Na realidade, percebia-se mal que um político que sempre se manifestou um inimigo visceral das políticas comuns viesse a presidir à União.
Tal como Thatcher, Blair sempre foi contra a moeda única, contra a Carta Social Europeia, contra a Política Agrícola Comum, contra o Espaço Schengen e contra a Política Externa e de Segurança Comum e ninguém percebia como poderia defender estes valores estruturantes da União no exercício da Presidência.
Acresce que a sua eventual candidatura nunca foi assumida pelos Estados-membros, mas antes, por um pequeno grupo que incluía Durão Barroso e que fez um escandaloso projecto de distribuição de cadeiras que, só por si, punha em causa a democraticidade da União e a intolerável promiscuidade com a NATO. O primeiro a resolver a sua vida foi o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, que assumiu já o cargo de secretário-geral da NATO. Foi substituir o holandês Jaap de Joop Scheffer que, nos termos deste acordo conspirativo, seria o novo responsável pela Política Externa e de Segurança Comum e ainda alimenta essa esperança.
Durão Barroso não ficou de fora e foi reconduzido na Presidência da Comissão, com as dificuldades que se viram.
A França não obtinha qualquer lugar, mas ficava com a garantia de que Jean-Claude Trichet se manteria na presidência do Banco Central Europeu (BCE) e outro francês, Dominique Strauss-Khan teria o apoio europeu para continuar à frente do Fundo Monetário Internacional (FMI). Apesar destas garantias, a França aceitou esse acordo de bastidores com alguma relutância.
O entusiasmo desta solução era visível, sobretudo nos jornais do grupo britânico Times que há mais de um ano tem andado a cozinhar estas alterações em lume brando. Por essa razão, estão agora a tratar Jean-Claude Juncker, com uma contrastante discrição. Mas a propaganda negra está eminente. Vão dizer que Juncker é um adepto dos paraísos fiscais e que atrasou as medidas de combate à crise. Estamos cá para ver quem são os jornais que se vão empenhar nesta campanha negativa.
Todos aqueles que têm assistido com indignação a este arranjo, vêem agora a candidatura de Juncker como uma janela de esperança, moralizadora da democraticidade europeia. Afinal, o rei ainda não vai completamente nu e há homens com força bastante para se oporem aos conluios e ao secretismo.
Juncker tem todas as condições para assumir uma candidatura vitoriosa e, sobretudo, uma grande presidência, ao nível dos grandes europeístas, como Helmut Kohl, François Miterrand, Felipe Gonzalez ou Jacques Delors. É uma personalidade respeitada em toda a Europa que, pela sua estatura moral e cívica, pode muito bem cativar apoios à esquerda e à direita, sobretudo entre as duas grandes famílias políticas europeias, o Partido Popular (PPE) e o Partido Socialista (PSE).
Além disso, o seu desempenho na presidência do Eurogrupo é unanimemente elogiado e, num momento de crise tão grave, a União só teria a ganhar se tivesse na presidência do Conselho uma figura com competência na área financeira. Nota-se-lhe também um espírito aberto e tolerante que o distingue das lógicas imperantes na Comissão que a conduzem a uma fúria regulamentadora, por absoluta incapacidade de resolver os grandes problemas da Europa. Sem ser um argumento a levar muito a sério, chega-se a dizer que neste momento de luta segregacionista contra os fumadores a presença de Jean-Claude Juncker, fumador inveterado, no topo da União Europeia seria uma corrente de ar fresco.
No plano nacional, há que referir a recondução de António Braga, como secretário de Estado das Comunidades. A decisão foi tomada, conjuntamente, por José Sócrates e Luís Amado e obedeceu à lógica do mal menor. O nome que estava na calha era o de Pedro Lourtie, a que se veio juntar depois o de Paulo Pisco, proposto por José Lello. Sócrates propôs então a Amado que mantivesse António Braga, deslocando Lourtie para os Assuntos Europeus, desejo que o próprio já tinha manifestado.
Sérgio Ferreira Borges*,
analista político
(o autor assina semanalmente a coluna política "Avenida da Liberdade" no jornal CONTACTO)
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