As rugas dos rostos e as mãos gretadas são as testemunhas do tempo que Albano, 101 anos, e Miquelina, 98 anos, já passaram juntos em Vilarinho, concelho de Ribeira de Pena, tanto tempo que lhe perderam a conta.
Miquelina procura na memória os tempos de namoro, há quanto tempo casou com Albano Mendes, mas os anos acumulados já não lhe permitem fazer contas. "Eu sei lá, já não me lembro. Deixei de contar", responde. A idosa apenas se recorda que a sua filha mais velha tem mais de 70 anos.
Era nova, eram primos direitos, viviam na mesma aldeia. Pareciam estar juntos os ingredientes que os haviam de juntar para o resto das suas vidas.
Albano pouco fala. É com dificuldade que consegue ouvir as perguntas e por isso é um olhar desconfiado que lança a quem o aborda. Sentado e apoiado a uma bengala, o idoso esforça-se por tentar perceber o que o rodeia.
"Tenho cento e mais um ano. É bonito chegar a esta idade? O que nos dá a morte está lá em cima. Deus é que sabe", sentencia o idoso.
O casal vive com o filho Francisco, 66 anos. Os outros quatro espalharam-se pelo mundo: desde Ribeira de Pena a Lisboa e a França. "Estes sobreviveram. Tive mais sete que morreram", conta Miquelina.
De repente lembra-se. "Eram tempos difíceis e não havia médicos como há agora. Um dia andava eu no campo quando comecei a sentir dores, encostei-me a uma árvore e tive ali um filho, sozinha", referiu.
O mesmo filho que sobreviveu e hoje toma conta do casal. Francisco emociona-se a falar dos pais e afirma que nunca lhe passaria pela cabeça colocá-los num lar. "Eles dão um pouco de trabalho, mas nós temos que fazer sacrifícios para encontrar alguma coisa no outro mundo, não é?", questiona.
Francisco diz-se um filho com sorte. A mãe ainda vai cozinhando quando o filho não está e não dorme enquanto Francisco não chega a casa. "Quando ele demora mais um pouco, já não estou em mim. Tenho medo que fique de prejuízo, que alguma coisa lhe aconteça", acrescentou também Albano Mendes.
Durante toda a sua vida o casal viveu no lugar de Vilarinho e dedicou-se à agricultura. "Eu andava com as vacas e as cabras pelo monte. O meu marido ficava a sachar a terra", refere, enquanto olha com carinho para o rosto do companheiro de sempre e afirma: "ainda tem o rosto mais bonito que o filho".
Difícil é aturar os ciúmes do marido. "Tenho sofrido muito. Ele tem muitos ciúmes e então do filho. Às vezes estamos a conversar sobre as nossas coisas e ele fica todo ralado", refere Miquelina.
"A minha mulher é bonita? Graças a Deus, era à minha vontade", responde, por sua vez, Albano.
A idosa não gosta de estar quieta. Amparada numa bengala gosta de passear pelas ruas próximas da sua casa, ir ver os coelhos, as hortas. O companheiro, esse é mais "preguiçoso". "Ele só quer estar sentado ou a dormir. Mas se vou para a rua vai atrás de mim para ver para onde vou", conta a idosa.
Esta semana, o casal foi convidado para a festa dos 100 anos do irmão mais velho de Miquelina. "Fui porque me vieram buscar. Mas já não gosto de festas. Prefiro ficar em minha casa", concluiu.
Paulo Lima (texto) e Hugo Delgado (foto)
da Agência Lusa
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