quarta-feira, 24 de junho de 2009

Português vítima de rede de tráfico de órgãos escapa a raptores

Um português residente em Oberkorn queixa-se de ter sido raptado por membros de uma rede de tráfico de órgãos. Escapou aos raptores, mas não ganhou para o susto.

É uma história como se vê nos filmes de terror, um pesadelo que julgamos só acontecer aos outros. Carlos (nome fictício), de 33 anos, camionista no ramo do transporte de mercadorias, ia a caminho da Suíça, na terça-feira da semana passada, quando decidiu fazer a primeira paragem numa área de repouso perto de Colmar, em França, a cerca de 250 km do Luxemburgo. Era meio-dia em ponto e o emigrante português conduzia há cerca de três horas.
"Saí do camião e olhei para a cabine. Tenho lá escrito o nome dos meus filhos. Foi a última coisa que vi, não me lembro de mais nada", contou ao CONTACTO.
Quando acordou, Carlos estava dentro do que lhe pareceu uma ambulância, atado a uma maca. "Tinha uma pessoa à minha esquerda, de costas para mim. Vi que estava atado a uma maca, uma espécie de tabuleiro em inox, com fita adesiva forte, aquela larga, cinzenta. Tinha a boca tapada com Scotch. Fechei os olhos outra vez, e a pessoa saiu e deixou a porta da carrinha aberta. Nisto disse a outra pessoa, que eu não vi, que eu 'já estava preparado', ou 'marcado', não percebi bem".
Segundo Carlos, os homens falavam francês, um deles com sotaque do Leste. Em estado de choque, o imigrante português no Luxemburgo ouviu um deles perguntar: "Mas começo por onde? Pelos rins, pelo coração?".
"Entrei em pânico", conta Carlos. "Tinha a T-shirt puxada para cima e o corpo todo marcado com marcadores e incisões [superficiais] feitas com bisturi no peito, no coração e na zona do pâncreas e dos rins", conta. Carlos conseguiu então arrancar a fita que o prendia e sair da carrinha.
"O homem que tinha estado ao meu lado começou a bater-me, deixou-me a cara cheia de hematomas. Quando tentei escapar, agarrou-me pela T-shirt e rasgou-ma, mas comecei a correr pelo bosque adentro". Carlos não chegou a ver o segundo homem, mas ouviu-o gritar "laisse-le, laisse-le!" ("deixa-o"). Enquanto corria, diz também ter ouvido disparos, "quatro".

A FUGA

O imigrante português correu durante o que lhe pareceram alguns quilómetros. Exausto e em estado de choque, acabaria por cair num riacho. "Sempre a rastejar, completamente exausto", conseguiu sair e subir para uma ponte, num caminho florestal. Aí, desmaiou. "Quando acordei tinha cinco pessoas em cima de mim: comecei a bater-lhes, mas soube depois que eram os bombeiros". Um "motard" que passou terá lançado o alerta quando viu Carlos inconsciente. Encontrado a cerca de 35 km da área de repouso onde parara o camião, o imigrante português no Luxemburgo foi então conduzido ao Hospital de Colmar, onde foi examinado por um médico-legista, que efectuou uma bateria de testes, "incluindo para despistar alucinações". "Nunca fumei, nunca bebi e nunca tomei drogas", garante Carlos.
O imigrante português disse ao CONTACTO que a médica-legista que o viu em Colmar lhe terá dito que provavelmente foi atingido por um dardo com narcóticos, do tipo usado para anestesiar animais: Carlos tinha marcas de uma picada na perna direita.
O imigrante foi pára-quedista ainda em Portugal, durante dois anos, e joga futebol aos fins-de-semana com amigos, o que explica a boa forma física que lhe terá facilitado a fuga.
Carlos viria a ter alta um dia depois de dar entrada no hospital de Colmar, na quarta-feira passada. As sequelas psicológicas, essas, vão ser mais difíceis de sarar (ver caixa).
"Não consigo dormir. Sinto-me sozinho, como se ainda estivesse naquela floresta, e tenho receio de que tenham ficado com os dados do camião e que venham atrás de mim e da minha família", diz Carlos.

POLÍCIA SEM PISTAS

Contactado por este jornal, o subchefe da Gendarmerie de Colmar, Jean-Luc Franck, diz que a polícia está a investigar o caso mas que ainda não tem pistas.
"Estamos a cruzar informações, mas até agora não temos qualquer pista. Fizemos um retrato-robot de um dos suspeitos [a partir da descrição da vítima], e em retratos-robots há sempre vários casos que podem corresponder. É um pouco cedo para ter elementos concretos, mas não excluímos nenhuma hipótese de trabalho", disse aquele responsável da Polícia francesa ao CONTACTO.
A Polícia francesa procura também uma carrinha Renault Traffic, fechada, de cor branca.
Esta é a primeira queixa de tráfico de órgãos recebida pela Polícia de Colmar. "Nunca tivemos este tipo de casos, mas merece que o investiguemos e percebamos o que se passou", disse ao CONTACTO Jean-Luc Franck. O subchefe da Polícia de Colmar disse ainda que vai contactar a Polícia luxemburguesa durante o inquérito, a decorrer.
O camião que o imigrante conduzia foi encontrado na área de repouso perto de Colmar, no local onde este o deixara antes de ser levado para um descampado a cerca de 35 km da auto-estrada. Apesar de ter deixado o veículo aberto, "não faltava absolutamente nada, nem sequer o telemóvel", disse Carlos ao CONTACTO.
Paula Telo Alves

Vítimas além-fronteiras: a quem recorrer?

Ser alvo de um crime noutro país agrava as dificuldades da vítima. Carlos que o diga: quando o CONTACTO falou com o imigrante português, uma semana depois do incidente, este ainda não tinha sido visto por um psicólogo, apesar de ter tentado obter informações junto da Polícia luxemburguesa.
"Em Colmar deram-me os contactos de um serviço de apoio à vítima, mas em França, e eu vivo no Luxemburgo. Mas quando fui ao Comissariado da Polícia na rue Glesener, na sexta-feira, disseram-me que o caso é com a Polícia francesa e não me deram atenção nenhuma. Queria que me dissessem o que fazer, a quem posso recorrer, mas não quiseram saber de mim para nada e nem um médico me recomendaram", conta, revoltado.
Contactado por este jornal, o porta-voz da Polícia luxemburguesa, Vic Reuter, diz que a Polícia luxemburguesa não pode aceitar queixas por crimes cometidos noutro país, e que a Polícia "não é um serviço de consulta médica". Mas questionado sobre se o papel da Polícia não é também o de aconselhar as vítimas de crimes, Vic Reuter concorda que a Polícia deveria ter informado o imigrante português sobre os serviços de apoio à vítima no Grão-Ducado.
"Só podemos orientar as pessoas para os serviços competentes. Temos um panfleto para orientar as pessoas para um serviço de apoio psicológico, e pergunto-me porque é que [a vítima] não o recebeu", disse o porta-voz da Polícia luxemburguesa ao CONTACTO.
P.T.A.

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