sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Carros "acidentados" exibidos por artista português causam polémica no Luxemburgo

Há quem abrande a pensar que se se trata de um acidente e até quem pare para oferecer ajuda. Os três carros recuperados da sucata pelo artista português Hugo Canoilas para uma exposição ao ar livre não deixam ninguém indiferente, e já provocaram a ira dos automobilistas luxemburgueses. A obra está exposta na avenida principal que atravessa o Kirchberg, e serve para assinalar os 50 anos daquele bairro europeu.

Quem passa na avenida Kennedy abranda para ver o que parece ser um acidente de enormes proporções. Os três carros de pernas para o ar que podem ser vistos na berma do parque de Kirchberg foram recuperados da sucata da Polícia Grão-Ducal por Hugo Canoilas, um dos três artistas portugueses convidados para assinalar o 50o aniversário do bairro europeu. E não deixam ninguém indiferente. No dia em que a exposição ao ar livre abriu ao público, na sexta-feira, os três carros "acidentados" levaram muitos automobilistas a abrandar. Na internet, choveram comentários irados.
"Quando cheguei esta manhã ao Kirchberg parecia um acidente na auto-estrada: as pessoas abrandavam para ver. Este tipo de 'arte' é perigosa! É preciso retirar este lixo o mais rapidamente possível do Kirchberg", insurge-se um internauta nos comentários a um artigo sobre a mostra publicado no l'Essentiel.
Ao artista, que vive em Viena mas esteve no Luxemburgo sexta e sábado para a inauguração da exposição, também chegaram reacções. "Não estava à espera de desencadear o rol de reacções que tive, nem fiz o trabalho para provocar polémica, mas para mim é altamente positivo. Eu sempre defendi ao Damiani [o curador da mostra] que não queria uma escultura no meio do parque, não queria que as pessoas olhassem e dissessem 'isto é arte'", conta. "A mim interessa-me que as pessoas possam pensar: o que é que a pessoa quer com isto? E eu quero mesmo convocar essa interrogação".No catálogo da exposição promovida pelo Fundo de Urbanização e Desenvolvimento do Planalto de Kirchberg, diz-se que os três automóveis capotados evocam os engarrafamentos típicos daquele bairro europeu, mas o artista prefere deixar a interpretação ao espectador. "O gesto mais nobre é exigir ao espectador autonomia total. Não me cabe a mim decidir o que as pessoas vão pensar", defende. "As pessoas passam ali [na avenida] de carro, e têm poucas razões para parar", explica. "Eu não queria criar uma distracção, queria que as pessoas fizessem um momento de introspecção".

A polémica teve o mérito de fazer parar muitos automobilistas, e o debate em curso sobre se as instalações de Canoilas são ou não arte – a evocara discussão iniciada com o "ready-made" de Duchamp, que em 1917 apresentou um urinol como obra de arte – não assustam o artista, que expõe com frequência no Grão-Ducado e conhece bem o país. "Parece-me que a população luxemburguesa tem de ser iniciada na arte contemporânea", diz. "Disseram-me que o trabalho está a despoletar, ou a tornar visível, uma coisa psíquica que existe na mentalidade luxemburguesa em relação à segurança". E a levar um número alargado de pessoas a discutir arte.
"Isso faz falta. Uma pessoa vai ao Mudam [Museu de Arte Contemporânea Grão-Duque Jean] e o Mudam está vazio, vai ao Casino e está deserto. Há muitas actividades a acontecer no Luxemburgo para um país tão pequeno, mas as pessoas estão divorciadas, não têm interesse", lamenta.
A ambição de Canoilas é dessacralizar a arte e levá-la às massas. "As pessoas criaram uma espécie de monstro na cabeça e acham que a arte é uma coisa só para entendidos. A nossa sociedade seria muito diferente se tivéssemos a capacidade de entender, de lidar com a arte". Até porque "a arte, em conjunto com a poesia e a filosofia, é uma das três actividades que podem desenvolver a autonomia humana, e isso é contrário às forças vigentes", defende.

