Sobre a imigração portuguesa no Luxemburgo conversámos com o historiador Michel Pauly, da Universidade do Luxemburgo, que tem como tema de investigação predilecto a história dos fenómenos migratórios.
Michel Pauly é especialista em estudos medievais. Nascido no Luxemburgo em 1952 é doutorado pela Universidade de Trier e tem como um dos temas de investigação predilectos a história dos fenómenos migratórios sendo também colaborador, desde a sua fundação, da Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes (ASTI). Em 2006 obteve a nomeação como professor de História Transnacional na Universidade do Luxemburgo. História transnacional perguntará o leitor? Segundo Pauly historiador transnacional porque “é impossível compreender a realidade histórica do Luxemburgo sem compreender a realidade do que nos rodeia e designadamente os movimentos migratórios entre os países, a partir do momento em que há países com fronteiras definidas, mas também antes disso.”
Com a imigração portuguesa para o Luxemburgo a caminho do meio século quisemos saber como um dos historiadores do país vê este processo ainda em mutação. A comparação entre as duas vagas de imigração – italiana e portuguesa – foi omnipresente durante toda a entrevista. Começámos pelo princípio.
CONTACTO: Porque é que nenhum historiador luxemburguês se debruçou sobre o quase meio século de história de imigração portuguesa no Grão-Ducado?
Michel Pauly: Há muitos estudos, por exemplo, da imigração italiana, mas sinceramente não conheço um único que retrate a imigração portuguesa. Em boa verdade parte da investigação existente foi desenvolvida pela própria comunidade italiana o que suscitou posteriormente o interesse de historiadores ou investigadores pela questão, fruto das matérias e dados factuais já compilados por outros.
A imigração italiana tem cerca de 120 anos, a portuguesa menos de metade…
Talvez no caso português essa primeira parte do trabalho ainda tenha de ser feita no futuro. Não tenho duvidas que entre as famílias que chegaram ao Luxemburgo na década de 1960/1970 existem documentos de incontornável valor histórico como, por exemplo, contratos ou fotografias, que se podem perder definitivamente se não forem recolhidos e catalogados para depois poderem ser estudados com valor histórico.
CONT.: Mas porque razão é que isso ainda não foi feito?
M.P.: Tenho muita vontade de apoiar, no âmbito da minha actividade de direcção de teses, uma tese de doutoramento sobre o fenómeno migratório português, fascinante do ponto de vista histórico, mas a verdade é que até hoje não encontrei nenhum candidato. Já orientei, por exemplo, um artigo científico sob o tema “Acolhimento e integração dos imigrantes italianos na década de 1940 e 50” e teria todo o gosto em participar em algo semelhante sobre a imigração portuguesa.
CONT: Faz falta um museu dos fenómenos migratórios (imigração e emigração) no Luxemburgo?
M.P.: Essas decisões são políticas. Agora, com sinceridade penso que isso pouco acrescentaria. Hoje temos museus de tudo e mais alguma coisa: da cerveja, do chocolate, dispersa-se o conteúdo, criam-se museus muito específicos que depois não atraem mais do que alguns especialistas. A investigação vertida em livros é o melhor caminho para deixar para as gerações vindouras a história dos povos.
Por outro lado, o Luxemburgo já conta com o Centro de Documentação da Migração Humana (CDMH), localizado em Dudelange, que realiza pesquisas e organiza exposições da história da migração, incluindo as relativas ao Luxemburgo e suas regiões vizinhas. Claro que não é um museu, no formato clássico, recheado de objectos, mas tem uma biblioteca e um centro de documentação, embora não me recorde se a imigração portuguesa foi aí alguma vez tratada de forma especifica.
CONT.: Tenho de insistir, o que faz falta para iniciar esse processo?
M.P.: A iniciativa tem de ser da própria comunidade. Talvez porque é mais antiga e porque havia alguns elementos ligados ao clero, muito activos nessa aérea, a comunidade italiana deu um bom exemplo. A investigação não tem de ser feita só por especialistas, muitos estudos são feitos por pessoas comuns. Os livros de fotografias históricas são um bom exemplo.
CONT.: De que forma explica o início da imigração portuguesa para o Luxemburgo?
M.P.: Desde 1970, data dos primeiros acordos entre o Grão-Ducado e Portugal, que a imigração portuguesa se legalizou. Mas o fenómeno é mais antigo. Há duas hipóteses que considero plausíveis, mais a primeira, mas ambas não demonstradas.
Os portugueses que já na altura trabalhavam na Lorena, tendo constatado que as condições remuneratórias no Luxemburgo eram melhores, começaram a atravessar a fronteira e a instalar-se no Grão-Ducado. A segunda hipótese, que me chegou por via oral, é a de que alguns empresários da construção, que adquiriam mármore para a construção em Portugal, tivessem começado a contratar também alguns trabalhadores durante essas aquisições. Esta hipótese, embora com disse não demonstrada, tem a seu favor o facto de à época Portugal não ser membro da, na altura, CEE (Comunidade Económica Europeia) e isso obrigar a que os trabalhadores entrados no país o fizessem obrigatoriamente ao abrigo de um convite de um empregador. Agora todos sabemos que uma coisa são os factos jurídicos e outra são os factos sociais, por vezes, diferentes da realidade jurídica.
