sexta-feira, 29 de julho de 2011

Aborto volta a agitar Portugal - movimentos pela vida querem novo referendo

Movimentos conotados com a Igreja Católica estão a juntar 75 mil assinaturas para que em Portugal se realize um terceiro referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.

O aborto volta a ser tema de debate em Portugal. Depois de, ainda durante a campanha eleitoral, Pedro Passos Coelho ter admitido a possibilidade de efectuar um novo referendo, vários movimentos contrários à interrupção voluntária da gravidez (IVG) iniciaram de imediato a angariação das 75 mil assinaturas necessárias para que a Assembleia da República pondere a possibilidade de uma nova consulta popular.

"A actual lei é um atentado contra a saúde pública e remete o aborto para um simples método contraceptivo", disse ao CONTACTO Isilda Pegado (na foto), presidente da Federação Portuguesa pela Vida, que reúne mais de 20 associações pró-vida. No entanto, a responsável defende que a alteração à lei deveria fazer-se, antes, a partir do debate político, sem necessidade de um referendo. "A legislação tem apenas quatro anos e para mudar a regulamentação não é preciso um referendo. Basta que haja vontade política", adiantou.

Mas entre os que se opõem à despenalização do aborto, são poucos os que acreditam que a legislação vá mudar por mera vontade política. "O terceiro referendo é mesmo para avançar", disse ao Contacto Daniel Serrão, médico, ex-presidente do Conselho Nacional de Ética e Ciências da Vida (CNECV), e um dos antigos consultores do papa João Paulo II. "Será uma oportunidade para clarificar todas as questões relacionadas com a vida", salientou, frisando: "Não estamos perante um movimento religioso ou político, mas perante uma iniciativa da sociedade civil, que defende a vida".

Os militantes dos movimentos pró-vida consideram que a lei da interrupção voluntária da gravidez, vigente em Portugal desde 2007, "está a conduzir o país para uma desgraça". Segundo Isilda Pegado, uma mulher que esteja em casa de baixa médica por ter partido uma perna recebe 65 por cento do salário. Mas se for hospitalizada para fazer um aborto por sua livre e espontânea vontade recebe 123 por cento do vencimento". Ou seja, "o Estado incentiva o aborto sem quaisquer políticas de apoio à paternidade e maternidade responsáveis", disse.

Daniel Serrão assume-se como o rosto do movimento que pretende juntar todas as organizações que lutam contra o aborto, decididas a recolher as necessárias 75 mil assinaturas. "Pretendemos que se realize um referendo sobre a inviolabilidade da vida humana, desde a concepção até à morte", esclareceu.

Neste momento, está já a ser constituída uma rede de mandatários em todos os distritos, concelhos e freguesias, que conta com mais de 300 pessoas. Segundo Daniel Serrão, em breve será enviada uma carta a todos os líderes religiosos, bispos, padres, pastores, rabinos, imãs e sheiks, no sentido de lhes solicitar apoio total e claro à iniciativa.

As vozes oficiais da Igreja Católica, por seu lado, estão ainda um pouco com o pé atrás. "É sabido que a Igreja apoia sempre tudo o que defenda a vida. Essa deve ser a grande causa dos países e da Humanidade”, explicou o padre Manuel Morujão, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa. Lembra, contudo, que nenhum pedido de apoio ao referendo chegou aos bispos portugueses. "Quando o pedido chegar, será dada uma resposta", disse. "Mantemos a posição de sempre, ou seja, a defesa intransigente da vida, em todas as circunstâncias", acrescentou.

Em Lisboa, a clínica dos Arcos (na foto, é direita) é um dos locais onde as mulheres recorrem para interromper a gravidez. Quase todos os dias ali se juntam militantes anti-aborto. É o caso de Leonor Ribeiro e Castro, fundadora, com mais três amigas, da "Missão Mãos Erguidas a Nossa Senhora de Fátima". "Já salvámos mais de três dezenas de vidas", disse ao CONTACTO, salientando que, "se não fosse a lei, aprovada em 2007, mais de 60 % dos 75 mil abortos dos últimos quatro anos não teriam acontecido".

Portugueses já votaram duas vezes

Portugal já teve dois referendos sobre a interrupção voluntária da gravidez. O primeiro foi realizado a 28 de Junho de 1998 com uma vitória do "não" à despenalização. Mas o principal vencedor foi a abstenção, com 68,11 % dos votos. Votaram "sim" 1.308.130 pessoas, e 1.356.754 votaram "não". A pergunta era: "Concorda com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?".

