"Os Portugueses aqui já conseguiram bastante"
Ao fim de quase três anos no Grão-Ducado, o embaixador de Portugal no Luxemburgo regressa a Lisboa no fim do mês O embaixador de Portugal no Luxemburgo está de malas feitas para Lisboa. José Manuel da Encarnação Pessanha Viegas chegou ao Grão-Ducado a 20 de Novembro de 2008. Este ano atinge o limite máximo da idade que lhe permite continuar a exercer funções no estrangeiro. Ao CONTACTO, o embaixador confessa que gosta muito de estar no Grão-Ducado, reconhece as dificuldades das negociações com o governo luxemburguês, apesar das boas relações entre Portugal e o Luxemburgo, e diz que ainda não conhece pessoalmente o novo ministro dos Negócios Estrangeiros. É Pessanha Viegas na primeira pessoa.
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CONTACTO - Já me disse que não sabe quem é o novo embaixador. No entanto, com a experiência adquirida aqui ao longo de três anos, se tivesse que traçar um perfil para o seu substituto, qual seria?
Embaixador - [Risos] Para lhe responder ao perfil tenho que lhe falar das funções, porque no fundo o perfil deve estar adequado às funções. Aqui, as funções têm uma parte de relacionamento com as autoridades locais, as autoridades luxemburguesas, que no meu caso é francamente bom, tenho muito boas relações com eles. Portanto, isto tem a ver com as relações bilaterais, por um lado, e por outro lado, com a nossa inserção no espaço da UE. Por outro lado, tem uma outra componente que é de relacionamento com a comunidade portuguesa que como se sabe é uma comunidade muito grande e muito respeitadora. Por aquilo que me toca, não tenho nenhumas razões de queixa, com alguns problemas, como no fundo é normal em todas as comunidades portuguesas. Depois há uma terceira parte que tem a ver com a actividade cultural. Temos um centro cultural, um embaixador tem que de alguma maneira superintender, não só na parte cultural, mas também na questão do ensino, temos aqui uma coordenadora de ensino, e temos a instituição mais importante aqui, que nem sequer é a Embaixada, que é o Consulado Geral, porque acaba por ser o primeiro contacto dos portugueses.
Portanto acho que tem de ser um embaixador com alguma experiência, penso eu, que saiba falar francês, com certeza, e que tenha uma dedicação e um interesse para com os portugueses que cá estão, para com a comunidade portuguesa. Penso que são traços fundamentais que se impõem.
CONTACTO - E o senhor embaixador encaixa neste perfil?
Embaixador - Bom, eu diria que não é a mim que compete responder a isso porque a apreciação do perfil e do trabalho de um embaixador deverá ser feito quer pelos seus superiores hierárquicos, em Lisboa, quer pelas autoridades locais e também pela comunidade portuguesa.
CONTACTO - Mas na sua opinião, o senhor já teve tempo de fazer um balanço da sua passagem pelo Luxemburgo.
Embaixador - Eu, pela parte que me toca, gostei e gosto muito de cá estar. E como é óbvio, penso que tive, aliás já lhe disse, um bom relacionamento com as autoridades luxemburguesas e com a comunidade portuguesa. Evidentemente que é sempre possível fazer mais e melhor, em qualquer situação. Julgo que fiz, de alguma maneira, aquilo que pude. Há problemas que continuam por resolver, são problemas persistentes, sobretudo na comunidade portuguesa mas, pelo menos, ficaram perfeitamente identificados e terão um desenvolvimento, sobretudo ao nível do desemprego...
CONTACTO - Já lá vamos aos problemas. O senhor chegou em 2008...
Embaixador - Em plena crise...
CONTACTO - A crise da escola portuguesa...
Embaixador - Não, com várias crises.
CONTACTO - A escola portuguesa que era para ser criada no Luxemburgo, a formação profissional dos trabalhadores da construção civil...
Embaixador - Apanhei três crises. Primeiro, foi logo a crise da escola portuguesa. Depois, o problema da formação profissional foi um pouco mais tarde. Do lado luxemburguês, apanhei duas crises: apanhei por um lado o início da grande crise económico-financeira a nível mundial que começou nos EUA, mas que também afectou o Luxemburgo, e depois a crise institucional da recusa do Grão-Duque em sancionar a lei sobre a eutanásia e a do suicídio assistido. Portanto, eu entrei, simultaneamente, com uma série de crises.
CONTACTO - Mas em relação àquilo que mais diz respeito à comunidade portuguesa, o senhor chegou e apanhou com o dossier da escola portuguesa, com a recusa das autoridades luxemburguesas na questão do reconhecimento dos diplomas do 12° ano dos alunos portugueses...
Embaixador - A senhora ministra da Educação disse-me que esse assunto estava resolvido.
