domingo, 21 de março de 2010

Crónica: Uma rainha portuguesa em Nova Iorque

Já lá vão mais de trezentos anos que a cidade de Nova Amsterdão passou a chamar-se Nova Iorque e que o poder holandês sobre esta cidade foi deposto em favor da coroa inglesa. Reinava então D. Carlos II, rei da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda, neto do rei francês D. Henrique IV e sobrinho de D. Luís XIII, rei de França.

A conjuntura política da Inglaterra (seu pai tinha sido assassinado em 1649), a guerra civil e a ditadura militar de Cromwell impediram a investidura do jovem rei de 19 ans, obrigando-o a exilar-se, primeiro em França e depois na Holanda. Mas em 1660, o movimento militar do almirante Monck levou à restauração do poder monárquico e Carlos II foi coroado a 16 de Abril de 1661 na abadia de Westminster – 21 anos após a Restauração da Independência em Portugal, e no reinado de D. João IV. Tendo então Portugal adquirido a independência, era necessário que a corte portuguesa reforçasse os laços de aliança com a coroa da Inglaterra para poder proteger-se de eventuais agressões da Espanha ou da Holanda. Ora, a melhor maneira de o fazer era unir as duas coroas através do casamento do rei inglês com uma princesa portuguesa.

A princesa Catarina de Bragança, filha de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão, nascida em Vila Viçosa a 25 de Novembro de 1638, foi, pois, "o instrumento" dessa aliança, e cujo casamento foi celebrado em Maio de 1662. Segundo os especialistas, o dote que D. Catarina levou à coroa inglesa foi um dos mais valiosos de todos os tempos: dois milhões de cruzados de ouro, Tânger e Bombaim, direitos e privilégios de comércio, tanto nas praças e portos do reino, como no Rio de Janeiro, em Pernambuco, na Baía. E, como se tal não bastasse, se os portugueses conseguissem reconquistar a ilha de Ceilão, deveriam repartir os ganhos do comércio da canela com a coroa inglesa.

Não foi fácil para esta princesa católica integrar um meio anglicano, facto pelo qual nunca foi propriamente coroada rainha. No entanto, exigiu que antes da cerimónia de casamento segundo o ritual anglicano, fosse celebrada em segredo uma outra cerimónia de rito católico romano. Nesses tempos, e devido aos contactos que Portugal tinha com as cortes do Extremo-Oriente, a corte portuguesa era uma das cortes mais sofisticadas da Europa. Foi assim que Catarina de Bragança introduziu na corte inglesa a cerimónia do chá (o chá das cinco), a tangerina, a utilização do garfo e até o hábito do consumo dos vinhos da Madeira e do Porto. Parecem ter sido os ingleses os primeiros a chamarem tangerinas, às mandarinas que os portugueses tinham trazido da China, mas que eram cultivadas em Tânger. Foi muito difícil para a Catarina de Bragança não só partilhar a vida deste rei conhecido pelas muitas ligações extra-conjugais e inúmeros filhos bastardos, como gerir as intrigas da corte entre católicos e anglicanos.

As más línguas diziam que a sombrinha que a jovem princesa tinha feito cobrir de cera para a tornar impermeável e, para assim se poder proteger da chuva, era sobretudo um objecto que lhe servia para esconder as suas feições, pouco bonitas, tendo-na mesmo alcunhado de "rainha feia".

Quando os ingleses arrebataram a então cidade de Nova Amsterdão, D. Carlos II deu-lhe o nome de Nova Iorque, em honra de seu irmão, o Duque de Iorque, e os dois grandes bairros foram apelidados de "Kings" (o do rei) e "Queens" (o da rainha – honrando assim o nome da rainha consorte). Mais tarde, o bairro Kings passou a chamar-se "Brooklyn", mas o outro bairro continua a ter a marca de Catarina de Bragança pois que, todos conhecemos este famoso bairro Queens – o maior dos cinco bairros desta megalópole.

E na cidade de Bristol, em Rhode Island (a península da antiga colónia inglesa chamada Nova Inglaterra), encontramos ainda a "rua da Rainha" e a "Rua do Rei", o que leva certos historiadores a apontar para o facto que "a primeira rainha de Bristol era portuguesa"!

Um outro aspecto interessante de Bristol é que 78 % da população desta cidade americana é de origem portuguesa. Para assinalar estes factos históricos e honrar a memória de D. Catarina, a associação portuguesa "Os Amigos da Rainha Catarina" lançaram uma campanha de recolha de fundos para erigirem uma estátua da rainha em Queens, no lado oposto à sede das Nações Unidas. D. Catarina não pôde dar um herdeiro à coroa inglesa, e, embora tenha enviuvado em 1685, ainda permaneceu na corte inglesa até 1692. Regressou a Lisboa em 1693 onde viveu no palácio da Bemposta e de onde exerceu a regência do reino durante um curto período de tempo. Faleceu em 1705 e está sepultada no Mosteiro de S. Vicente de Fora.

Mafalda Lapa

(Rubrica mensal. Próxima publicação: 21 de Abril)

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