sexta-feira, 11 de março de 2011

Tudo o que sempre quis saber sobre a diplomacia portuguesa "made in Luxembourg"



"Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência", avisa-se na capa do livro "Um Adido Cultural no Luxemburgo", de Luís Mascarenhas Gaivão. Mas há muitas coincidências entre a história do antigo adido cultural de Portugal no Luxemburgo e ex-director do Instituto Camões, e o adido cultural Acácio Serrão, a personagem principal desta sátira à diplomacia cultural portuguesa. O autor conversou com o CONTACTO sem medo nem papas na língua.

Há um episódio em "Um adido cultural no Luxemburgo" que explica muita coisa. No Dia I (Dia da Inauguração), a dez minutos da chegada dos convidados para mais uma exposição de arte no Instituto Camões, depois do monta-desmonta dos quadros, versão faça-você-mesmo, "com o martelo, pumba, pumba!" e o tempo contado, uma funcionária lança o alarme: " – Dr. Serrão, a casa de banho teve uma avaria no autoclismo". Acácio Serrão é o alter-ego de Luís Mascarenhas Gaivão, "expediente literário" para contar as memórias do ex-adido cultural no Luxemburgo "com alguma distância". Mas ele há adidos e adidos: este, perante o autoclismo encravado, "tira do armário das arrumações a caixa das ferramentas e com a chave inglesa, um arame e a chave de fendas, consegue desbloquear a borracha da descarga do autoclismo que se encontrava colada ao rebordo do cano de escoamento e resolver, assim, o problema do fluxómetro encrencado! Finalmente, os convidados já podem utilizar aquela imprescindível instituição sanitária". E é só então que o director do Instituto Camões no Luxemburgo, já com os convidados à espera, "veste o casaco, arruma as ferramentas com a máquina fotográfica a tiracolo, vai para a sala, faz o discurso, fotografa a sessão e dá dois dedos de conversa a cada um dos presentes".

Não estamos perante um diplomata qualquer: este é um "Diplomata De Merda" ou DDM, chama-lhe o livro, um diplomata de mangas arregaçadas e mãos na massa – o oposto do diplomata de carreira e de linhagem, o da "prosápia" de que fala no título, que só alinha na "diplomacia do croquete". "Essa noção do Diplomata de Merda – não sei se isto se pode escrever assim com todas as letras – é uma figura que aparece recorrentemente", explica Luís Gaivão, ao telefone de Portugal com o CONTACTO. "É o diplomata que não se encaixa nos padrões à moda antiga. Foi um diplomata americano meu amigo, que fala muito bem português, que me disse um dia: 'Tu és mesmo um Diplomata De Merda!' E ele também era, também era um DDM".

Percebe-se que é um elogio – "Quem quer que cumpra o serviço com amor à causa (pode ser um diplomata de carreira) é um DDM" –, mas para merecer o título, é preciso também ser "pouco ortodoxo e politicamente incorrecto". "Talvez por isso, levei um chuto no rabo. Como também não dou graxa aos superiores – sou muito leal, mas digo o que penso –, tive um desempenho sem medo. Pode parecer cagança – eu sou um humorista, posso usar esta palavra –, mas não o digo por cagança: sou uma pessoa humilde, é por espírito de serviço".

Luís Mascarenhas Gaivão serviu como adido cultural e director do IC no Luxemburgo de 2001 a 2006. Trabalhou sem orçamentos nem apoios, com a falta de dinheiro crónica em Portugal, e teve por isso de bater à porta dos empresários portugueses no Luxemburgo para poder realizar "20 a 30 actividades por ano" e promover "uma cultura que não era para elites, e englobava tudo, da gastronomia ao folclore, passando pela arte". O livro é a crónica desse trabalho mas também do autismo de Lisboa, do divórcio entre as exigências no terreno e os ditames lunáticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. E quando foi exonerado por Freitas do Amaral em Fevereiro de 2006 – um corte "às cegas" que extinguiu as funções de adido cultural e exonerou 69 conselheiros e técnicos de embaixadas –, sentiu-se "destratado".

"Um adido cultural no Luxemburgo" também é isso: um ajuste de contas com a memória, mas sempre com humor, a melhor arma "para castigar os costumes". "Não é contra as pessoas que o livro é escrito, aliás eu não falo mal de nenhum embaixador com quem tenha trabalhado. O que há é um ambiente e um preconceito que é preciso criticar, porque a classe diplomática e a classe política nunca entenderam que a cultura é o primeiro pilar da diplomacia. E então no Luxemburgo, onde há cem mil portugueses, onde os luxemburgueses têm ainda muitos preconceitos sobre Portugal e os portugueses, é impensável enfraquecê-la, em vez de a apoiar".

"Um adido cultural no Luxemburgo" está à venda em Portugal e pode ser adquirido na internet, no site da editora Guerra & Paz, onde é um dos destaques da semana. E Luís Gaivão gostava de o apresentar no Luxemburgo: "Não sei se será politicamente incorrecto fazê-lo, mas eu gostava imenso".
P.T.A.

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