
Passa pouco das nove da manhã e um grupo de homens reúne-se para tomar o pequeno-almoço. Tudo parece normal, até que, no centro da mesa, é colocada uma enorme travessa de esparguete.
Eles são ciclistas e preparam-se para enfrentar uma etapa da Volta a Portugal com mais de 180 quilómetros daí a três horas. É isso que justifica a gigantesca refeição matinal no hotel.
"O pequeno almoço é a nossa refeição mais forte. Temos de fazer um pequeno almoço mais reforçado para ter mais energia", conta o campeão nacional de fundo, Rui Sousa. Custa? "Não. Se calhar, quem vê pergunta como conseguimos fazer isto, mas já faz parte, é um hábito", acrescenta o corredor da Barbot-Siper.
A um pequeno-almoço normal – entenda-se pão e manteiga, leite, café e iogurte, sumos e cereais – acrescenta-se massa ou arroz, normalmente com ovos e fiambre. "Muitos hidratos de carbono, acima de tudo", explica o ciclista de Barroselas, enquanto a travessa de esparguete vai rodando pelos colegas de equipa.
São "2000 ou 3000 calorias" para gastar até ao abastecimento durante a etapa. Bruno Pires não sabe precisar e diz que já se habitou. "Quando passei a profissional custou mais. Com o passar dos dias, enrolava mais a comida, tinha de ter sempre um copo com água para ajudar".
Pires preferia "um arroz de pato ou uns secretos de porco preto", mas, "como bom alentejano", do Redondo, junta ao pequeno-almoço uma fatia de presunto, antes de apontar Carlos Baltazar como o mais comilão da equipa.
"Não como assim tanto. Como tal como eles. Eles estão a exagerar. Ganhei a fama por ser o mais novo da equipa", queixa-se o beirão de São Miguel de Acha, Idanha-a-Nova, de apenas 22 anos, que acabaria por terminar a segunda etapa a 12 minutos do vencedor.
Chefe-de-fila da equipa, o espanhol David Bernabéu, vencedor da Volta em 2004, diz que esta "é a refeição perfeita" para ter energia necessária. "Tens de comer, senão não consegues andar", acrescenta. Mas o que ia bem a este valenciano era "uma 'paella'".
Umas mesas mais ao lado juntam-se os homens do Madeinox-Boavista e o veterano Joaquim Sampaio, de 40 anos e a cumprir a sua 19.ª e última Volta, diz que às vezes fica "saturado". "Flocos já não como. Quando terminar a carreira, certamente, já não comerei esparguete ao almoço".
Sampaio conta que Sérgio Sousa é o que tem mais apetite dos "axadrezados" e isso vale-lhe a alcunha de "sôfrego", mas o corredor de Santo Tirso defende-se: "Sempre ouvi dizer que é bom ter vontade de comer. É sinal de que estamos bem dispostos e o organismo está bem".
"Nos primeiros dias só como cereais. A partir de amanhã começo a comer massa e ovos mexidos". Mas alguns minutos depois já tinha um prato de esparguete à frente e o companheiro Célio Sousa não resistiu à piada: "Só agora é que percebeu que a etapa tinha 180 quilómetros".
O director desportivo, José Santos, tem receio dos efeitos que café e o leite possam ter. "Omeletas também não gosto, por causa dos ovos, que podem causar problemas", sublinha.
"A alimentação é diferente de antigamente. É à base de esparguete e cereais, fiambre, queijo, um 'croissant'. Depois vem o abastecimento durante a corrida, que tem outro tipo de hidratos, de absorção mais rápida, para actuarem logo. Com este menu pensamos fazer os 188 quilómetros", explica
José Santos diz que "o director desportivo também faz dieta, porque também não almoça, só come umas sanduíches". E que tal um prato de esparguete? "Não. É melhor o pequeno-almoço normal".
Pedro Albuquerque (texto) e António Cotrim (fotos), Lusa
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