A relação entre o governo e o PS, por um lado, e a Presidência da República, por outro, não pára de se degradar. O último episódio foi uma troca de acusações entre a direcção do PS e assessores de Cavaco Silva, com insinuações de "espionagem" política.
Tudo terá começado com a alegada colaboração, prestada por um assessor da Presidência da República, à elaboração do programa de governo do PSD. Dois dirigentes do PS, José Junqueiro e Vitalino Canas, reagiram insinuando que a Presidência da República estava a colaborar com uma força partidária, pondo em causa o princípio de isenção a que está obrigada.
Na réplica, um assessor da Presidência disse que o pessoal da Casa Civil estava a ser vigiado pelo PS ou pelo governo e que tudo não tinha passado de um encontro de amigos entre um assessor de Cavaco Silva e dirigentes do PSD.
José Sócrates foi o último a pronunciar-se, mas foi incapaz de mandar calar o seu pessoal. Considerou o caso um assunto de Verão, insinuando que os jornais se dedicaram ao tema, por manifesta falta de assunto.
O caso levanta algumas questões de solução difícil. Em primeiro lugar, para uma análise cuidada devia conhecer-se, com rigor, o tipo de colaboração que existiu. Por uma razão, qualquer assessor do Presidente da República tem o direito de se encontrar com quem quiser, sendo a conversa de tipo rigorosamente privado, não merecendo, por isso, qualquer comentário. Resta acrescentar que os assessores da Presidência da República podem manter vínculo partidário, ainda que, eticamente, devam abster-se de qualquer actividade partidária.
Donde, uma conversa entre um assessor da Presidência e dirigentes partidários é absolutamente curial.
Pelo contrário, se essa colaboração se revestiu de um carácter mais formal e continuado, tudo muda de figura e o Presidente da República devia ter intervindo, demitindo até o assessor. Mas nada indica que tenha sido este o caso.
A intervenção da Presidência da República em questões partidárias não aconteceu agora pela primeira vez. Quando António Guterres se candidatou à liderança do PS foi recebido pelo então chefe da Casa Civil do Presidente da República, Alfredo Barroso. Os dois foram fotografados à entrada do Palácio de Belém e isso foi visto como um apoio expresso de Mário Soares à candidatura de Guterres, contra Jorge Sampaio. Na altura, o assunto foi comentado em vários tons, mas sem criar uma polémica, como a que agora se verificou.
O aspecto mais grave, desta vez, refere-se à possibilidade, aventada por fontes anónimas de Belém, de o governo e o PS estarem a vigiar os assessores de Belém. Se isso de facto se comprovasse, seria extremamente grave. Seria mesmo necessário apurar quem se ocuparia dessa tarefa. Mas não há indicadores seguros de que isso aconteça. Embora o assunto continue envolto em mistério, os factos devem ser menores e mesmo banais. Alguém terá visto um assessor de Belém em conversa com dirigentes partidários e daí tirou conclusões, provavelmente, precipitadas. Ou decidiu explorar o assunto, no quadro da tensão crescente entre Belém e S. Bento.
A circunstância de tudo isto estar a acontecer em Agosto, mês geralmente parco em notícias, e a proximidade de duas campanhas eleitorais tem multiplicado os seus efeitos. Mas não há dúvida de que está a perturbar as relações difíceis, entre o Presidente da República e o primeiro-ministro.
Cavaco Silva promulgou esta semana, o diploma que mantém, para o próximo ano lectivo, o sistema de avaliação simplificada dos professores. Gorou, com isso, algumas expectativas que esperavam mais um "chumbo" de Cavaco Silva.
Apesar disso, as relações institucionais não melhoraram, tanto mais que o PS continua convencido que o Presidente da República tem a esperança de salvar a sua amiga de sempre, Manuela Ferreira Leite. E a salvação da líder social-democrata passa, inevitavelmente, pela vitória nas eleições legislativas de 27 de Setembro.
E Cavaco Silva parece ser uma das personalidades que acredita na vitória do PSD e na consequente saída de cena de José Sócrates. Por isso, já não teme o confronto, sabendo que, dentro de algumas semanas, terá, em nome do PS, um outro interlocutor, com quem então evitará todo o tipo de conflitos, de modo a não sofrer desgaste político e assim não prejudicar as suas possibilidades de reeleição, em 2011.
Sérgio Ferreira Borges
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