domingo, 21 de março de 2010

Angolanos imigraram para o Luxemburgo para fugir à "maldita guerra"

Sempre com o coração em Angola, que para muitos acaba por ser um país já longínquo, os imigrantes angolanos” que residem no Luxemburgo vivem espartilhados entre as recordações e costumes do seu país natal, das boas ou más experiências sentidas em Portugal e a realidade, por vezes cortante, como o frio do Luxemburgo, este pedaço de terra que os acolhe.

Trata-se de uma imigração recente no Luxemburgo, comparada com a portuguesa ou a cabo-verdiana, que partiu de Angola sobretudo devido aos momentos de conflito.

“A maldita guerra que nos obrigou a deixar o nosso tão bem amado país”, dizem-nos alguns dos angolanos com quem falámos.

O percurso acaba sempre por ser o mesmo: partir de Angola em direcção a Portugal, “país irmão com quem temos laços históricos e onde, também nos sentimos bem”, conta-nos Luísa Teixeira radicada no Luxemburgo desde 1997.

No entanto, chegados a Portugal, muitas vezes a cor da pele e as feridas, muitas delas ainda abertas, do passado histórico colonial, levam a que aqueles mesmos “angolanos irmãos” sejam considerados “retornados” e provavelmente “empecilhos” dentro de toda a harmonia e coesão social de um Portugal dito moderno, lamenta. No entanto, uma das primeiras preocupações desses “imigrantes” é o de adquirir a nacionalidade portuguesa, muitas vezes fácil e legalmente, porque deram à luz crianças que têm sangue português.

Ter a nacionalidade portuguesa “abre portas se um dia se quer partir para outras aventuras”, quando as barreiras lusas forem muitas.

Muitos deles, “puxados por familiares ou amigos”, partem até ao “eldorado da Europa”, o Luxemburgo, para tentarem uma vida melhor.

As barreiras do Luxemburgo

Chegados ao Luxemburgo, muitos são recebidos por familiares ou amigos, os mesmos que lhe falaram do Luxemburgo. No entanto, são os mesmos que vivem as dificuldades e as barreiras do Grão-Ducado.

“A língua foi a principal dificuldade para mim”, conta Ana Monteiro, angolana nascida em Benguela, mas portuguesa de nacionalidade, que trocou Portugal por Angola e que chegou ao Luxemburgo em 2007. Mas há outras barreiras, como a habitação “excessivamente cara, sem condições para acolher as famílias numerosas”, assim como o trabalho que na maior parte dos casos resume-se a "contratos temporários sem certezas algumas”.

Mas também há o reverso da medalha, de portugueses de origem angolana que no Luxemburgo residem e trabalham e que se sentem bem integrados, sem grandes complicações, sobretudo quando as segundas gerações, nascidas entretanto no Luxemburgo, já quase se integram naturalmente no país que também é o seu.

Raissa Teixeira tem 11 anos e fala as três línguas oficiais do país. Mas também o português, que a sua mãe de origem angolana teima em perpetuar na casa onde vivem. Angola é para a menina um país sempre presente apesar de nunca ter estado lá. Por ouro lado, a sua irmã Tatiana, de 22 anos, futura licenciada na área do Turismo, conhece bem Angola porque já visitou o país. Aquele mesmo país que vive paredes meias na casa onde vivem, construída com pedras do Luxemburgo, mas recheada de pedaços de Angola que não deixam esquecer o país. Os costumes, a gastronomia, os hábitos, a “saudade” estão constantemente presentes na vida dos “angolanos no Luxemburgo, porque aquele bichinho de Angola está sempre a roer no nosso íntimo”.

E esta corrente tende a continuar: “Quando um dia tiver uma família, os meus filhos também terão as mesmas referências que a minha mãe me transmitiu, pois são as minhas origens”, afirma a jovem Tatiana. Uma realidade que partilha com alguns jovens como ela. Afirma que “é difícil encontrar jovens de origem angolana no Luxemburgo, relativamente a outras comunidades como a portuguesa ou a cabo-verdiana. No entanto, lá se vai encontrando uns aqui e ali que vivem sobretudo no sul do país.

"Temos um bom grupo e os problemas que temos são iguais, na maior parte das vezes, a todos os jovens que vivem no Luxemburgo. Mas uma coisa é certa: nenhum de nós nega as suas origens e falamos muito de Angola” diz.

Associações e Consulado precisam-se!


Chegados ao Luxemburgo, as poucas associações angolanas que existem correspondem proporcionalmente ao número de membros de Angola no país.

Segundo dados oficiais transmitidos ao CONTACTO por Gaspar Florêncio, adido de imprensa da Embaixada Angolana em Bruxelas, “se na Holanda existem 6.000 angolanos e se na Bélgica cerca de 8.000, no Luxemburgo estão contabilizados 100 indivíduos de nacionalidade angolana”, diz. Mas se queremos ter dados mais concretos, e segundo o Sesopi-Centro Intercomunitário baseado nos números oficiais do Registo Geral das Pessoas Físicas do Estado, chegamos a um total de 67 angolanos.