Os eleitores mais conotados com a esquerda desinteressaram-se do assunto e aproveitaram o dia para ir à praia. Os sectores mais conservadores, sobretudo os mais conotados com a Igreja Católica, pelo contrário, acorreram em massa às urnas. Mas os políticos da esquerda partidária não se deram por vencidos e, passados nove anos, conseguiram uma nova consulta popular. Foi a 11 de Fevereiro de 2007. Era Inverno e a ida à praia já não serviu de desculpa. Por isso, a abstenção foi menor: 56,43 %. Ou seja, 2.238.053 (59,25 %) votaram "sim" e 1.539.078 (40,75 %) votaram "não". A pergunta aos eleitores foi exactamente igual à de 1998.

A incerteza do apoio dos partidos do governo

Após ter admitido, em entrevista à Rádio Renascença, a realização de um novo referendo sobre o aborto, a 26 de Maio, Pedro Passos Coelho foi, depois, mais ponderado na análise, ao perceber que poderia não ter o apoio de Paulo Portas, seu futuro colega de governo. O líder do CDS, em reacção ao anúncio do líder do PSD, defendeu não fazer sentido reabrir a hipótese de novo referendo antes de passarem, pelo menos, dez anos sobre o anterior que aprovou a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Perante esta tomada de posição, também Passos Coelho esclareceu: "Sei que há grupos de cidadãos portugueses que têm feito petições à Assembleia da República a pedir um referendo. O que eu disse a esses cidadãos é que primeiro é preciso reavaliar a lei, e o Parlamento não pode aprovar uma outra lei para depois ser sujeita a referendo. É preciso fazer o referendo depois da avaliação e antes de legislar", explicou. Se as 75 mil assinaturas chegarem ao Parlamento a exigir um novo debate, Pedro e Paulo terão de se explicar melhor perante os movimentos pró-vida. O apoio do PSD e do CDS/PP não é ainda claro.

Menos abortos que o esperado


O número de interrupções voluntárias da gravidez tem sido inferior ao estimado quando a lei entrou em vigor, a 15 de Julho de 2007. Tem mesmo vindo a diminuir. No ano passado, registaram-se 18.911 abortos por opção da mulher, menos 311 que em 2009, segundo dados da Direcção-Geral da Saúde. A estimativa era para 20 mil abortos por ano. A maioria das mulheres fez o seu primeiro aborto (75,41 %) e quase 40 % não tinham filhos.

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Entrevista a Daniel Serrão, antigo consultor do papa João Paulo II
"O valor da vida humana é biológico, não é religioso"

CONTACTO: Porquê um novo referendo sobre o aborto?

Dabiel Serrão:
Não pretendemos um referendo sobre o aborto mas sobre o valor da vida. Queremos saber que valor dá a população portuguesa à vida humana, desde o nascimento até à morte, desde o embrião na gravidez até à doença na velhice. Ou seja, o referendo deve integrar as questões do aborto, da destruição de embriões e da eutanásia.

CONT.: Considera diminuído o valor da vida humana?

D.S.:
Temos vindo a dar passos importantes no sentido de a valorizar. Os portugueses foram os primeiros no mundo a dizer não à condenação à morte. Outros países fizeram o mesmo porque consideraram que ninguém pode acabar com a vida por sua própria iniciativa. Mas há Estados onde a pena de morte permanece. E continuam as guerras. Não há guerras justas. As guerras são sempre injustas.

CONT.: Como está a decorrer a recolha das 75 mil assinaturas?

D.S.:
Não estou na parte operacional. Mas o nosso objectivo é chegar a todos os portugueses, sejam mais ou menos cultos. Queremos chegar ao Portugal profundo e ouvir dizer de todas as pessoas, mais ou menos cultas, o que pensam sobre o valor da vida humana. Todas as pessoas têm uma opinião sobre a vida.

CONT.: Conta com o apoio da Igreja Católica?


D.S.: Contamos com o apoio de todas as estruturas que acreditem no transcendente, e não só. O valor da vida humana não é religioso. É biológico. Tudo o que está vivo apela à vida. Uma semente dá flor. Também o ser humano tem a força da vida para que haja vida e não a morte. O referendo tem igualmente a função de chamar a atenção de que a morte pela morte não tem sentido.

Textos: Licínio Lima
Fotos: Elisabete Silva

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