Leonor da Fonseca Pimentel, embora muito pouco conhecida pela maioria dos historiadores (na França, por exemplo, são poucos os especialistas que se debruçaram sobre a suas história) é um dos grandes vultos da aventura da breve República Napoletana de 1799. Filha de pais portugueses, originários de Beja, nasceu em Roma em 1752 mas os pais mudaram-se para Nápoles em 1760 quando as relações diplomáticas se tornaram tensas entre o Estado do Vaticano e o reino de Portugal devido à expulsão dos jesuítas ordenada pelo Marquês de Pombal.
A inteligência e a grande sensibilidade poética da jovem Leonor espelharam-se muito cedo na sua criação literária, o que lhe abriu as portas dos meios académicos e intelectuais daquela época. Correspondeu com grandes poetas e científicos italianos, mas também com Voltaire, o grande filósofo e homem de letras, que marcou o "Século das Luzes".
Os seus escritos poéticos não eram somente uma criação puramente académica pois que, para ela, se tratava de uma forma de comunicação do pensamento e um dos principais meios para a tomada de palavra em público. Esta era uma das razões pela qual Leonor acreditava que a literatura tinha um papel determinante na vida civil e na vida política.
Em 1777, publicou "O triunfo da virtude" uma cantata inspirada no atentado perpetrado contra o Marquês de Pombal e cuja publicação foi precedida de uma dedicatória ao ministro português. Este texto era uma espécie de manifesto do modelo do príncipe iluminado que se tinha lançado em múltiplas reformas no intuito de "proporcionar a felicidade a todos". Assim, exaltou essa acção pela justiça e contra a escravatura e defendeu a promoção das ciências, da educação e da cultura.
Afirmava que os povos não devem serem tratados como mera pertença dos nobres e fazer parte de uma herança material que deixam de geração para geração tal como se se tratasse de um simples direito privado – para ela, o direito público só poderia ser baseado na natureza e nos direitos do homem. Chegou mesmo a sugerir uma teoria de imposto baseada na soberania popular.
Esta linha de pensamento ilustra bem a constância das suas profundas convicções: a exaltação da liberdade e de um modelo monárquico de despotismo esclarecido, a defesa da jurisdição do Estado contra o da Igreja, e, sobretudo a independência da "Nação napolitana".
Tornou-se íntima da rainha de Nápoles (a arquiduquesa austríaca Maria Carolina de Habsburgo-Lorena, irmã de Maria Antonieta, rainha da França)(*) a sua bibliotecária pessoal, amiga e confidente. Esta era uma rainha com visões progressistas que partilhava alguns conceitos de monarquia moderna com Leonor. O sentimento desta amizade “atraiçoada” irá, alguns anos mais tarde, contribuir para a perca da nossa heroína.
Embora brilhante e inteligente, Leonor não conseguiu nunca ter uma vida feliz. Casou aos 25 anos com Pasquale Tria de Solis, um militar pouco dado às meiguices e aos pensamentos intelectuais. Não só fez dela a criada das irmãs, obrigando-a a ocupar-se delas, como também, sem vergonha e sem repúgnio, lhe impôs as amantes na sua própria casa.
E, como a morte de um primeiro filho não fosse o suficiente, ainda teve o desgosto da experiência dramática de um aborto causado pela brutalidade do marido. No entanto, soube impor-se a essa autoridade descabida e, com a ajuda do pai, intentou um processo para se libertar do jugo conjugal. As suas dificuldades financeiras tornaram-se enormes, mas a sua coragem superou esses golpes do Destino e, numa altura em que os seus recursos financeiros não lhe permitiam a compra de livros (a sua fonte do saber e de inspiração permanente), tentou a sorte no loto napolitano, tendo utilizado a quantia ganha para subscrever uma assinatura da Enciclopédia.
No decorrer dos anos, e embora apologista do modelo monárquico iluminado, as ideias proclamadas pela Revolução francesa vieram sobrepor-lhe um outro modelo político e uma outra forma de acção. Se em 1789 (ano da Revolução Francesa), Eleonora Pimentel Fonseca publicou, juntamente com outros poetas, uma série de odes dedicadas ao rei de Nápoles enaltecendo a sua acção pela criação de uma manufactura de sedas, para a qual instituiu uma legislação social em prol dos operários, oito anos depois irá participar, com as tropas francesas de Napoleão, à tomada do castelo de Santo Elmo (situado numa das colinas de Nápoles) onde, a 21 de Janeiro de 1798, será proclamada a "malograda" República Napoletana.
Vive-se então um período de difusão das ideias republicanas que ela defende e pela quais luta. Assim, é logo em Fevereiro que esse punhado de republicanos napolitanos publica o jornal "Il Monitore", o mais importante daquela época, e do qual Leonor é a alma e a redactora. Ela será, por assim dizer, uma das primeiras jornalistas políticas europeias e defenderá, até ao fim, o seu conceito de liberdade, de fraternidade e de igualdade entre todos os cidadãos.
Mas, poucos meses depois (em Junho do mesmo ano) a monarquia é restaurada, os reis voltam do exílio na Sicília e muitos dos republicanos são condenados à morte. A rainha, que não lhe perdoa a "traição" (a própria irmã, a rainha Maria Antonieta havia sido decapitada em Paris pelos revolucionários jacobinos) vai acelerar o processo da sua condenação e Leonor será executada a 20 de Agosto de 1799 com outros patriotas napolitanos (dois banqueiros, um bispo, um advogado, um padre e três nobres).
As suas última palavras são uma frase pronunciada em latim e tirada de um poema do poeta Virgílio ("talvez um dia estas recordações vos tragam algum reconforto"). Embora Leonor fosse uma patriota napolitana, considerava-se "filha de Portugal", tendo assim cultivado a nossa língua e mantido correspondência com vários intelectuais portugueses daquela época. O seu nome foi dado a uma Escola do Magistério Primário de Nápoles em homenagem à maneira como sempre defendeu o primado da educação. Está sepultada no Panteão dos Mártires da Liberdade em Roma.
Mafalda Lapa
(*) Filhas da imperatriz da Áustria, Maria Teresa de Habsburgo. O Luxemburgo fazia parte dos seus domínios – a "Avenue Marie Thérèse" na cidade do Luxemburgo assinala essa regência. A Imperatriz casou aos 18 anos com D. Francisco, (sobrinho-neto do rei Luís XIV) e duque da Lorena, grão-duque da Toscana e vice-rei da Hungria - um casamento de amor com 16 filhos. O Marquês de Pombal foi embaixador de Portugal na Áustria durante uma parte do seu reinado (1745).
(rubrica mensal "Folhas Soltas", próxima publicação a 21 de Outubro)
Li e gostei. Obrigada
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