Aprovado em 1990, objeto, nos anos seguintes, de intervenções diversas para lhe «acelerar o passo», ratificado por Portugal ao cabo de 18 anos, o Novo Acordo Ortográfico não gera unanimidades: tem quem o celebre, quem o rejeite, quem o acolha com indiferença.
As razões da celebração, como as da rejeição, têm sido nestes últimos anos amplamente publicitadas. Em declarações públicas, em petições, em debates, em audiências, apoiantes e opositores - talvez com menos visibilidade os indiferentes - foram dando a conhecer o que pensam e ambicionam para o Acordo.
Argumentam os primeiros que o Acordo é necessário, útil e, à face da legislação nacional e do direito internacional, perfeitamente correto, válido, sem mácula de dominações ou oportunísticas interpretações do texto legal.
Isto dito, confiam em que o Acordo, cumprindo o que no seu Primeiro Considerando se proclama, constituirá realmente «um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional».
Contra-argumentam os segundos que o Acordo não é necessário nem útil, está cheio de erros, de incoerências, de ambiguidades, de excessos e contém em si matéria suscetível de gerar perversões/aberrações várias, ao nível da escrita e ao nível da fala.
Mais: perguntam se, no actual «estado de coisas», a «unidade essencial da língua» foi acaso desmantelada e se caiu por terra o seu «prestígio internacional»...
Para os apoiantes, a ratificação do Acordo pela Assembleia da República a 16 de maio e a promulgação pelo Presidente da República a 21 de julho terão, conjugadas, constituído uma espécie de «travessia do Rubicão».
Assim como Júlio César rumou, conquistador, a Roma, acreditam eles que o Acordo seguirá, triunfal, rumo a uma unidade linguística consolidada, bem enraizada, e os falantes de Português passarão a ser senhores de uma língua preparada para todos os embates e programada para um futuro longo e auspicioso.
Para os opositores, o que a ratificação e a promulgação conseguiram foi menos glorioso: foi preparar o cenário de um «desastre» para cuja iminência alertaram em petições, folhetos, textos de jornal, entrevistas na rádio, livros, etc.
O resto, o que para trás ficou, é história mais ou menos conhecida: o Acordo teve como «pais» a Academia das Ciências de Lisboa, a Academia Brasileira de Letras e representantes dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa, os PALOP.
Mais tarde, em meados de dezembro de 1990, numa reunião em Lisboa, os titulares da Cultura dos Sete aprovaram-no. A 4 de junho de 1991, a Assembleia da República consagrou o «sim» de dezembro e aprovou, «para ratificação, o Acordo».
Os anos passaram e passou também, vazia de efeitos, a data de 1 de janeiro de 1994 fixada no artigo terceiro do Acordo como a da sua entrada em vigor, «após depositados os instrumentos de ratificação de todos os estados junto do Governo da República Portuguesa». Que foi feito então? Aprovou-se um Protocolo Modificativo que não estabelecia qualquer data para a entrada em vigor.
Juntamente com aquela, uma outra data foi arredada do Acordo pelo Protocolo: a que apontava para a elaboração, até janeiro de 1993, de «um Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa referente às terminologias científicas e técnicas». Quase 17 anos depois da data-limite da prevista elaboração do Vocabulário, e 11 depois da assinatura do Protocolo, na Cidade da Praia, a 17 de julho de 1998, ainda não há notícia nem recado do Vocabulário.
Ao Protocolo Modificativo de 1998, outro se seguiu, em São Tomé, a 25 de julho de 2004. Em questão, neste, a ainda não ratificação por todas as partes contratantes.
Optando-se por simplificar o processo, o novo texto consagrou que o Acordo entraria em vigor «com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto do Governo da República Portuguesa».
À parte a questão de saber se há ou não, neste clausulado, «torção» do texto constitucional, do ordenamento jurídico interno dos Oito (com Timor) e do ordenamento jurídico internacional, facto é que os três depósitos necessários aconteceram entretanto. Só Moçambique e Angola ainda o não fizeram.
O acordo, portanto, vigora. Na Lusa, lá para o fim de Janeiro, a grafia das notícias será a que nele se consagra - e este texto, por antecipação, exemplifica.
Raul M. Marques,
da Agência Lusa
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