domingo, 7 de fevereiro de 2010

Crónica: Dizer o número, para falar de pessoas

Não é tarefa fácil dizer o número, para falar de pessoas e comentar o fenómeno migratório, cuja dinâmica supera a estatística oficial. Há clandestinos que pagam sete contos à rede de passadores. Se o número importa? Sim, mas nem tudo é explicado pelo número. A pessoa não é o número. Muitos dos "pioneiros" fizeram todo este caminho a salto. Obtido um contrato de trabalho nos estaleiros de França, legalizam a sua situação e dispersam, chegando ao Grão-Ducado a partir de Metz e Thionville; outros, de Saarbrücken (ver: Le Retour de Babel, 2007: 3 vols.). Este fenómeno compreende diferentes vagas migratórias, cujas motivações são económicas – excepção dos casos de objectores à Guerra Colonial, por motivos políticos e confessionais (Testemunhas de Jeová e Adventistas do Sétimo Dia). Esta imigração portuguesa ocorre durante a fase final da industrialização no Grão-Ducado, com a crise da OPEP (1973-1974), o encerramento dos complexos mineiros e da siderurgia (1980-2000), a passagem à indústria de serviços financeiros, a deslocação das multinacionais, o reforço das empresas estatais, com capital privado e acantonamento da mão-de-obra luxemburguesa, a caracterizarem o novo modelo de desenvolvimento económico. Ela tem início nos anos 1960, com casos isolados; chega a pouco mais de mil, em 1966, com maior visibilidade a partir dos anos 1970, mais de cinco mil casos, quando se aplica o acordo celebrado com o Estado Novo, em 1972, que permite o reagrupamento familiar, cifrando-se, por estimativa, em mais de 75 mil indivíduos, em 2008 (ver: L’économie luxembourgeoise. Un kaléidoscope 2009: 103; idem, 2006: 44; Statistiques historiques 1990: 33). O desenvolvimento económico do Grão-Ducado evidencia o problema da mão-de-obra não qualificada, para os sectores da construção e dos estaleiros, das unidades fabris e dos serviços, como o das limpezas, que atraem, em número crescendo, os imigrantes de Portugal e, também, de Cabo Verde, sua ex-colónia.

Nos anos 1960, o Governo luxemburguês tenta fixar a mão-de-obra italiana, procura atrair a espanhola, antes de recorrer à imigração portuguesa. Porquê? Porque o modelo conjuntural imigratório não corresponde aos desafios do mercado. Para fixar os seus imigrantes é necessário um novo modelo estrutural, sem que isto implique o melting pot norte-americano, ou o patchwork canadiano, como modelos de integração e multiculturalismo. Por sua vez, a industrialização da Itália e de Espanha absorve parte da sua mão-de-obra e-/i/-migrante, o que não se verifica em Portugal continental, com os desmobilizados do Ultramar, pessoas que encontram na emigração respostas para o seu problema económico e existencial, que o regime do Estado Novo procura controlar e reverter a seu favor, captando as suas remessas e mantendo fora, ocupada, esta população activa que pode dar voz aos problemas internos e externos do regime.

Vagas migratórias? A dos anos 1960, de camponeses das regiões do Norte e Centro; mão-de-obra com pouca, ou nenhuma escolarida§1de, no caso das mulheres; a dos anos 1970, que agrupa estratos de regiões urbanas, com a escolaridade primária, cursos técnico-profissionais (metalúrgicos, torneiros, soldadores, electricistas, mecânicos) e percursos fabris; a dos anos 1980 constitui um novo tipo de migração – a dos funcionários das instituições europeias, com a adesão de Portugal à CEE, em 1986; nos anos 1990 e seguintes, a imigração de jovens com formação superior, quadros liberais, advogados, professores, que, no contexto da crise, em Portugal, procuram respostas, tirando partido do espaço Schengen, do alargamento da UE-27, da globalização, na perspectiva da internacionalização das suas carreiras, por vezes, no âmbito de programas europeus – Erasmus, Voluntariado Europeu. Excepções? Há percursos atípicos, como o de José de Lancaster e Távora, engenheiro, a estagiar no grupo ARBED, em 1928, para integrar os quadros, no Brasil; de Jaime Belmans Corrêa Baião, cujo pai emigra para Antuérpia, nos anos 1936-1937, para gerir a agência da Companhia Colonial de Navegação portuguesa; ou de Arménio Rodrigues, a quem, em 1972, a empresa "De Schriver" presta homenagem pelos 10 anos ao seu serviço e oferece-lhe um "relógio de ouro" (ver: Contacto, Ano III, Dez. 1972: 2).

Mais homens do que mulheres e crianças?

Até meados dos anos 1970, a imigração portuguesa é tipicamente masculina; a partir de 1972 é permitido o reagrupamento. Por conseguinte, desde meados dos anos 1970, a imigração feminina tende a superar a masculina, o que reforça a tese do reagrupamento familiar. Torna-se um fenómeno transversal – dos campos, às vilas e cidades; todos os estratos – ao longo de várias gerações, o que nos leva a questionar a imagem do emigrante là-bas e do imigrante ici ; e por que permanecemos uma sociedade de classes, não formamos uma comunidade no sentido que Alemães e Luxemburgueses dão ao conceito de Gemeinschaft, nem temos esse espírito.

António de Vasconelos Nogueira*
*O autor tem um doutoramento em Filosofia e um pós-doutoramento em História Económica pela Universidade de Aveiro; é especializado na vertente de Estudos Judaicos, diáspora e migração portuguesa. (Rubrica quinzenal; próxima publicação: 17 de Fevereiro).

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