Os portugueses chamam-lhes "Casas de Homens" ou "Foyers des Travailleurs". Construídos nos anos 70 para acolher a primeira vaga de imigração portuguesa, estes lares sociais continuam cheios. De operários portugueses.
" Levanto-me de manhã às 7h, apanho a carrinha da firma e vamos para o 'burô' [escritório]. O pessoal é dividido, fazemos as nossas oito horas e voltamos para casa. Uns vêm fazer o comer, outros vão comer ao café. Depois vê-se um bocadinho de televisão, e ao outro dia estamos lá outra vez" .
A vida de Aurélio no Foyer des Travailleurs é assim há 21 anos. Quando chegou ao Luxemburgo, este pedreiro da construção ainda não tinha feito 18 anos. "Ainda tive de trazer autorização do meu pai para vir para aqui" . Esteve "dois meses a viver com uns tios", à espera de vaga no lar da rue de Mühlenbach, uma residência social que acolhe trabalhadores estrangeiros. Hoje tem 39 anos e não conhece outra casa desde que atingiu a maioridade. "Era para vir dois anos, já lá vão vinte e tal, e uma pessoa cá está" .
No Foyer des Travailleurs, Aurélio partilha um quarto duplo, toma banho nos chuveiros colectivos e divide a máquina de lavar e a televisão da sala com os restantes inquilinos. A cozinha é que não: "Sou preguiçoso, vou comer ao café" . Por 300 euros por mês, almoça e janta num café próximo, gerido por portugueses, e "à semana" leva marmita para o trabalho. Pelo quarto, paga 200 euros.
Este é o maior dos três lares para trabalhadores imigrantes a funcionar no Luxemburgo. Aqui vivem 90 homens, "a grande maioria portugueses" , garante António Ribeiro, porteiro do Foyer há 30 anos. São pedreiros, carpinteiros, ladrilhadores, "maçons" . "Que é que eles ganham? Vá lá que ganhem com um bocado de sorte 1.500/1.800 euros... Temos aí pessoas casadas que têm de mandar dinheiro para Portugal. Se ganham 1.500 euros, como é que podem pagar um estúdio e ainda ficar com dinheiro?" , pergunta António Ribeiro.
À porta do Lar dos Trabalhadores bate cada vez mais gente, garante António, a viver no Luxemburgo desde 1973, a data em que o edifício foi construído. "Isto está sempre cheio e não chega, há sempre gente a bater à porta. A grande maioria que vem cá pedir alojamento são pessoas que vêm directamente de Portugal. Há um ou outro que vem dos cafés, por causa das condições, mas tirando isto não há mais nada. Para onde é que as pessoas hão-de ir, para os hotéis?" .
Construído no auge da imigração portuguesa, o Foyer da rue de Mühlenbach, na periferia da capital, é um dos três geridos pelo Gabinete Luxemburguês de Acolhimento e Integração (OLAI, na sigla em luxemburguês). O OLAI dispõe de 150 camas para trabalhadores imigrantes com dificuldades económicas, um número que não chega para a procura, garante António Ribeiro.
"Houve um período, aqui há coisa de dez, quinze anos, que a coisa abrandou muito. Mas ultimamente tem sido muita gente a pedir. Há coisa de quatro, cinco anos, a coisa tem aumentado. Eles batem à porta. Se houver lugar, ficam, se não houver, não ficam. Mas é difícil, porque isto está sempre cheio".
A culpa, para este porteiro a dois anos da reforma, é da crise em Portugal. "Os portugueses começaram a emigrar outra vez em massa, mas as condições são outras. Há menos trabalho e há mais problemas. Antigamente não havia 'interims' [empresas de trabalho temporário], hoje os patrões vão lá buscar as pessoas e não têm responsabilidades nenhumas. Depois vive-se num ambiente incerto, a pessoa nunca sabe se tem trabalho, não tem direitos nenhuns".
VISITA GUIADA
De fora, parece um vulgar prédio de apartamentos, com a arquitectura indistinta dos anos 70. Mas em vez de apartamentos, o Foyer está dividido em oito blocos, cada um com seis quartos – todos duplos, todos iguais.
"Reparou que é tudo a mesma coisa? Há hotéis piores, não há?" , pergunta António Ribeiro. São três da tarde, a hora da visita combinada por intermédio do OLAI, e vêem-se poucos trabalhadores, mas os que passam dizem "boa tarde". António Ribeiro é o único que tem acesso a todo o edifício: os inquilinos só dispõem da chave do bloco onde vivem, "para evitar problemas", mas quem vê um, viu todos. No bloco 1, no primeiro andar, as áreas comuns estão indicadas com letreiros. "Séjour", "Cuisine", "WC", "Buanderie", "Douches" ( abertos, "como nas piscinas" ), são partilhados por 12 homens. Na cozinha, há 12 fogões, um por inquilino.
Os quartos têm um lavatório, dois armários, duas camas de solteiro, duas prateleiras, uma mesa e duas cadeiras. Em alguns, vêem-se marcas de quem lá vive: aqui um cachecol do Benfica, ali um rádio que já viu melhores dias, noutro uma imagem de Santo António, maços de cigarros, fotos de família. António conhece toda a gente: "Este senhor é do Algarve" , diz, apontando para uma das camas, "este é de Leiria" . "Aqui vivem dois portugueses que estão em Portugal, também trabalham na construção. Um está de férias, o outro foi ver um familiar" . "Estes estão a dormir, trabalham por turnos" . António garante que o sistema funciona e que raramente há problemas. "Andam todos ao mesmo, aqui todos sentem a miséria nos ossos. Chove para uns, chove para os outros" .
Segundo Arthur Antony, responsável do alojamento no OLAI, em média os inquilinos dos foyers vivem ali três anos e meio, mas há quem fique dez, 15, 20 anos. "A lei diz que não podem estar mais de três anos, mas essa lei nunca foi cumprida. É que não há alternativas para quem vive sozinho" , explica António Ribeiro.
Como Aurélio, um dos veteranos. Nunca pensou sair daqui? "Pensar, já pensei, o pior é a carteira!", diz. "Ele é solteiro, ia daqui para onde?" , pergunta António. E depois "é quase uma família, aqui". A única que Aurélio conheceu nos últimos 21 anos.
Paula Telo Alves
Foto: Jêrome Melchior
como é que pode ser? se os portugueses quando vão a portugal dizem que a vida no luxemburgo é muito mais barato que em portugal. então se um sennhor, desses lares ganha 1500 euros podem mandar para portugal 1000euros que ainda fica com 500euros se a vida no grâo-ducado é realmente mais barato, por favor em portugal ha quem viva com menos de 500euros, e vivem.
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