Maria Virgínia Pestana, que fez parte da primeira turma de mulheres a entrar, em 1917, na Universidade e fundou a primeira república estudantil feminina de Coimbra, completa este sábado 111 anos de idade.
Maria Virgínia gostava de ter ido estudar para Londres, onde vivia uma tia, mas, “por insistência do pai”, foi para Coimbra, onde se licenciou em Físico-Química.
Aí, criou a primeira república de estudantes feminina, a Casa Independente de Raparigas, “nos Palácios Confusos”, em plena alta histórica da cidade.
Eram suas “companheiras de casa” Dionísia Camões, Elisa Vilar e Maria Teresa Basto, recorda, à Agência Lusa, numa voz pausada, Maria Virgínia.
“A Dionísia era muito simpática e cheia de valor”; a Elisa era “transmontana, muito boa, eu gostava muito dela”; e a “Maria Teresa era como se fosse minha irmã, o pai dela era meu padrinho”.
A sua vida de estudante “foi um tempo muito agradável”, diz Maria Virgínia, no tom tranquilo e delicado que mantém, mesmo quando o ouvido exige que a pergunta lhe seja repetida duas, três, quatro vezes.
“Gosto muito de Coimbra. Não é exagero, é assim mesmo”, sublinha. E, como que numa demonstração do que afirma, entoa os primeiros versos do fado “Saudades de Coimbra”.
A canção de Coimbra “é muito bonita”, mas o gosto pessoal também pende para as “canções da Beira Alta. Que é de onde eu sou - sou de São Pedro do Sul, fiz o liceu em Viseu”.
Maria Virgínia solta mais uma discreta e espontânea gargalhada e corrige-se: “nasci no Porto, na Rua da Cedofeita”, em 03 de abril de 1899, afirma, perdendo-se em elogios à sua terra natal (que “não é uma terra qualquer”) e à “muito boa gente que há lá”.
Instantes depois, no entanto, a conversa regressa à Beira Alta. Às viagens a cavalo, com o pai, que “era médico e ia ver doentes às aldeias e a toda a parte”. Quase sempre por “caminhos difíceis”, como para Manhouce, “uma terra muito serrana”.
Eram, então, “poucachinhas as raparigas que andavam a cavalo”, mas aquelas que o faziam conheciam bem as regras.
“Uma perna para cada lado não estava certo”, diz Maria Virgínia, soltando mais uma gargalhadinha irónica e explicando, com dois dedos, a posição correta de, no seu tempo, uma menina montar a cavalo.
Depois desses “tempos maravilhosos” na Beira Alta, “vim estudar para Coimbra e cá fiquei”.
Na cidade dos doutores, Maria Virgínia casou, foi mãe de seis filhos e enviuvou, aos 68 anos, de Ernesto Pestana: “uma pessoa de uma bondade sem par”.
Ali foi professora na Escola Infanta D. Maria. Durante 40 anos, precisa a filha com quem, atualmente, Maria Virgínia vive e também ela antiga docente naquela escola.
Maria Virgínia “é uma senhora fantástica, está sempre bem-humorada”, confirma Marinete Cruz, uma brasileira residente em Portugal há oito anos e companhia desta “senhora admirável”.
“Tudo está bom” para Maria Virgínia. “Ela se alegra com o pequeno almoço, com um gesto de carinho, com a luz do Sol”.
Maria Virgínia “não olha o lado ruim das coisas, ela procura sempre ver o lado bom de tudo”. E isso, diz Marinete, “a torna uma pessoa tão especial”.
A boa saúde de que goza (“ainda lê jornais e revistas”), “a alegria e o bom humor”, acredita Marinete, são o “segredo” da feliz longevidade de Maria Virgínia.
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