Segundo a Associação dos Angolanos e Guineenses no Luxemburgo, esse número poderá chegar oficiosamente até aos 500, atendendo que existem muitos angolanos que adquiriram a nacionalidade portuguesa entretanto.

“E estas realidades fazem a diferença, quando se pretende ter números concretos em relação à comunidade”, ressalva.

Existem poucas associações no Luxemburgo de origem angolana, havendo a registar a AANA-Associação dos Amigos e Naturais de Angola e muito recentemente a Associação dos Angolanos e Guineenses no Luxemburgo. O objectivo é o mesmo: permitir a integração dos angolanos no Luxemburgo através de acções que permitam debelar algumas barreiras que possam ainda existir, nomeadamente na questão da habitação, língua, escolar, e outros.

Victor Hugo Monteiro, presidente da Associação dos Angolanos e Guineenses no Luxemburgo, garante que “as relações com as outras comunidades lusófonas, seja a portuguesa, a guineense, a cabo-verdiana e outras são excelentes e as colaborações também se começam a fazer, porque afinal acabamos por ser povos irmãos”, diz.

Em termos reais, uma das grandes ambições da comunidade seria de ter uma representação consular angolana no Luxemburgo, porque actualmente para se tratar de qualquer documento, é necessário ir a Bruxelas. Reivindicação confirmada pela Embaixada Angolana em Bruxelas, mas que segunda a mesma, “ainda não se justifica tal serviço no Luxemburgo atendendo ao fraco número de angolanos no Grão-Ducado”.

Imigração a duas velocidades

Os imigrantes de origem angolana que habitam no Luxemburgo reflectem duas grandes realidades: aqueles que nasceram em Angola, que depois passaram a ser portugueses e que migram para o Luxemburgo; ou aqueles que são angolanos de nacionalidade e que pediram asilo político, pelas mais diversas razões.

Iduino Jesus Paixão, nascido em Cabinda, Angola, foi obrigado a integrar as fileiras do exército do FLEC no conflito no enclave de Cabinda.

“Tinha 14 anos e levava uma vida muito dura em terras angolanas e mesmo no exterior”, confessa. Cansado dessa vida, desertou e pediu asilo político ao Luxemburgo, tendo obtido “com muito custo o estatuto de refugiado”.

Durante esse período de regularização, Iduino viveu durante uns meses no centro de Refugiados St Antoine da Caritas-Cruz Vermelha Luxemburguesa, na route d’Arlon, na cidade do Luxemburgo.

Estávamos em 2005 quando um grupo de 10 crianças chegaram ao Luxemburgo vindas de Angola, sem papéis nem família. Segundo responsáveis da Caritas, “de entre essas crianças havia quatro irmãos que nunca conseguiram explicar porque vieram, quem os mandou, como fizeram para chegar ao Luxemburgo".

"Eram crianças que se fechavam se falávamos sobre essas questões. Nem sequer diziam se tinha família e ainda hoje nada sabemos”, explicam-nos na Caritas.

Iduino foi oficiosamente nomeado para acompanhar essas crianças, visto que era angolano e viveu, provavelmente, os mesmos problemas que essas crianças. Actualmente, todos os jovens vivem num centro de acolhimento da Caritas, em Rumelange, havendo mesmo outros que seguem uma formação profissional para trabalharem no Luxemburgo.

Segundo números oficiais do Ministério da Imigração, em 2008 nenhum pedido de asilo de Angola foi feito ao Luxemburgo. Em 2009, apenas um pedido deu entrada.

Faruk Licina, responsável do serviço de acolhimento da Caritas “Form’actif”, assim como Cristina Lopes, educadora, confirmam ao CONTACTO que “é raro terem refugiados vindos de Angola", e relembram que excepcionalmente há alguns anos tiveram realmente alguns meninos que chegaram de Angola e que, actualmente, continuam a acompanhar num centro para jovens refugiados Rumelange”.

Iduino Paixão, refugiado político, considera que há uma grande diferença entre aqueles que chegaram ao Luxemburgo vindos de Portugal e os outros que vêm directamente de Angola ou que são refugiados. Estes últimos, segundo Iduino, “são um pouco postos à parte por toda a gente, inclusive pelos outros angolanos que têm a vida estabilizada, com tudo em ordem". "Nós, refugiados angolanos, sentimo-nos por vezes um pouco abandonados por todos, e somos considerados angolanos de segunda classe”, desabafa".

Gualter Veríssimo
Fotos: G.Veríssimo/J.Rodrigues

A imigração angolana no Luxemburgo é mais recente do que a portuguesa ou a cabo-verdiana. Muitos deixaram Angola devido à guerra. Rumaram primeiro a Portugal e daí para o Luxemburgo, num périplo idêntico ao de outras comunidades africanas de língua portuguesa Foto: GV

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