sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Portugueses do Luxemburgo são "exemplares" e não "invisíveis", diz investigadora Anne Schiltz

No Luxemburgo, os portugueses são exemplares, disse a investigadora luxemburguesa Anne Schiltz (no centro), numa conferência intitulada "Os portugueses são invisíveis?". Em França, "os portugueses são vistos como bons trabalhadores que não causam problemas, acabando por passar despercebidos", disse, por seu lado, o sociólogo Albano Cordeiro (à esquerda). O debate foi mediado por Eduardo Dias, da associação Amigos do 25 de Abril, colectividade que organizou esta palestra Foto: M. Dias

Os portugueses do Luxemburgo são "emigrantes exemplares" considerou Anne Schiltz na conferência "Os Portugueses são invisíveis?", que decorreu na Abadia de Neumünster, no Grund, na capital, a 2 de Dezembro.

A jovem conferencista luxemburguesa prepara actualmente um doutoramento em Ciências Políticas sobre as migrações entre Portugal e o Luxemburgo. Quanto a uma alegada "invisibilidade" da comunidade portuguesa, exemplificou com a sua própria experiência: "Ontem à noite fui passear em Ettelbruck e encontrei varias referências portuguesas, desde comércios até aos azulejos com nomes portugueses, passando pelos pastéis de nata que, acredito, serão brevemente um dos bolos obrigatórios no exame final dos futuros pasteleiros luxemburgueses", disse Anne Schiltz, com uma ponta de humor, provando assim que em muitos aspectos da vida social, cultural e económica os portugueses não são invisíveis no Luxemburgo. A jovem pesquisadora recordou ainda a "visibilidade patriótica" das bandeiras portuguesas no Luxemburgo por altura do Europeu de Futebol em 2004, e disse que uma "eventual invisibilidade dos portugueses no Luxemburgo é compensada por uma visibilidade importante destes quando voltam a Portugal, através da construção de casas vistosas" e outros eventuais sinais exteriores de riqueza.

"Em França", onde Albano Cordeiro, sociólogo-economista na Universidade Paris VII e figura central desta conferência, está radicado, "os portugueses são vistos como bons trabalhadores que não causam problemas, acabando por passar despercebidos". Cordeiro lembrou um grande marco da História recente, quando em "1984/85, um movimento associativo, também português, que lutava pela convergência para a igualdade multicultural em França foi completamente abafado pelos médias franceses, acentuando-se a invisibilidade", conta. Por outro lado, recorda, "o racismo anti-magrebino em França, devido a várias questões também históricas, deram aos portugueses em França o estatuto do contra-modelo face ao alvo magrebino. Os portugueses não têm nem querem problemas, por isso não é preciso falar deles", explica. "A rede associativa interna criada pelos portugueses emigrados, acaba por ser auto-suficiente para resolver as questões do dia-a-dia e quanto menos derem nas vistas, melhor!", diz.

O tema animou a assistência, que levantou muitas questões, das quais algumas foram discutidas. Outras poderão suscitar, quiçá,uma retoma do tema em futuras ocasiões.

Esta conferência faz parte do ciclo de actividades promovidas pela associação Os Amigos do 25 de Abril. Nesta ocasião, foi inaugurada naquele local a exposição "Por uma vida melhor", do fotógrafo francês Gérard Bloncourt, patente ao público até 3 de Janeiro.

Gualter Veríssimo
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COMENTÁRIO:
Visibilidade ou invisibilidade? Eis a questão!

Há alguns anos ainda teria sido impensável reunir uma jovem investigadora luxemburguesa e um conceituado sociólogo português a uma mesa para falar da imigração e emigração portuguesas. Isto por razões muito simples; não havia investigadores luxemburgueses interessados no assunto, assim como não havia interesse por parte da comunidade em ver a imigração no Luxemburgo confrontada com a de outro país europeu.

A contingência deste encontro veio inesperadamente relembrar o que já se sabia, i. e. que a imagem da e/imigração é cunhada não só pelo país de origem, mas também pelo país de acolhimento. Esta lição não serviu meramente de repetição, mas ganhámos dela um conhecimento mais profundo, que nos surpreendeu: a imigração portuguesa em França é referida como exemplar, enquanto no Luxemburgo é vista como um insucesso, um fracasso, isto para não dizer que continuamos a ser vistos como os coitadinhos da terrinha. A pergunta que se coloca é clara. O que faz a diferença entre os que emigraram para França e os que emigraram para o Luxemburgo, quando sabemos que a primeira geração também passou por Paris?

Em primeiro lugar trata-se de um problema de perspectiva condicionando a imagem da comunidade imigrada para e pela população autóctone e essa perspectiva depende de comparações. Os binómios são portanto diferentes nos dois países.

Em França, os portugueses são comparados aos magrebinos, no Luxemburgo aos italianos; em França, os portugueses "integraram-se" bem, então que no Luxemburgo continuam a distinguir-se, a serem visíveis.

Queriam-nos talvez mais discretos, mais germânicos e menos latinos, falando mais e melhor luxemburguês e menos português, talvez mais "burgueses" e menos "tugas"? Em todo o caso, menos visíveis. Mas o que significa afinal visível ou invisível? Ambos os investigadores concederam que o conceito de visibilidade escolhido para a conferência é aproximativo e ninguém quis ou pode ir muito além de um conceito vago. Compreendemos, no entanto, que nos queriam menos visíveis, melhor dizendo, mais discretos. Mas quem nos quer mais ou menos discretos? Como poder ser diferente sendo discreto ou, ao contrário, como ser discreto sendo diferente? "There’s the rub", como dizia um príncipe dinamarquês numa obra inglesa, cujo nome não quero relembrar. Os conferencistas deixaram esta questão em aberto. Mas não nos esqueçamos que a ciência não consiste só em dar respostas, mas também em colocar perguntas, para mais, as perguntas pertinentes.

Esta conferência apontou bem para a ferida; precisamos que a emigração portuguesa continue a ser estudada!

Cristóvão Marinheiro*
*(o autor reside no Luxemburgo e é leitor de Filosofia na Universidade de Saarbrücken)

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