CONT.: A combinação das duas hipóteses é verosímil?
M.P.: Nada exclui que o fenómeno migratório tenha tido variadas origens e que as duas hipóteses pudessem ser cientificamente validadas. O início da imigração portuguesa para o Luxemburgo foi muito difícil mas, ao contrário da italiana, havia de início o direito de reagrupamento familiar. Por isso, enquanto os italianos, em grande maioria homens, embora muitas vezes não celibatários, viviam sozinhos, os portugueses, também fruto do acordo assinado em 1970, procuraram rapidamente o reagrupamento familiar. Talvez tenha sido por isso que ao contrário da vaga italiana, que se fixou maioritariamente nas duas maiores cidades do país (Luxemburgo e Esch-sur-Alzette), a imigração portuguesa depressa se espalhou por todo o país, de norte a sul, motivada talvez pela necessidade de encontrar habitações mais espaçosas a preços ainda assim comportáveis.
CONT.: Quais eram as motivações para quem saía de Portugal?
M.P.: Penso que entre os motivos da imigração portuguesa estiveram certamente a ditadura, o atraso económico, mas também a fuga ao serviço militar. Sabe que a PIDE (n.d.R.: Polícia Internacional e de Defesa do Estado) também estava no Luxemburgo? Tentavam, claro, controlar o fenómeno dos que fugiam para o Luxemburgo para evitar o recrutamento para a guerra colonial. Mas embora Portugal vivesse um regime ditatorial não há registos de imigrantes que tivessem pedido ou obtido o estatuto de refugiados políticos.
CONT.: Chegavam também cidadãos de outros países?
M.P.: Nessa época, a Tunísia também demonstrou interesse em enviar trabalhadores para o Grão-Ducado, mas a questão religiosa acabou por afectar essa possibilidade que nunca se chegou a concretizar. Quando começaram a chegar alguns cidadãos portugueses de origem cabo-verdiana – Cabo Verde era ainda uma colónia portuguesa – constatou-se que havia portugueses que eram negros e à data o governo luxemburguês admitiu que preferia, por questões de integração, o envio de caucasianos algo que o governo de Salazar nunca aceitou. Ao mesmo tempo, foi assinado com a ex-Jugoslávia um acordo, mas aí também sem incluir o direito de reagrupamento familiar.
CONT.: Voltemos aos italianos. A que se deveu a diminuição da sua imigração para o Luxemburgo?
M.P.: Fruto do desenvolvimento das cidades de norte de Itália, como Turim ou Milão, designadamente na indústria automóvel, os italianos deixaram de afluir ao Luxemburgo em números tão elevados. Foi exactamente nesse momento que o Luxemburgo, que necessitava de mão-de-obra, deixou que se iniciasse a imigração portuguesa [numa escala mais larga].
CONT.: Foram publicados, no Luxemburgo, livros sobre o tema da imigração em geral?
M.P.: A ASTI patrocinou “O Luxemburgo para os Luxemburgueses? O Luxemburgo face à emigração” e para breve está previsto um novo livro, também patrocinado pela ASTI, com textos em alemão, francês e inglês sobre o fenómeno migratório no Luxemburgo. Um dos artigos, escrito por uma autora portuguesa, toca a questão dos portugueses que, terminada a vida activa, ao invés de regressarem ao país de origem, preferem viver a sua reforma no Grão-Ducado.
CONT.: Segundo o Statec, num estudo da imigração para o Luxemburgo entre 1957 e 1988, vê-se que os primeiros 1.793 portugueses chegaram ao país em 1969, ora de acordo com uma edição do CONTACTO de Dezembro de 1972, é aí referido que um operário português da empresa luxemburguesa "Schriver" recebeu um relógio de ouro por 10 anos de trabalho; e a primeira celebração do 10 de Junho juntou cerca de 300 portugueses no Luxemburgo em 1965. Em que ficamos?
M.P.: Parece claro, que o fenómeno migratório português no Luxemburgo tem origem no início dos anos 60 e não apenas no final da mesma década. Os acordos são assinados em 1970 mas, como disse, os factos sociais são, por vezes, diferentes da realidade jurídica. Os movimentos migratórios são difíceis de estudar exactamente pelo seu carácter dinâmico.
Neste momento, está em curso uma nova vaga de imigração portuguesa, iniciada, mais ou menos, no início deste século, mas de características ligeiramente diferentes. Agora, os empregos ocupados já não são exclusivamente os mais duros, mas também posições intermédias e até de liderança nas empresas. Depois existe também na comunidade portuguesa a imigração associada ás instituições europeias, embora esses cidadãos, não só os portugueses como os de outras nacionalidades, vivam numa espécie de limbo virtual, sem realmente se tornarem cidadãos luxemburgueses, mas considerando-se eles mesmos cidadãos europeus de carácter internacional.
Francisco d’Oliveira
Foto: Guy Jallay
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