Se o Peugeot verde, o Saab azul e o Nissan cinzento capotados na avenida J. F. Kennedy são ou não arte, é uma decisão que Canoilas, humilde, deixa ao público.
"Não me sinto capaz de dizer se aquilo é ou não arte. Estudei arte, trabalho há 15 anos em arte, julgo que o que faço é arte, e estou ali a experimentar, porque no meu trabalho assumo risco e incerteza. E isso faz falta na sociedade hoje em dia".
Hugo Canoilas nasceu em Lisboa em 1977 e vive na Áustria há um ano. Fez a licenciatura de Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design, nas Caldas da Rainha, e o mestrado em Pintura no Royal College of Art, em Londres.

A exposição pode ser vista até 12 de Novembro, no parque de Kirchberg.

Três artistas portugueses convidados para assinalar os 50 anos do Kirchberg

Além de Hugo Canoilas, autor da instalação de carros de sucata que está a causar polémica no Luxemburgo, há mais dois portugueses entre os sete artistas convidados para a mostra que assinala o 50o aniversário do Kirchberg. Marco Godinho (na foto, em cima), residente no Luxemburgo, e Pedro Barateiro, que vive em Lisboa, apresentam ambos obras a convite do curador da mostra, Didier Damiani, e garantem que o seu trabalho tem uma mensagem política.
Godinho escolheu representar o Kirchberg através de uma série de 12 bandeiras transparentes. Instaladas em círculo perto do lago artificial do Parque Central do Kirchberg, onde as obras dos sete artistas podem ser vistas até 12 de Novembro, as bandeiras evocam as 12 estrelas da UE e as instituições europeias ali sediadas, e representam a igualdade entre os Estados-membros.

"Assumo que é uma obra política", admite o artista português. "A Europa, quando tudo está bem, reclama igualdade e união entre os países. Mas com a crise tornou-se claro que há países com mais poder do que outros, como a Alemanha e a França. A igualdade não é verdadeira", critica.

As bandeiras, sem cores nem insígnias que as distingam, "aniquilam a hierarquia", diz Godinho, instaurando a igualdade, pelo menos visual. "Não há um país mais forte do que outro: quis mostrar uma certa neutralidade".

Na margem oposta do lago, em frente às bandeiras de Godinho, está a obra que Pedro Barateiro (na foto infra) trouxe para a exposição. É a única peça que não foi criada especialmente para a mostra. Antes de vir para o Luxemburgo, a obra, que evoca uma plateia de cinema assente numa base de betão, já tinha passado por sítios tão distantes como a Bienal de São Paulo, no Brasil, ou um parque em Bordeaux, em França.

"É uma peça que tem viajado imenso, apesar de ser a minha maior peça. Já esteve em cinco sítios diferentes", conta Pedro Barateiro, que veio pela primeira vez ao Luxemburgo.

A obra "convida as pessoas a instalarem-se e a olharem em frente, na direcção do futuro. É uma obra muito poética", comenta o curador, Didier Damiani. E reclama "tempo para a contemplação", num mundo em que "as pessoas trabalham das nove às cinco" e não têm tempo para si, diz o artista.

Pedro Barateiro nasceu em Almada em 1979 e vive e trabalha em Lisboa. Barateiro estudou na Maumaus, em Lisboa e obteve o MFA na Malmö Art Academy, em Malmö, na Suécia.

Marco Godinho nasceu em Salvaterra de Magos em 1978, mas veio para o Luxemburgo com nove anos. Licenciado em artes plásticas na "École nationale des beaux-arts" de Nancy, em França, foi premiado em vários países europeus.

Além dos três artistas portugueses convidados para assinalar os 50 anos do bairro europeu a convite do Fundo de Urbanização e Desenvolvimento do Planalto de Kirchberg, integram ainda a exposição a luxemburguesa Sophie Krier, a artista alemã Leni Hoffmann, o francês Claude Levêque e o belga The Plug.

Paula Telo Alves
Foto: Marlene Soares

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