quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Luxemburgo: Embalar e Desembalar para ver no Instituto Camões

"A viagem"...

...e a "Embalagem", duas esculturas de Lino Galvão ( na foto, em baixo) que estão em exposição até dia 16, no Instituto Camões, na cidade do Luxemburgo

"Estamos todos embalados, condicionados num sistema social que não nos deixa pensar de outra forma e quando o fazemos passamos a ser marginais. Só os artistas têm alguma liberdade de pensamento, porque têm tempo e por isso muitas vezes são considerados malucos", Lino Galvão dixit . O pintor e escultor português inaugurou na quinta-feira mais uma exposição de pintura e escultura no Instituto Camões, na cidade do Luxemburgo. A loucura de Lino Galvão está sobretudo patente através de peças como "A Embalagem": dois homens feitos em papel de jornal com uma rede vermelha na cabeça que carregam, em cima de uma prancha embrulhada em plástico, uma caixa de um candeeiro IKEA – "É a busca da luz, é o condicionamento em que vivemos, enredados, embalados nesta sociedade de consumo do plástico, da poluição da agenda dos media", explica o autor. Ou ainda numa outra ("A Viagem"), uma peça em aço galvanizado: "O aço que é trabalhado pelos portugueses nas obras", diz Galvão – e que está repleto de cuecas de senhora, um "soutien" e um par de "collants" – "é a primeira coisa que nos envolve: a nossa roupa íntima, é a nossa primeira embalagem", explica Lino Galvão ao CONTACTO. Ao longo da exposição, o autor abre o baú das suas memórias: o mar de Portugal – "presente em todas as obras, o mar é a mãe do mundo, o mar que hoje é um lixo"–, as mulheres de negro – "na minha terra as mulheres era assim que se vestiam"–, e ainda as viagens que o artista fazia entre o Luxemburgo e Portugal, de carro, por altura do Natal ou nas férias de Verão – "Os tejadilhos carregados de bagagem, tipo árabes, o farnel comido à beira da estrada, os rostos das pessoas com quem me cruzava". A exposição agora inaugurada já está preparada há um ano. A crise económica que ainda afecta a economia mundial mergulhou o artista plástico na busca da sua identidade e das suas origens. Aos 48 anos de idade, a vida, construída ao longo de mais de vinte anos de carreira, já lhe deixa tempo para filosofar. "Cheguei muito novo ao Luxemburgo e sempre me preocupei por saber a minha identidade, a minha origem, uma vez que a minha vida está confrontada com duas realidades culturais diferentes: a portuguesa e a do Luxemburgo. Nasci no meio da ditadura, em que a Igreja era o centro da vida das pessoas, para vir descobrir os centros comerciais, a cultura, e a economia no centro das preocupações desta sociedade. Mas o que é a economia? Será mais importante do que as pessoas? A economia esmaga as pessoas. E que dizer do tempo? Onde é que estamos no tempo? O tempo é abstracto e o tempo não existe", diz Lino Galvão.

Natural de Soure, Lino Galvão fez os seus estudos na Escola de Belas Artes em Nancy (1982-83) e na Escola Nacional Superior de Belas Artes em Paris (1983-87), onde foi aluno de Étienne Martin. É a segunda vez que expõe no Instituto Camões do Luxemburgo, país onde fez a sua carreira. Em Portugal, Lino Galvão já participou numa colectiva da Galeria Almada Negreiros, já expôs no Porto, e também esteve presente na Bienal de Escultura das Caldas da Rainha. Mas os seus clientes são maioritariamente luxemburgueses. Em Portugal, " a minha mãe já me comprou qualquer coisa", diz o artista plástico e escultor ao CONTACTO. Mas apesar de uma vida dedicada à pintura e à escultura, Lino Galvão revela um ligeiro amargo de boca quando revela que não pode viver exclusivamente da sua criatividade. "Sou professor de Trabalhos Manuais na Liceu Técnico de Bonnevoie. Convidei os meu alunos para virem visitar esta exposição, mas eles nem sabem o que é isso! Visitar um museu, ou uma exposição numa galeria, é para eles como ir a um hospital: é chato!". A exposição vai estar patente até 16 de Dezembro. As obras expostas podem ser adquiridas pelo público: a mais cara vale 6.000 euros, uma escultura que retrata "a mulher que embala o menino, como se fazia na minha terra", explica o autor; as mais baratas custam 200 euros. Mas há uma surpresa reservada aos possíveis compradores: uma das obras expostas é oferta do artista. Basta querer comprá-la. Quando for a pagar, descobrir-se-á se é a peça escolhida para oferta ou não. É só uma questão de tentar a sorte.
Domingos Martins
Fotos: Manuel Dias

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