domingo, 13 de setembro de 2009

Crónica: "Avenida da Liberdade"

Freeport e TVI

A pré-campanha eleitoral está a ser animada essencialmente pela suspensão de um programa de televisão que provocou mais polémica e interesse popular que qualquer um dos debates bilaterais entre os lideres dos principais partidos. Uma questão colateral que tem enchido páginas de jornais, com opiniões divididas sobre o benefício ou o prejuízo que pode acarretar para José Sócrates e o Partido Socialista.

O conflito entre José Sócrates e a produção do "Jornal Nacional" de sexta-feira começou há praticamente um ano. Aquele programa televisivo, apresentado por Manuela Moura Guedes, vinha dedicando especial atenção ao caso Freeport, o que irritava sobremaneira o primeiro-ministro, o principal visado. Na Primavera, houve uma tentativa de compra de uma posição dominante na empresa proprietária da TVI por parte da Portugal Telecom. Isso foi visto como uma jogada para o Estado aumentar a sua influência naquela estação televisiva e assim acabar com o programa e afastar as pessoas mais incómodas, como o director-geral, José Eduardo Moniz, e a sua mulher, Manuela Moura Guedes. Perante esta denúncia e debaixo de muitas críticas, a PT acabou por desistir do negócio. O controlo manteve-se assim no grupo espanhol Prisa, geralmente tido como afecto ao Partido Socialista Operário Espanhol.

Agora, de acordo com algumas notícias, a decisão de acabar com o "Jornal Nacional" das sextas-feiras terá vindo de Madrid, de Juan Luis Cebrian, fundador e primeiro director do jornal "El Pais" e actual administrador-delegado do grupo Prisa.

Quando a notícia foi conhecida, na tarde de quinta-feira, não faltou quem dissesse que a decisão fora tomada por pressão governamental. Mas há análises que vêem nesta decisão um factor que vai prejudicar eleitoralmente o Partido Socialista e o primeiro-ministro. Embora retoricamente, o Presidente da República já se manifestou sobre o assunto, considerando a liberdade de imprensa um bem fundamental conquistado com o 25 de Abril.

Há também quem se tenha regozijado com o fim do programa, que vinha recebendo acesas críticas pela sua falta de ética e deontologia no tratamento noticioso. E há um aspecto que tem sido valorizado. O facto de dois comentadores da TVI, Miguel Sousa Tavares e Vasco Pulido Valente, se terem referido ao assunto nas colunas que assinam no "Expresso" e no "Público", respectivamente, em termos muito ligeiros, sem criticarem a decisão. O primeiro é comentador no "Jornal Nacional" à quinta-feira e Pulido Valente era comentador à sexta-feira.

O PS pode perder com a questão, porque muita gente acha que aqui andou mão socialista e isso é capaz de se traduzir numa penalização eleitoral. A direcção do partido e o Governo têm dito insistentemente que a decisão não lhes traz quaisquer benefícios.

Mas há outra análise que coloca os termos da discussão de forma inversa. Com o fim do programa, acabam as reportagens que estavam preparadas sobre o Freeport e o escândalo é mesmo subalternizado pela polémica gerada pela suspensão do "Jornal Nacional". Por exemplo, o jornal "Público", um dos mais activos na investigação do caso do outlet de Alcochete, até agora, não se referiu ao assunto.

Só o semanário "Sol" o fez, dizendo que a Polícia Judiciária tem um novo suspeito. Trata-se de Bernardo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates e que ainda não foi interrogado por se encontrar em Benguela, Angola. Recorde-se que outro suspeito é também primo do primeiro-ministro e está neste momento a residir na China, onde frequenta um curso de artes marciais.

De acordo com o jornal, Bernardo Pinto de Sousa foi referenciado em escutas telefónicas e numa troca de e-mails entre os dois principais suspeitos, Charles Smith e Manuel Pedro. Nesses e-mails, ainda segundo o jornal, uma das entregas de dinheiro terá sido feita por combinação com Bernardo. Existe também uma gravação em DVD de uma conversa, entregue pela polícia britânica, na qual o mesmo nome é referido.

Tudo parece agora suspenso do debate entre José Sócrates e Manuela Ferreira Leite, marcado para o dia 12, na SIC. Claro que o caso Freeport não estará presente, porque a corrupção é um assunto desconfortável para os dois maiores partidos. Pode ser que isso ajude os dois candidatos a primeiro-ministro a concentrarem-se, nos temas mais importantes da governação.

Sérgio Ferreira Borges*,
analista político
(*o autor assina semanalmente a crónica política "Avenida da Liberdade" no jornal CONTACTO)

Sem comentários:

Enviar um comentário