Um ano depois dos primeiros alertas na imprensa, o problema das más condições nos quartos arrendados em cafés chegou finalmente ao Parlamento luxemburguês.
Os deputados discutiram o assunto com o ministro da Habitação, Marco Schank, na semana passada. Os deputados querem reforçar a fiscalização nos cafés e encontrar soluções para a penúria de alojamentos a baixo custo, que obriga muitos imigrantes a viver em condições insalubres.
Há um ano, o CONTACTO já dava conta do problema. Nessa altura, as autarquias de Esch e Differdange abriram caça aos cafés que alugam quartos insalubres. Por cima dos estabelecimentos, a maioria explorados por portugueses, as autoridades descobriram condições de tirar o sono. Em Differdange, havia 17 pessoas a partilhar uma só sanita e duche, e quartos com 1,5 m de altura. Em Esch, a autarquia teme uma tragédia.
A maioria dos cerca de mil hóspedes nestas condições são portugueses recém-chegados ao Luxemburgo a trabalhar na construção: pagam entre 300 a 650 euros para dormir num quarto com mais duas a quatro pessoas, com ou sem alimentação. "É um caso de exploração de portugueses por portugueses", acusava na altura Roberto Traversini, vereador para os Assuntos Sociais de Differdange.
"Eles vêm para cá e não conhecem ninguém, não falam a língua, têm medo da Polícia, e acabam a viver em condições miseráveis".
O edil iniciou há dois anos uma campanha de fiscalização dos cafés que alugam quartos – a maioria, garante, explorados por portugueses –, e o que descobriu chocou-o.
"Havia um local com 17 pessoas e uma só sanita e duche. Tinham umas águas-furtadas com 1,5 m de altura onde viviam duas pessoas. E não era dos sítios piores, porque pelo menos era relativamente limpo", contou ao CONTACTO.
O "pior" dos 32 estabelecimentos fiscalizados pela autarquia, entre os 34 cafés registados, era um antigo cabeleireiro convertido em dormitório pelo proprietário do café ao lado – um "corredor de 12 metros por 2,5 com tabiques a cada dois metros", sem janelas. Os dez "quartos" assim formados duplicavam de capacidade com beliches, ao preço de 350 euros por cama. A viver entre dois tabiques, as autoridades encontraram uma grávida de oito meses e o companheiro, ambos portugueses.
"Fechámos imediatamente o local e encontrámos um estúdio para o casal", conta o vereador. Noutro café, "uma família portuguesa de três pessoas, um casal com um bebé de três meses, estava a viver num quarto de 9,5 m2, e há duas ou três semanas que não tinham água quente". A maioria dos 440 hóspedes a viver por cima dos cafés de Differdange são "imigrantes portugueses que trabalham no sector da construção", garante o vereador, tal como os 550 habitantes dos cafés em Esch-sur-Alzette, a segunda maior cidade do país e uma das que conta com maior percentagem de portugueses (32,7 %).
"Há alguns luxemburgueses e africanos, mas a maioria dos hóspedes são portugueses com contratos temporários nas empresas de construção", disse na altura ao CONTACTO a vereadora dos Assuntos Sociais de Esch, Vera Spautz.
"Encontrámos de tudo: insalubridade, problemas de higiene e de segurança", denunciou Vera Spautz, que iniciou a campanha de fiscalização há cerca de dois anos nos 55 cafés de Esch que arrendam quartos. "Em três ou quatro cafés, eram casas que deviam ser terraplanadas e reconstruídas, tal era a falta de segurança. Tremo de pensar no que poderá acontecer um dia se houver um incêndio: seria uma tragédia. Não podemos continuar a fechar os olhos".
Mas se as autarquias do Sul do país não fecham os olhos às más condições deste tipo de pensões, têm recusado até agora encerrar os dormitórios por cima dos cafés, por falta de alternativas para as centenas de imigrantes a receber salário mínimo que ali encontram um tecto a preços do tamanho da bolsa.
"A verdade, é preciso dizê-lo, é que estes problemas existem devido à penúria da habitação, sobretudo no sector do arrendamento, onde as rendas são desmesuradamente elevadas", admitiu na altura a vereadora socialista. E as alternativas sociais são insuficientes. "Esch-sur-Alzette dispõe de 440 alojamentos sociais, mas temos uma lista de espera de 400 famílias, e a procura não pára de aumentar".
Em Differdange, o dilema é o mesmo. "Não queremos fechar os cafés nem pôr ninguém na rua, até porque não temos alternativas suficientes a nível de alojamento social", disse ao CONTACTO o vereador de Differdange.
À passagem dos inspectores sanitários, os proprietários são notificados para melhorar as infra-estruturas dos estabelecimentos, sob a ameaça de encerramento ou processo de contravenção.
A maioria dos cafés são propriedade das grandes cervejarias nacionais ("brasseries"), a quem os comerciantes que exploram os cafés pagam renda. Sem o "comércio do sono", muitos teriam de fechar portas, afirma Roberto Traversini.
Texto: Paula Telo Alves
Foto: Paulo Lobo
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