domingo, 13 de fevereiro de 2011

Opinião

Cuidado com as prepotências

Sabia que a companhia aérea Ryanair lhe cobra taxas ridículas? Claro, provavelmente já sabia. As notícias são outras, e até são boas: o ponto de revolta chegou. Este é o sinal dado pela "rua". E, tal como todos os líderes dos países árabes, desde Mubarak a Khadafi, estão neste momento a perceber, é importante sentir os sinais enviados pela "rua", caso contrário, podem explodir de repente na nossa cara.

A história tem contornos simples, até porque (lamentavelmente) tantas vezes vistos. No sábado, um passageiro dirigiu-se ao aeroporto de Lanzarote, Canárias, para apanhar o avião para regressar a Charleroi, Bélgica. Trazia consigo a mesma bagagem que no voo de ida, mas, desta feita e arbitrariamente, um zeloso funcionário do aeroporto espanhol, devidamente instruído pela Ryanair ou simplesmente mais mesquinho e zangado com a vida, decidiu que a mala era demasiado grande ou pesada e exigiu-lhe uma dessas multas traiçoeiras: 40 euros. O funcionário, atrás do seu mais que provável bigodinho aparado, esperaria a reacção do costume, ou seja alguns resmungos seguidos do sacar do cartão de crédito e do aumento da conta bancária da empresa aérea. Só que desta vez "o copo transbordou". O homem recusou-se a pagar. Talvez se tenha lembrado que, afinal, um homem não é um rato; que existe o direito à indignação; que temos sempre o poder de dizer "não". Ou talvez, simplesmente, não tivesse 40 euros consigo. O que é certo é que a revolta do passageiro serviu como a proverbial faísca – a "Revolução de Jasmim" na Tunísia começou com uma banca ilegal de venda de legumes confiscada prepotentemente pela polícia. Em minutos, 104 estudantes universitários belgas sentados no mesmo avião à espera de regressar a casa, todos com aquela idade utópica, quando ainda acreditamos poder mudar o mundo, amotinaram-se, em protesto. 104 pessoas é muita gente – o avião só transportava 168 no total – mas, do alto da sua infalibilidade, a companhia de baixo custo e serviço preferiu resolver as coisas da forma mais "mubarakiana" possível: chamou a Guardia Civil espanhola e evacuou o avião, negando o transporte aos indignados. Na altura em que escrevo estas linhas, e mesmo após a intervenção da diplomacia belga, os estudantes estão ainda bloqueados nas Canárias.

Lanzarote contava até há pouco tempo com um ilustre habitante, de seu nome José Saramago. O escritor, que tanto explorou a temática da resistência dos seres humanos contra a tirania das massas, estaria, se ainda vivo, orgulhoso.

A Ryanair, por seu lado, agradece-lhes secretamente mais este golpe publicitário de grandes repercussões, na linha do anterior "vamos começar a cobrar pela utilização das casas de banho". Mas atenção, a análise da companhia pode pecar por simplista; este pode muito bem ser o ponto de viragem em que a má propaganda se torna apenas isso mesmo, levando a que os consumidores se comecem a fartar da prepotência da transportadora. Olhos abertos, os dias não correm de feição para os prepotentes.

Hugo Guedes

(as crónicas do autor podem ser lidas no blogue associado do CONTACTO, www.naruada grandecidade.blogspot.com: rubrica semanal)

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