Nasceu no Porto, nos finais do século XIX, exactamente a 27 de Junho de 1885 e foi a primeira mulher portuguesa a enveredar pela carreira de violoncelista profissional. Guilhermina Augusta Xavier de Medim Suggia, revelou muito cedo a sua grande tendência para a música – ou não fora seu pai também um grande violoncelista – e o talento afirmado desta jovem menina foi a força motriz para tomar a decisão radical, corajosa para aquela época, de seguir uma carreira de solista desbravando caminhos tão pouco usuais para as mulheres de então. Após ter estudado alguns anos com o pai e ter adquirido uma certa experiência com o Quarteto Moreira de Sá, em 1901, obtém uma bolsa de estudo concedida pela rainha D. Amélia e parte para a famosa cidade alemã de Leipzig onde frequenta a mais conceituada escola de violoncelo daqueles tempos.
Guilhermina era uma mulher extremamente culta e cujo universo pessoal se resumia inteiramente à música – a verdadeira paixão da sua vida. Não só possuía uma técnica e uma destreza extraordinária como também cultivava a expressão da sensibilidade do detalhe em todas as suas interpretações. O seu professor de Leipzig redigiu em 1902 um certificado no qual destaca o facto de, até àquela data, não ter havido uma violoncelista com o mérito da artista portuguesa, – que nada tem a recear do confronto com colegas do sexo masculino. Quase profetizando, afirma também que Guilhermina Suggia tem o direito de ser considerada no mundo artístico como uma verdadeira e reconhecida celebridade. Após dois anos de estudo em Leipzig, parte para Paris onde vai tocar para o grande violoncelista catalão Pablo Casals, que havia conhecido aos 13 anos no festival do Casino de Espinho e com quem irá partilhar a sua vida. Paris, a cidade das luzes, foi o berço que acolheu então o amor e o talento deste casal de violoncelistas – os mais famosos e talentosos daquela época. Outros grandes nomes da música, compositores célebres tais como Ravel, Schöneberg e Saint-Saëns, ou pintores como Degas e Carrière, bem como o grande filósofo Henri Bergson, tornaram-se amigos íntimos da nossa violoncelista portuguesa.
A história de amor acaba mal, mas Guilhermina Suggia continua a ser aclamada pelo público, parisiense, que a idolatra. Por seu lado, ela vai continuar a impor a sua vida de mulher livre, jogando ténis, praticando a natação ou o remo. Durante a Primeira Guerra Mundial passará uma grande parte do seu tempo em Portugal, em Leça da Palmeira, participando em muitos concertos organizados para recolher fundos para os mais necessitados. Em 1914 vai para Londres e prossegue a sua carreira de solista, dando ela mesma aulas de violoncelo. Diz-se que, a uma certa altura, se mudou para um segundo andar onde a vizinha de cima costumava contar (com certa amargura) que a D. Guilhermina se mudou para lá em 1922 e que até 1924, nunca mais parou de tocar violoncelo, fosse de dia, ou de noite. Voltará a Portugal por volta dos anos 30 continuando a sua actividade de solista e de professora. É com o seu apoio que a Orquestra Sinfónica do Conservatório do Porto será criada em 1948, e em cujo concerto de lançamento, no Teatro Rivoli, actuará como solista. No entanto, a doença vem atraiçoá-la, embora no início ela não se queira dar por vencida. A força, a coragem e o talento, que eram os seus apanágios, ainda lhe permitirão criar o famoso Trio do Porto, do qual faziam parte um violinista e um violetista. Toca pela última vez a 31 de Maio de 1950, e falece dois meses depois sem ter podido realizar o seu tão querido sonho de digressão à América.
A sua vida consagrada à música perpetua-se para além da sua morte pois que, por sua vontade testamentária foram criados dois prémios, um no Porto, e outro em Londres, destinados a recompensar o melhor aluno do Curso Superior de violoncelo (Conservatório do Porto) e a incentivar os violoncelistas com um perfil de solistas dedicando-se a uma especialização pós-graduação (Academia Real de Londres). Em 1919, um crítico musical escrevia "a sensualidade do seu tom passou a uma sobriedade de paixão serena – o modo como toca é de uma beleza sem falhas". Assim se poderia resumir a vida desta mulher – paixão e beleza na arte do violoncelo.
Mafalda Lapa
(Rubrica mensal. Próxima publicação: 17 de Fevereiro)
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