O Luxemburgo foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a pagar 20 mil euros a um imigrante português. Primeiro recusaram-lhe a pensão de invalidez e depois o recurso para os tribunais luxemburgueses. Agora, o Tribunal de Estrasburgo condenou o Grão-Ducado por impedir ilegitimamente o acesso à justiça deste português.
Fernando Nunes Guerreiro tem 49 anos e uma vida a trabalhar nas obras. Há cinco anos, foi operado a uma hérnia discal e ficou incapacitado de trabalhar. O médico atesta que sofre de "síndroma lombar cronicamente doloroso", o que implica "mais de 66 % de incapacidade para o trabalho", mas a Segurança Social luxemburguesa recusa-lhe a reforma por invalidez.
O imigrante português recorre então para o Conselho Superior da Segurança Social, mas a resposta é a mesma.
"Se [Fernando] é incapaz de trabalhar como pedreiro, é no entanto capaz de exercer outra ocupação remunerada que corresponda às suas forças e aptidões", alega a Segurança Social, que recomenda uma profissão "que não comporte a manutenção de cargas, movimentos de flexão repetidos ou de flexão do tronco, ou que o obrigue a estar de pé".
Por outras palavras, se não pode ser trolha, que trabalhe noutra coisa em que não puxe pelas costas nem esteja de pé – "Empregado de escritório, talvez. Vá para juiz!", ironiza o advogado Fernando Dias Sobral, que representou o imigrante diante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. "Pode ser qualquer coisa, independentemente do que possa ou saiba fazer. É bárbaro!", insurge-se Fernando Sobral.
"Por esta ordem de ideias, vemos uma multidão de operários sem outra instrução, com cinquenta ou mais anos, impedidos de continuarem a exercer a sua profissão por razões de saúde, ouvirem [da Segurança Social] que podem executar um trabalho burocrático", alega o advogado.
Em causa está o artigo 187 do Código da Segurança Social, que a Administração Pública luxemburguesa vem interpretando de forma restritiva e contra o espírito da lei, defende Fernando Sobral. "A interpretação que é feita é claramente contra a lei. Segundo a jurisprudência seguida, para ser declarado inválido é necessário ser incapaz de exercer qualquer profissão e estar indisponível para o mercado geral de trabalho. Na prática, é preciso estar quase morto".
O advogado recorre então da decisão do Conselho Superior da Segurança Social para o Supremo Tribunal (Tribunal de Cassação), mas o recurso é recusado por não ser suficientemente "preciso", dizem os juízes. Um recurso para o Tribunal Constitucional é igualmente rejeitado. É então que o advogado decide recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acusando o Luxemburgo de impedir de forma ilegítima o acesso do seu cliente aos tribunais.
Na quinta-feira, os juízes de Estrasburgo deram-lhe razão, condenando o Estado luxemburguês a pagar ao seu cliente uma indemnização de dez mil euros, mais dez mil a título de despesas, por violação do artigo 6.1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que prevê o direito de acesso aos tribunais. A notícia foi recebida com euforia pelo imigrante português.
"Isto é mais importante para ele que ganhar o Euromilhões, é uma compensação moral. Estava eufórico! [As pessoas] sentem-se tão abandonadas pela Administração que sentem que ganharam uma guerra – e o senhor, curiosamente, chama-se Guerreiro", conta o advogado ao CONTACTO.
Guerra ainda não acabou
Mas a guerra de Fernando Guerreiro ainda não acabou. É que apesar de ter ganho a acção no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o emigrante continua sem receber a pensão de invalidez. O Tribunal dos Direitos do Homem não se pronunciou sobre o fundo da causa. "A questão de fundo não foi analisada, porque não se esgotaram as vias de recurso no país", explica o advogado. E a situação de Fernando Guerreiro continua à espera de solução. "Ele está com baixa, com obrigação de se apresentar à Administração do Emprego. Como é que este senhor, sem forças, pode arranjar emprego?".
O caso do imigrante português está longe de ser único, garante Fernando Dias Sobral. "Tive no passado outros clientes nesta situação, e tenho outros em curso. Tenho uma cliente que é empregada de limpeza, na casa dos 50 anos, que tem o braço direito completamente inutilizado e que foi declarada apta a trabalhar. É válida!". Perante a recusa da pensão de invalidez parcial, estas pessoas "são obrigadas a trabalhar em situações absolutamente lamentáveis, e estragam o resto da saúde que têm", acusa.
Outros, ficam dependentes do Rendimento Mínimo Garantido (RMG) ou da caridade alheia, garante. E conta o caso de um cliente que teve de mendigar comida em cafés para sobreviver. E o de outro que caiu de um segundo andar, nas obras, e teve de receber uma prótese na anca. "A seguir à operação, o seguro de acidentes recusou pagar os três meses de imobilização, e temos de fazer recursos contra coisas destas. Vemos todos os dias barbaridades".
No escritório que partilha com mais dois colegas no centro da capital luxemburguesa, Fernando Dias Sobral colecciona "decisões bárbaras" da Administração Pública luxemburguesa. Aponta para uma decisão da Caisse nationale d'assurances pensions, de Outubro de 2009, colada à parede do corredor: "É um jovem que trabalhou pouco tempo no Luxemburgo e teve um acidente de trabalho. Foi-lhe concedida uma pensão de invalidez de 258 euros por mês, na condição de renunciar a qualquer trabalho assalariado aqui no Luxemburgo ou no estrangeiro. Está proibido de trabalhar e tem de viver com 258 euros por mês!".
Para Fernando Dias Sobral, o problema não está na lei, mas na interpretação "arbitrária e contra legem [contra a lei]" feita pelos organismos da Segurança Social luxemburgueses.
"A interpretação da lei não é feita de acordo com parâmetros de justiça. A Segurança Social recusa pensões de invalidez parciais, o que é claramente contra a lei. Consideram que a pensão de invalidez é sempre total e que exclui qualquer possibilidade de trabalho. É um absurdo: é da natureza das coisas que não haja invalidez total, a invalidez é sempre parcial. A solução passa por uma pensão de invalidez parcial, que não é admitida no Luxemburgo", defende Fernando Sobral.
O advogado já expôs o problema ao ministro da Segurança Social, Mars di Bartolomeo, mas continua sem resposta. E teme que haja muitos portugueses nesta situação. "Os portugueses não se defendem. Por isso, recusam-lhes a pensão de invalidez, e como eles não recorrem, perdem os direitos", lamenta.
Ao fim de cinco anos nos tribunais, Fernando Nunes Guerreiro voltou a pedir a pensão de invalidez. Um regresso à estaca zero para um problema que continua sem solução a vista.
Paula Telo Alves
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