A mentira faz parte da natureza humana, sem ela seria impossível viver em sociedade, mas quando se torna um hábito sistemático assume contornos de patologia. Só que ao contrário das outras doenças, esta não causa sofrimento ao próprio, mas aos outros.
Assim vê a mentira o psiquiatra Américo Baptista, segundo o qual "mentir todos mentimos".
"Até há uma estatística que diz que em dois minutos de conversação, há três mentiras", refere o especialista, contactado pela Lusa a propósito do Dia das Mentiras, que se assinala na quinta feira.
A mentira facilita a vida, desde logo para evitar explicações penosas sobre o dia a dia. À mais elementar pergunta de cortesia "como passou o dia?", quase todos respondem "bem obrigada", eliminando automaticamente as discussões conjugais, os problemas com os filhos, os patrões, o trânsito.
"Isto tornava as coisas insuportáveis. Há um filme que mostra como mentir é a nossa cola social, é a maneira de preservarmos os nossos relacionamentos", sustenta o médico, defendendo que mentir é humano e universal.
"Existe em todas as culturas, resolve-nos muitos problemas. Às vezes temos dificuldades e resolvemos estes problemas da maneira mais simples que é torneando a verdade", observa.
O problema é quando a fórmula se aplica reiteradamente e começa a ter sucesso, passando de desculpa inocente a estratégia de vida.
Aqui entramos no campo dos mentirosos compulsivos, em que se encontram os estudantes que inventam doenças para o pai ou mãe e que pedem aos colegas para lhes fazerem os trabalhos. O mesmo se vai passando nos locais de trabalho, onde há sempre funcionários com muitos "problemas", deixando as tarefas para os outros, exemplifica.
Mentir faz parte da vida. "É tão importante mentir que até inventámos um dia das mentiras", sorri.
"Mentimos porque é uma estratégia simples de resolver problemas. O que é complicado a propósito da mentira é que nós próprios temos prazer e celebramos os grandes mentirosos", diz Américo Baptista, recordando os filmes realizados com base em histórias de "grandes vigaristas".
Américo Baptista diz mesmo que há uma certa cultura da mentira que reforça esta prática na sociedade, desde os pais que ensinam os filhos a não mentir, mas depois os incentivam a evitar verdades inconvenientes em determinadas situações, como "não dizer à avó que tem um penteado feio".
"Aquilo que se comemora não é a resolução cooperante de problemas. É a grande vigarice, aquilo que ninguém pensou, independentemente de ser ou não verdade e habitualmente temos um grande prazer com as grandes mentiras", declara.
Mas o médico não tem dúvidas de que quando a mentira é utilizada como estilo de vida é uma patologia. Por exemplo, "quando as pessoas alegam doenças para não trabalhar, quando alegam determinados problemas de vida para terem os outros a fazer aquilo que devia ser a sua parte".
Ao contrário das outras patologias, esta não causa sofrimento ao próprio: "Causa sofrimento ao outro, daí os mentirosos compulsivos não procurarem tratamento". Quando procuram ajuda nunca assumem ser por causa da mentira, mas por outros problemas que entretanto foram desenvolvendo. (Lusa)
* Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico *
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