segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Crónica: "Avenida da Liberdade"

PSD com poucas promessas e muitas contradições

Manuela Ferreira Leite apresentou o programa eleitoral do PSD que só não foi desilusão, porque já tinha sido antecipado, como coisa simples e sem novidade. Mas trás uma marca – um estilo em tudo oposto ao exibido, ao longo de quatro anos, por José Sócrates.

Tal como tem vindo a anunciar, a líder do PSD deixa de lado as grandes obras estruturais, por entender que o país não tem saúde financeira, para construir uma rede de TGV, uma terceira ponte sobre o Tejo e um novo aeroporto. Isto, para não falar na terceira auto-estrada, a ligar o Porto e Lisboa, com um traçado mais interior.

Enquanto o PS pensa que estas obras iriam introduzir solvência, na economia, e contribuir para a criação de emprego e a recuperação económica, Manuela Ferreira Leite pensa que tudo isso se pode conseguir de forma mais rápida, ajudando as pequenas e médias empresas, o que significa também uma transferência de dinheiros para as regiões. Mas o programa do PSD não especifica, como será feito esse apoio.

A cerimónia de apresentação do programa contrastou, desde logo, com o que se passou com o PS. Tudo aconteceu em ambiente muito mais discreto, sem a exuberância usada pelo Primeiro-Ministro. Mas Manuela Ferreira Leite, apesar de ter estado, nas últimas semanas, debaixo de um coro de críticas, conseguiu encher a sala do Museu das Comunicações, com uma plateia que contou com muitos ilustres social-democratas. A tanto interesse, não será alheio o facto de as sondagens continuarem a colocar o PSD muito perto do PS, geralmente em situação de empate técnico e, portanto, com reais possibilidades de vitória, a 27 de Setembro.

As empresas de sondagens valorizam o que se vai passar a partir de agora. Até aqui, o país esteve de férias e muita gente se alheou da política que, aliás, tem produzido escasso noticiário. Com o regresso ao trabalho, muita gente vai começar a tomar opções de voto mais firmes. Mas isso não vai reflectir, nas sondagens, tendências muito claras. Os dois maiores partidos vão continuar separados por margens inferiores aos intervalos de confiança, esperando pelos anunciados debates televisivos.

Esses confrontos de opinião – serão 10 no seu total – poderão ser difíceis para Manuela Ferreira Leite, porque o seu programa eleitoral defende medidas absolutamente opostas às que ela tomou quando foi secretária de Estado do Orçamento ou ministra da Educação, nos governos de Cavaco Silva, ou ministra das Finanças, com Durão Barroso. A questão, como se tem visto por estes dias, é apetecível para os opositores que a vão usar, à exaustão. Deverá ainda ser confrontada com o défice público que, no tempo em foi secretária de Estado, superou os 10 por cento.

Uma das medidas mais glosadas pelos comentadores está na aposta no investimento privado, nacional e estrangeiro, que, no entender de Manuela Ferreira Leite, deve substituir aquilo que ela chama de "investimentos públicos faraónicos". Ninguém percebe onde vai a líder social-democrata buscar dinheiro privado para a economia, com o actual cenário de crise. Promete também abolir o pagamento especial por conta dos impostos das empresas, medida que ela própria criou, quando foi ministra das Finanças. Os adversários esperam pelo momento de a confrontarem com estas contradições e outras, como a promessa de valorização do estatuto dos trabalhadores da administração pública, quando foi ela que congelou os salários dos trabalhadores do Estado.

Escondido, no meio das palavras, está a defesa clara do modelo económico neo-liberal, com a consequente desregulamentação. Manuela Ferreira Leite critica o excesso de intervencionismo do Estado actual e promete mais roda livre, para o grande capital financeiro.

José Sócrates anseia pelo confronto com a rival social-democrata, consciente de que ele pode ser decisivo. Os argumentos que ambos – Sócrates e Ferreira Leite – vão esgrimir já são conhecidos, ficando a vitória dependente da habilidade intelectual de cada um, para convencer as audiências. O mais persuasivo será, com toda a certeza, o vencedor. Nas margens deste centrão político, ficam três partidos mais pequenos, PCP, BE e CDS, todos em fase de crescimento, à custa dos descontentes. As eleições podem não ser decisivas, mas vão deixar muita matéria de estudo para a ciência política.
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Sérgio Ferreira Borges,
analista político

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*o autor publica semanalmente a crónica "Avenida da Liberdade", no CONTACTO
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