quarta-feira, 28 de março de 2012

De Portugal para as ruas frias do Luxemburgo

Pedro juntou as poupanças de uma vida e resolveu imigrar para o Luxemburgo. Em Portugal não fez grandes estudos, mas conseguiu fazer um curso técnico-profissional de Informática e Sistemas que nunca lhe serviu para nada. Antes de imigrar, Pedro estava desempregado há já quatro meses. O contrato de trabalho temporário numa fábrica de peças para automóveis na região de Leiria acabou e Pedro ficou sem trabalho. Agarrou nas poupanças que o salário mínimo de 475 euros ainda lhe permitiu fazer e, em Novembro do ano passado, arrancou para o Luxemburgo. "Cheguei aqui e só consegui trabalhar um dia na fábrica das padarias 'Fischer'. Fiquei doente, apanhei uma pneumonia e estive internado no hospital de Esch durante uma semana. Tinha um quarto alugado e enquanto tive os dois mil euros que trouxe de Portugal, consegui aguentar a renda, mas ao fim de dois meses estava a dormir na rua. Pagava 680 euros de aluguer por mês", conta Pedro ao CONTACTO.

As noites na rua eram passadas junto aos locais mais quentes da cidade. Durante o dia vagueava com sacos às costas à procura de um rumo, de um trabalho. No meio de tantas dificuldades, Pedro ainda teve a felicidade de obter ajuda das equipas do "Streetworker" que lhe ofereceram dormida no albergue nocturno de Hollerich. "A minha sorte foi que aqui no Luxemburgo há a campanha de acolhimento dos sem-abrigo durante o Inverno. E em Janeiro deram-me uma cama no 'foyer'. O meu problema é que a partir do dia 30 (próxima sexta-feira), volto outra vez para a rua. Não sei como é que vou poder arranjar emprego a dormir na rua", desabafa Pedro ao CONTACTO.

O acolhimento dos sem-abrigo nos albergues nocturnos faz-se entre as sete da noite e as oito da manhã do dia seguinte. A essa hora, com um duche tomado, os sem-abrigo são outra vez despejados nas ruas da capital. Ao meio-dia têm direito a almoçar gratuitamente no Vollekskichen ("A cozinha do Povo"), um restaurante/cantina em Bonnevoie. Para a noite, os utentes dos albergues recebem ainda duas sandes e uma laranja. Pedro vem aqui almoçar todos os dias. E é aqui, à volta de uma mesa, que se partilham as mágoas, as frustrações e as outras histórias de insucesso na busca de um trabalho no Luxemburgo.

Rui é outro português utente da Vollekskichen. Ninguém diz que este homem tem apenas 38 anos. As noites dormidas na rua deixaram-lhe marcas indeléveis de um envelhecimento precoce. Chegou em Janeiro deste ano e ainda não conseguiu arranjar trabalho. Nada.
Já não é a primeira vez que Rui arrisca uma vida melhor no Luxemburgo. Trabalhou de forma legal na construção civil durante nove anos até que um dia resolveu voltar para Portugal. Agora que voltou ao Luxemburgo, pensou que poderia beneficiar de algumas ajudas do governo, mas enganou-se. "A assistente social ajudou-me a escrever uma carta ao Ministério do Trabalho em que eu explicava a minha situação: que trabalhei no Luxemburgo, que fiz descontos e que agora, sem trabalho, precisava de alguma ajuda até resolver a situação. Qual não foi o meu espanto quando me disseram que não tinha direito a nada. Tenho de trabalhar três meses seguidos para beneficiar de alguma ajuda do governo. Eu só queria que me ajudassem a pagar um quarto. Eu não quero dinheiro, quero um tecto para poder dormir enquanto não arranjo trabalho. Eu só vou conseguir arranjar trabalho na construção civil a partir do momento em que o tempo comece a melhorar aqui no Luxemburgo. Agora não há trabalho e há muita gente no desemprego. Mas na rua, como é que eu me vou arranjar?", pergunta Rui.

E continua: "Conheço o Luxemburgo há vinte anos e isto está muito diferente. Na altura eu cheguei à gare de Esch num domingo à tarde e na segunda fui logo trabalhar. Mas agora!? Agora é muito difícil", diz Rui.

Tal como Pedro, Rui também dormiu na rua até ser recolhido pelas brigadas do "Streetworker". Como Pedro, também Rui só tem guarida até ao final desta semana. Mas no meio do infortúnio, Pedro e Rui ainda são uns privilegiados. A assistente social que cuida dos dois portugueses ofereceu-lhes a possibilidade de poderem dormir num quarto de um hotel, em Livange. Tratamento de luxo, dizem eles.

"Podemos entrar e sair quando quisermos e só temos que dividir o quarto com outra pessoa. Assim é muito mais fácil podermos andar durante o dia a entregar currículos. Mas a verdade é que nem para lavar pratos me chamam. Cada vez que concorro a algum lugar dizem-me que já está ocupado", desabafa Pedro.

Pedro e Rui engrossam a longa lista das vítimas do sonho da imigração para o Grão-Ducado: gente que deixa tudo, que arrisca a sua sorte no país com o salário mínimo mais alto da Europa, mas que muitas vezes tem de voltar de mãos vazias. "O Luxemburgo é uma ilusão e já não é o 'eldorado' que era. Os portugueses que já estão cá, quando chegam lá abaixo, contam muitas histórias, mas é tudo mentira... é muito difícil arranjar trabalho no Luxemburgo. O problema é que a Europa está toda em crise e nós temos a concorrência de todos os trabalhadores da Europa, e não só. Há também muita gente do Norte de África, marroquinos", conta Pedro ao CONTACTO. "Eu não sou racista, mas a verdade é que o governo luxemburguês só ajuda os sérvios e os ex-jugoslavos. Esses têm todos grandes alojamentos e isso enerva-me", acrescenta Rui.

Stephanie Silva é a assistente social destes dois homens e confirma a impressão que toda a gente tem: há uma nova vaga de imigração portuguesa, diferente das outras todas.

"As pessoas chegam aqui sem nada, sem dinheiro e logo no dia em que chegam vêem imediatamente pedir ajuda para dormir. Homens e mulheres. Chegam e como não conseguem arranjar trabalho acabam na rua. Depois há ainda o problema da língua. A maior parte só fala português, e não conseguem dizer nada em francês, e isso é uma dificuldade acrescida", refere Stephanie Silva.

Pedro diz que fala português, francês, inglês e espanhol, mas nem por isso conseguiu arranjar emprego. Rui, para além do português, fala francês, mas nem isso lhe tem valido. "Eu pensei que fosse mais fácil arranjar trabalho sem o luxemburguês e o alemão. Enganei-me. A verdade é que eu não reúno as condições mínimas para estar neste país, e a minha sorte tem sido a Stephanie: ela tem-nos ajudado no que pode", garante Rui ao CONTACTO.

A situação é difícil para os dois portugueses, mas a esperança de uma vida melhor no Luxemburgo não os deixa pensar em regressar a Portugal. "Eu agora estou numa situação muito complicada, mas não penso voltar a Portugal. Mesmo estando mal, consigo estar melhor aqui do que em Portugal e por isso não tenciono voltar. Se arranjar um trabalho, aqui consigo sobreviver com ordenado mínimo e em Portugal não. Vamos pensar positivo", diz Pedro ao CONTACTO.

Texto: Domingos Martins

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