A imprensa alemã noticiou, esta semana, uma possibilidade que, para muitos, seria impensável. Citando documentos classificados do ministério das Finanças, alguns jornais disseram que o défice alemão para este ano pode ficar nos três por cento, ou até um pouco abaixo desse valor, definido como tecto, pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento.
O governo não confirmou, limitando-se a reafirmar a previsão oficial que se mantém nos 3,7 por cento. Como não há bela sem senão, a confirmação dos três por cento pode criar graves problemas ao Governo de José Sócrates.
Vejamos: numa tal circunstância, podia concluir-se que a economia da zona euro estava a sair da recessão, logo, retomavam-se os pressupostos que tem orientado a política monetária do Banco Central Europeu e do seu presidente, Jean-Claude Trichet, interrompidos para acorrer aos efeitos da crise. Isso significa que as taxas de juro subiriam de imediato. O próprio Trichet já fez essa ameaça que considera indispensável para combater a tendência inflacionária e dificultar o acesso ao crédito.
Isto seria mais um travão no investimento privado em Portugal, e mesmo o público teria de baixar, porque Portugal vai apresentar um défice superior a oito por cento. Portanto, o Orçamento de Estado tem de recorrer a empréstimos internacionais, para cobrir o défice e, com um agravamento das taxas de juro, a despesa da dívida aumentaria substancialmente.
Com a quebra do investimento, aumenta o desemprego que, neste momento, já ultrapassa os 10 por cento. O FMI diz que o aumento do número de desempregados é inevitável e que, por essa razão, o governo não deve adiar medidas que, no entender dos técnicos do Fundo Monetário Internacional, são indispensáveis. Uma delas é o aumento dos impostos, com o IVA a regressar aos 20 por cento e cortes drásticos na despesa pública, começando pela Saúde e Educação e chegando às prestações sociais, se a situação o vier a exigir.
Tanto Sócrates como os partidos da oposição já rejeitaram essa possibilidade, mas a maioria dos analistas está a encostar-se às receitas do FMI, considerando até que, quanto mais cedo forem adoptadas, mais eficazes serão.
Isto quer dizer que 2010 será um ano ainda mais difícil. Todos os dias há mais 500 portugueses que perdem o emprego. E isto está a reflectir-se na vida económica, com o mercado interno em fase crescente de contracção e o número de famílias insolventes a aumentar, deixando, por exemplo de liquidar os empréstimos bancários, para a compra de casa. Em Novembro, subiu a venda de automóveis novos, mas as associações do sector não têm dúvidas: a melhoria foi provocada pelo conjunto de incentivos para o abate de carros em fim de vida e, portanto, a partir de Janeiro, a queda será bastante acentuada.
Há um ano, por esta altura, só os desempregados recorriam às instituições de solidariedade, como por exemplo, o Banco Alimentar. Mas este ano, começaram a aparecer famílias de empregados que sofreram redução de rendimentos – por exemplo, baixa de salários – e que estão submersas em dívidas.
O quadro político não é animador. A contestação dos partidos da oposição cresce constantemente. Parece claro que não vão inviabilizar o Orçamento de Estado, mas aparentemente, a colaboração com o governo, esgota-se aqui.
A solução seria, para muitos comentadores, a convocação de novas eleições, no início do próximo verão, esperando que o eleitorado tomasse uma opção mais clara. Mas as poucas sondagens feitas depois das eleições não deixam dúvidas. As quotas eleitorais dos partidos mantém-se, com o PS, PSD e PCP a sofrerem pequenas correcções em baixa e o Bloco de Esquerda e o CDS com pequenas melhorias. Portanto, se os portugueses fossem às urnas, deixavam tudo na mesma. São necessários outros factores que permitam novas opções eleitorais, concretamente, caras novas, que demonstrem competências. E sobretudo um outro Presidente da República, com mais e melhor influência sobre os partidos. A dupla Cavaco-Sócrates está cada vez mais disfuncional e politicamente esgotada. Neste quadro, as alternativas podem começar a aparecer apenas em 2011, com a escolha de um outro Presidente da República.
Sérgio Ferreira Borges,
analista político
(o autor assina semanalmente no jornal CONTACTO a coluna política "Avenida da Liberdade")
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