domingo, 22 de novembro de 2009

Crónica: Tharasia de Leão, uma mulher moderna

Corria o ano de 1108 quando Henrique de Borgonha, senhor do Condado Portucalense, referindo-se a sua esposa, D. Teresa de Leão, mandou escrever ao seu secretário, num muito oficial documento administrativo, as palavras "formosíssima e dulcíssima Tharasia". Os adjectivos que aqui foram utilizados eram raros para aquela época, pois que na Idade Média, a redacção de documentos oficiais com referências às nobres esposas, apenas fazia menção à expressão "minha ilustre esposa". Com esta frase, alguns historiadores apontam para uma mensagem de amor que se cristaliza nestes superlativos ditados pelo conde D. Henrique.

Tharasia, ou Teresa de Leão, era, como sabemos, filha ilegítima do rei D. Afonso VI de Leão e da sua amada Ximena, e quinta neta da primeira condessa da Terra Portucalis, D. Mumadona Dias. O rei de Leão tinha enviuvado da primeira esposa, D. Inês e ainda não havia contratado segundas núpcias com aquela que viria a ser a nova rainha de Leão, D. Constança de Borgonha, quando terá tido "uma aventura amorosa" com D. Ximena Muñiz ou Gimena Muñoz ou Ximena Nunes. Filha dos condes de Bierzo, rica de grandes propriedades, a família Muñiz frequentava assiduamente a ilustre corte de Toledo. No entanto, e embora de tão ilustre linhagem, o papa não autorizou este casamento alegando que D. Ximena ainda era parente da rainha defunta, facto que obrigou a jovem condessa a afastar-se do rei e a retomar a sua vida nos territórios de sua pertença. No entanto, jamais esquecerá aquele amor ao pai desta sua filha Teresa e fará saber que, quando morrer, deseja ser sepultada no Mosteiro de Santo André de Espinareda, devendo sua lápide ser gravada com as seguintes palavras "Que Deus a livre do castigo, do viúvo rei Afonso foi amiga". A mãe do primeiro rei de Portugal, será pois educada como menina nobre que era e com as honras da corte, como filha de rei. Aquela que "substitui" sua mãe ao lado do rei, virá a ser sua tia por aliança já que D. Henrique, com quem se casou por volta dos dezassete anos, era sobrinho da dita D. Constança. A sua história e os seus ascendentes tê-la-ão dotado de uma forte personalidade e de uma alma guerreira, mas também se afirmará como amante do poder e de homens. Foi assim que, aos cinquenta anos, pouco terá hesitado em trocar o condado pela sua última paixão...

Tendo em conta que, muitas vezes, a História foi escrita no masculino, só nos chegaram registos negativos da personalidade de D. Teresa que se intitulou rainha já por volta do ano de 1117. Não dizia um provérbio da Idade Média que "melhor é a maldade do homem do que a bondade da mulher"?...

Recentemente, o historiador argentino Marsilio Cassotti, autor da primeira biografia de D. Teresa, afirma que esta foi uma personalidade resolutamente moderna e uma das figuras mais interessantes da Idade Média. A sua personalidade forte e afirmada e a sua liberdade de pensamento levaram-na a decidir sobre as suas próprias acções, sem que tenha minimamente levado em conta a opinião dos bispos, da Igreja ou mesmo da família. Embora algumas das suas decisões tenham sido erradas, sempre seguiu as suas próprias ideias – e muitas foram acertadas. Dentro desta perspectiva, terá sido ela quem estabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé no intuito de alicerçar a existência de um reino independente. E, é deste modo, que os documentos oficiais provenientes de Roma lhe são endereçados com o título de "Rainha Dona Teresa". Entre História e lenda, o que ainda nos resta são algumas certezas da influência que terá exercido junto do seu marido, ou das negociações que levou a cabo, já viúva, junto do arcebispo de Compostela para que este se tornasse seu aliado nas lutas que então travava contra o exército de sua irmã. A sua força de vontade para prosseguir a luta do falecido marido e para não ter que abdicar das terras herdadas do pai, tentando, pelo contrário, conquistar ainda novos territórios, foi o marco da sua vida no grande desafio da sua regência. A ideia de independência terá surgido quando, após várias malogradas tentativas, se deu conta que não conseguiria nunca conquistar os cobiçados domínios em terras de Leão e de Castela. Assim, afirmou desde logo a vontade de incorporar ao reino as terras galegas com as quais existia uma tradição comum, não só ao nível cultural como ao nível linguístico. Contrariamente a alguns dos nossos historiadores "que a maltratam", este especialista argentino afirma que D. Teresa foi uma mulher fulcral para a História de Portugal e quem sempre movimentou o jogo do poder naquele jovem condado, berço da nossa identidade nacional.

Embora estes jogos de poder, ou de infidelidade, tenham feito de D. Teresa uma mulher de várias paixões, será ao lado do seu primeiro marido, o conde D. Henrique de Borgonha, que na Sé de Braga, irá, para sempre, repousar.

Mafalda Lapa
(rubrica mensal, próxima publicação: 16 de Dezembro)

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