O Governo do Luxemburgo quer introduzir mais um elemento de selecção aos candidatos a empregos na Função Pública: uma prova de história e cultura luxemburguesas.
A ideia do Governo luxemburguês é clara: todos os candidatos a empregos na Função Pública, quer sejam da carreira inferior, média ou superior, têm de passar um teste sobre a história e cultura do país, em língua luxemburguesa.
Em Março deste ano, depois de prolongadas conversações com a Confederação Geral da Função Pública (CGFP), Governo e sindicatos chegaram a acordo quanto à possibilidade do Luxemburgo abrir alguns empregos do sector do Estado aos trabalhadores comunitários. A proposta de lei foi entregue em Setembro deste ano, mas, como contrapartida aos sindicatos, o projecto-lei do Governo exige que os candidatos passem um exame.
Na semana passada, o Conselho de Estado emitiu um parecer negativo a esta pretensão da ministra da Função Pública. Os conselheiros dizem que temem que este novo teste seja entendido como mais uma barreira para evitar, ou mesmo eliminar, os candidatos que não sejam de origem luxemburguesa.
Recorde-se que desde há muitos anos que a Comissão Europeia aponta o dedo ao Luxemburgo nesta matéria, alegando que a legislação do país é contrária ao direito comunitário.
O acordo alcançado em Março deste ano entre o Governo e os sindicatos da Função Pública surge como uma forma de o Grão-Ducado poder sair da lista negra da UE nesta matéria.
O Conselho de Estado é a primeira instituição a pronunciar-se sobre o projecto do Governo. Os conselheiros admitem que os candidatos a cargos na função pública devem ter algumas noções básicas da história do Luxemburgo, mas temem que esta nova prova de acesso seja entendida como uma barreira para desencorajar os estrangeiros.
Aquele órgão recomenda ao Governo que, no caso da lei ser aprovada, sejam dadas a todos os candidatos as mesmas oportunidades, e para isso aconselha a que uns dias antes do exame sejam fornecidas todas as informações necessárias sobre o conteúdo do dito teste, sobretudo aos candidatos a postos de trabalho na carreira mais baixa.
Governo dá com uma mão e tira com outra
A notícia sobre os testes em língua luxemburguesa para aceder a empregos na função pública foi conhecida na mesma semana em que o Governo anunciou com pompa e circunstância o número de cidadãos estrangeiros que requerem a dupla nacionalidade. Agora, o Governo anuncia os testes em luxemburguês.
"Toda a gente sabe que os portugueses, mas não só, também os franceses e os alemães, e todos..., pediram a nacionalidade luxemburguesa para poder aceder à carreira na Função Pública. Impor um teste em luxemburguês a um candidato é claramente querer cortar as pernas aos cidadãos que não sejam de origem luxemburguesa. Dão com uma mão, mas depois tiram com a outra", refere um cidadão português, imigrado no Luxemburgo há longos anos.
No Luxemburgo, qualquer pessoa que queira concorrer a um lugar no Estado já tem de fazer um teste em Francês e Alemão sobre a história e a cultura do país, o chamado "Staatsexamen". Um outro teste, e desta vez em luxemburguês, "só vem provar que o Luxemburgo quer limitar o mais possível o acesso dos estrangeiros à função pública", conclui o imigrante, que prefere manter o anonimato.
A verdade é que a lei permite, desde 1999, o recrutamento de cidadãos comunitários nos sectores da investigação, ensino, saúde, transportes terrestres, correios e telecomunicações, e ainda na distribuição de água, gás e electricidade, desde que a função "não envolva a participação, directa ou indirecta, no exercício do poder público" (excluindo-se por isso os cargos dirigentes).
Mas basta consultar as ofertas de emprego nos jornais para constatar que é exigida a nacionalidade luxemburguesa para todas as áreas do sector do Estado. Há mais ou menos seis anos, o anúncio de recrutamento de um cantoneiro "de nacionalidade luxemburguesa" foi manchete no jornal Correio, provocando reacções indignadas entre a comunidade portuguesa. Desde então, a situação permanece inalterada. Em 2007, o CONTACTO recolheu em apenas um mês mais de uma dezena de anúncios que exigiam ilegalmente a nacionalidade luxemburguesa para sectores já abertos aos estrangeiros.
Em média, cinco mil euros de salário
Em 2007, um estudo do CEPS-Instead, um observatório sociológico sediado no Luxemburgo, já dava conta desta situação. Na altura, esta instituição, com sede em Differdange, dizia que "90 % da administração pública está nas mãos dos luxemburgueses, apesar dos seis sectores declarados 'abertos' aos cidadãos comunitários".
De acordo com o estudo "Os estrangeiros e o mercado de trabalho", publicado em Maio de 2007, 40 % da população luxemburguesa trabalha no sector público e instituições equiparadas, com apenas 20 % de activos no sector privado – uma "configuração única na União Europeia", frisavam os investigadores.
Os apetecidos cargos na administração pública luxemburguesa garantem aos nacionais salários superiores, em média, aos auferidos em empregos no sector privado que requerem níveis de educação semelhantes.
"Os funcionários detêm um nível de educação inferior ao dos não funcionários, mas auferem um salário médio bastante mais elevado, o que explica a atracção que a Função Pública exerce sobre os luxemburgueses", pode ler-se no estudo.
Os funcionários luxemburgueses auferem em média cinco mil euros por mês. Ainda de acordo com o documento, a média salarial dos cidadãos portugueses (uma das mais baixas do país) era de 1.993 euros (segundo dados de 2004).
O estudo criticava ainda a exigência das três línguas oficiais do país no recrutamento para a Função Pública.
Em 2007, o Luxemburgo foi aliás citado no relatório sobre racismo e xenofobia da Agência Europeia dos Direitos Funda-mentais por dificultar o acesso dos estrangeiros à Função Pública.
A par do projecto que prevê a obrigatoriedade do teste em luxemburguês sobre a história e cultura do país, o Governo apresentou ainda um outro diploma que estipula quais as áreas que continuam reservadas a cidadãos luxemburgueses, a saber a administração pública, a diplomacia, as repartições fiscais, o exército, a polícia e os tribunais.
Domingos Martins e Paula Telo Alves
Ilustração: Alexander Torres
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