Primeiro foi o medo da doença. Agora é o medo da cura. O Governo do Luxemburgo decidiu começar ontem a primeira fase de vacinação contra o vírus H1N1 da gripe A, mas segundo uma sondagem realizada na semana passada, a maior parte da população não se vai vacinar.
Os resultados da sondagem da empresa TNS ILRES, são claros: duas em cada três pessoas entrevistadas não se preocupa com a doença e não pensa tomar a vacina contra o H1N1. Cerca de 46% da população do Luxemburgo pensa que a vacinação em massa é exagerada e 41% mostra-se desconfiada em relação à vacina. O estudo foi realizado na semana passada através de uma entrevista a 602 pessoas.
A argumentação dos que desconfiam da vacina repete-se: interesses económicos das farmacêuticas, testes feitos à pressa, efeitos secundários inesperados. Desconfianças que se avolumam quando se sabe que, aqui ao lado, na Alemanha, os funcionários do Estado e os polícias vão receber um medicamento diferente que aquele que vai ser ministrado à população. Em causa está a substância adjuvante utilizada nesta vacina.
MAS AFINAL PORQUÊ TANTO MEDO?
Do leque de vacinas licenciadas pela Agência Europeia do Medicamento, a escolha do Governo do Luxemburgo recaiu sobre o Pandemrix do laboratório britânico GlaxoSmithKline, a mesma que também vai ser utilizada, por exemplo, em Portugal.
Esta vacina, que no Luxemburgo vai ser ministrada em apenas numa dose, mas que noutros países será distribuída em duas, é fabricada pelo método tradicional da cultura de ovos, é feita de antigénio (vírus morto), mais adjuvante, a tal substância que adicionada ao antigénio potencia o efeito da vacina).
O problema, dizem os que estão cépticos, é que nos Estados Unidos, por exemplo, em 1976 houve um programa de vacinação maciça contra uma epidemia gripe. Foram imunizados 42 milhões de pessoas e foi depois detectada em cerca de 500 dessas pessoas uma doença neurológica rara, o síndrome de Guillan-Barré. Vinte e cinco pessoas acabaram mesmo por morrer.
Os defensores deste tipo de vacina dizem que as conclusões ao inquérito não foram muito claras e que, ao que se apurou na altura, um dos lotes estaria contaminado com um agente estranho. Mais: as vacinas têm sempre algum tipo de adjuvante, e que no caso da Pandemrix estamos apenas perante uma substância mais potente como forma de se garantirem mais doses de vacinas.
Mas os receios não se ficam por aqui: é que um dos adjuvantes utilizado na Pandemrix é o esqualeno, uma substância que foi primeiramente descoberta no óleo do fígado de tubarão, mas que também se encontra em inúmeras espécies de origem vegetal, como por exemplo, no azeite.
O problema é que desde a Guerra do Golfo em 1991, um grupo de investigadores diz ter descoberto anticorpos contra o esqualeno artificial nos veteranos de guerra que apresentavam doenças sem explicação. Tal facto sugere que o esqualeno ou os anticorpos contra o esqualeno eram responsáveis por aquilo que ficou conhecido como "Síndrome da Guerra do Golfo". Estes investigadores acreditam que o esqualeno foi utilizado como uma droga adjuvante nas vacinas contra o Antrax.
GOVERNO VERSUS OPOSIÇÃO
O ministro da Saúde luxemburguês, Mars di Bartolomeo, já garantiu que vai tomar a vacina contra o vírus H1N1. Diz o ministro que os benefícios da vacina são muito superiores ao risco do contágio.
Do outro lado da barricada está o deputado dos Verdes ("Déi Gréng") Jean Huss que garantiu ao CONTACTO que "não vai tomar a vacina", exactamente pelas razões contrárias às do ministro da Saúde.
"Primeiro porque não acredito numa catástrofe. Até agora ainda não dei conta de uma catástrofe, nomeadamente nos países do sul do hemisfério onde o Inverno está a acabar. Até agora, o vírus H1N1 tem-se mostrado absolutamente benigno, menos perigoso do que o da tradicional gripe sazonal, e depois porque não prevejo uma grande mutação do vírus nos países como o nosso, onde há cuidados de saúde de higiene e de alimentação. Mas sobretudo", conclui o deputado ecologista, "os riscos dos efeitos secundários são maiores do que os efeitos positivos de uma eventual vacinação".
Em conferência de imprensa, na segunda-feira, os Verdes questionavam a política do Governo luxemburguês que apela às pessoas para que se vacinem, mas que não explica os eventuais riscos associados à vacinação.
"Não dizemos às pessoas que se devem ou não vacinar. Dizemos que antes de tomarem a decisão, qualquer que seja, as pessoas devem estar bem informadas sobre aquilo que vão fazer, isto é, que seja uma decisão consciente", exige Jean Huss, dos Verdes, que garante que tal atitude "não foi até agora adoptada pelo Governo".
Também a associação luxemburguesa de defesa dos direitos dos pacientes, "Patiente Vertriedung asbl", enviou um comunicado às redacções onde questiona a vacinação maciça da população e a falta de informação prestada no Luxemburgo sobre a vacina.
"Quais são os efeitos secundários nefastos de curto, médio e longo prazo? Qual a razão porque muitos médicos e profissionais de saúde não querem ser vacinados? Porque é que os políticos, noutros países europeus, que trabalham na área da da saúde, como o ministro da Saúde da Áustria, se recusam a ser vacinados?", são algumas das questões levantadas pela associação que até agora, diz, não viu esclarecidas.
Nesta primeira fase de vacinação que começou ontem, o Luxemburgo vai dispor de 20 mil doses de vacinas, o que, segundo o ministro da Saúde, "é mais do que suficiente para vacinar o primeiro grupo de risco: pessoal hospitalar, bebés até aos seis meses e mulheres grávidas".
Numa segunda fase, que começa em Novembro, será vacinada o resto da população.
A vacinação não é obrigatória e é gratuita. O Luxemburgo já registou 785 casos de gripe A-H1N1, desde Junho deste ano.
Domingos Martins
Foto: Marc Wilwert
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