CONTACTO - Mas há mais: o problema do acesso dos alunos portugueses ao ensino superior – apenas 7 por cento chegam à Universidade, quando se sabe que os portugueses são cerca de 30 por cento da população escolar – do ensino paralelo – a falta de salas de aulas. Depois, ainda a questão do desemprego e da formação profissional dos portugueses. São muitos problemas para um homem só?
Embaixador - Os problemas existem, alguns foram-se atenuando e pelo menos estão identificados, mas também acabaram por não vir todos ao mesmo tempo. O primeiro efectivamente foi o da escola portuguesa...
CONTACTO - Que está completamente arrumada, morreu a ideia?
Embaixador - Eu não diria que esteja completamente arrumada. Pode ser que noutras condições... Durante a última visita, o ex-secretário de Estado das Comunidades teve uma reunião com a ministra da Educação e houve uma espécie de comunicado, ou digamos um acordo cavalheiresco, que desde que fossem preenchidas as condições para a abertura de uma escola, as condições que a lei luxemburguesa fixa, que as autoridades luxemburguesa iriam apreciar o projecto. Mas para isso é preciso que seja criada uma fundação, aquilo é da Lusófona...
CONTACTO - Mas esse projecto morreu completamente, senhor embaixador.
Embaixador - Eu nunca mais ouvi falar. Mas...
CONTACTO - Houve notícias que vieram a público de que a ministra nunca demonstrou interesse em viabilizar o projecto.
Embaixador - Eu quando apresentei as credenciais ao Grão-Duque, isso chegou ao mais alto nível, o projecto de criação da escola. Digamos que as palavras que eu ouvi na altura foram de que a ministra da Educação não era muito entusiasta em relação ao projecto. Evidentemente que se houvesse um projecto do lado português montado com todas as exigências da lei luxemburguesa, eles seriam obrigados a apreciar o projecto. Agora, neste momento, não vejo nenhuma iniciativa nesse sentido.
CONTACTO - E em relação ao acesso dos portugueses ao ensino superior?
Embaixador - Sabe que isso foi um problema que quase me foi denunciado pelo ministro do Ensino Superior luxemburguês, que é um grande amigo de Portugal e dos portugueses, que lamentou muito o facto de apenas uma percentagem muito pequena de alunos portugueses chegar ao ensino superior.
Como sabe, os alunos portugueses são sistematicamente encaminhados para o ensino técnico ou profissional, que tem um acesso muito mais difícil à Universidade. E neste encaminhamento, a última palavra cabe sempre às autoridades luxemburguesas.
CONTACTO - Como disse, o tema está identificado. Qual é o passo seguinte?
Embaixador - Tem de haver uma aproximação de ambos os lados. Um esforço maior dos alunos portugueses, por um lado, mas do lado luxemburguês tem de haver uma maior abertura para os alunos que têm apelidos portugueses. Até porque muitos deles acabam por optar pela nacionalidade luxemburguesa.
CONTACTO - E o ensino paralelo, a falta das salas de aula?
Embaixador - A nível das tutelas, não há nenhum problema, mas a nível intermédio, das comunas, é que há uma certa relutância em aceitar muitas vezes o ensino paralelo. Temos estado a trabalhar, a senhora coordenadora do Ensino tem estado a trabalhar, temos tido muitas reuniões, há o "comité de pilotage". Estamos a tentar fazer o que se pode.
CONTACTO - Deixando o tema da Educação e entrando no mundo do Trabalho. A grave crise de 2008 mandou muitos portugueses para o desemprego. Trinta por cento dos desempregados são portugueses. A maior parte trabalha na construção civil, que não têm acesso à formação profissional, que não podem progredir na carreira porque não falam a língua. Estava previsto virem técnicos de formação profissional de Portugal...
Embaixador - Não, não estava previsto. Era a boa vontade portuguesa.
CONTACTO - Qual é o ponto da situação?
Embaixador - Tudo isso que disse é verdade. Conseguiu-se fazer até agora uma reunião. Apenas uma, entre os Ministérios do Trabalho português e luxemburguês, mas o projecto de acordo não foi aceite pela parte luxemburguesa. A parte luxemburguesa disse que tem o mesmo problema com outras comunidades e que não quer introduzir excepções para a comunidade portuguesa. Por isso recusaram a ideia de se fazer os testes com tradução paralela, que foi uma das nossas sugestões, os testes orais e não escritos também não foram aceites. Inclusivamente propusemos que viessem formadores de Portugal e também aqui não houve uma grande abertura das autoridades luxemburguesas, infelizmente. Neste momento, estamos um bocado em ponto-morto. Os ministros dos dois países falaram pessoalmente sobre o assunto, mas... É um problema para o qual, de momento, não há solução à vista, a não ser que haja uma maior abertura das autoridades luxemburguesas.
