pessoas que não vivemos todos assim. Não se compreende o que se está a passar e isto incomoda-nos. Não temos tranquilidade e como país não conseguimos criar confiança no seio da comunidade internacional", desabafa Maria dos Reis Vieira.
"Espero que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) cumpra a sua decisão de parar esses militares. Estamos cansados", acrescenta Maria Vieira, que tem seguido a situação através da internet e de relatos de familiares em Bissau. "Os familiares dizem que têm medo de sair à rua. As pessoas não podem ir ao banco ou receber dinheiro do estrangeiro. Não se pode comprar nada e andam com dinheiro na mão", conta a presidente da Bissau-lanta.
Texto: Henrique de Burgo