JUNCKER É UM GRANDE AMIGO DE PORTUGAL
CONTACTO - É a segunda ou terceira vez que me diz durante esta entrevista que "era preciso maior abertura das autoridades luxemburguesas", na questão da educação do trabalho. No fundo, o Luxemburgo "atura" os portugueses, mas não está disposto a ceder em nada. É verdade que Portugal não tem qualquer poder negocial com o Luxemburgo? Embaixador - Eu não diria isso. Repare que os portugueses são muito bem tratados no Luxemburgo.
CONTACTO - Como? Pode dar exemplos concretos?
Embaixador - Por exemplo, o centro cultural, o Instituto Camões, foi cedido pelas autoridades luxemburguesas, são eles que pagam o aluguer daquele espaço, e de qualquer maneira, e em termos de cultura, existe um acordo assinado em que eles permitem o ensino integrado, e mal ou bem também facultam salas para o ensino paralelo. Portanto isto não acontece em todos os países, não é?
CONTACTO - Mas essa boa vontade do governo luxemburguês não é de agora. Esses acordos de que me fala são muito antigos. Parece que houve um "clic", e que os luxemburgueses, a partir de uma determinada altura, disseram para si próprios, "basta". Basta de regalias para os portugueses.
Embaixador - Não. Eu não vou por aí . As relações entre os dois países são óptimas, excelentes.
CONTACTO - Mas isso são sempre as eternas juras de amor que depois...
Embaixador - Há coisas que podem ter uma solução a nosso contento e há outras que não podem. Até porque são problemas, na educação e do trabalho, que com o tempo têm tendência para desaparecer. Porque a terceira e quarta geração vão estar perfeitamente integradas.
CONTACTO - E isso pode ser a estratégia do governo?
Embaixador - O caminho da comunidade portuguesa é que siga o caminho da comunidade italiana, que veio antes e que está perfeitamente integrada e tem um ministro, o Mars di Bartolomeu, que fala melhor francês e luxemburguês do que o italiano. Quer queiramos, quer não, isto é o caminho normal. Eu não quero que os portugueses esqueçam a nossa língua, mas só têm a ganhar com uma integração completa na sociedade luxemburguesa.
CONTACTO - Completa? Quer dizer que tal ainda não aconteceu?
Embaixador - Completa, têm que aprender as três línguas oficiais do Luxemburgo e pedir a nacionalidade. Só terão vantagens nisso. E o Luxemburgo também.
Os portugueses terão também de participar mais activamente na vida cívica no Luxemburgo. Infelizmente os portugueses vivem um bocado à margem da política. Integração significa participação, neste caso.
Os problemas na educação e na formação profissional têm tendência a desaparecer. É evidente que há aqui uma geração intermédia que vai sofrer.
Eu não encaro nem com sentido de gravidade nem com pessimismo estes problemas que afectam a comunidade porque acho que os portugueses aqui já conseguiram bastante. E, eu, com todos os contactos a vários níveis só ouvi dizer bem da comunidade portuguesa. E essa excelência das relações traduziu-se, no ano passado, não sei se foi o ponto alto da minha estadia aqui ou não, na visita do casal grão-ducal a Portugal.
CONTACTO - Foi o ponto alto da sua estadia aqui na Embaixada de Portugal no Luxemburgo?
Embaixador - Eu diria que sim. Foi uma visita que correu muito bem. Essa visita foi o encerrar de um ciclo que marca a excelência das relações entre nós.
CONTACTO - E o que é que fica dessa visita? Houve um fórum económico, houve vários recados do Presidente da República nas questões da educação...
Embaixador - O que é que fica? A continuidade das boas relações entre os dois Estados, que é o mais importante. Depois, uma missão económica portuguesa já visitou o Luxemburgo. A grande aposta de Portugal é incrementar as exportações, mas o resultados não se vêem de um momento para o outro. Há pequenos passos, iniciativas que se tomam, e penso que já há alguns frutos. Olhe, o director da Provençal foi a Lisboa no último fim-de-semana para incrementar as importações portuguesas.
Um último reconhecimento que queria fazer era ao primeiro-ministro Juncker e presidente do Eurogrupo. Tem sido um grande amigo de Portugal, durante esta crise que temos atravessado sempre defendeu os interesses portugueses.
Não só é muito positivo, como precisamos desse apoio, numa fase em que estamos a ser atacados pelos mercados financeiros e em que Portugal vive um momento difícil. Há um novo governo que tem uma tarefa ciclópica à sua frente e que vai ter de tomar medidas impopulares que vão atingir os portugueses.
CONTACTO - Por falar em cortes, a situação salarial dos funcionários do Consulado está resolvida? A questão de receberem pela tabela salarial de Portugal quando deviam ser pagos ao abrigo da lei local.
Embaixador - A situação salarial de alguns funcionários do Consulado e na Embaixada é complicada. Os novos funcionários que foram admitidos tem os contratos ao abrigo da lei local, onde vigora a indexação salarial.
Ora em Portugal, o Orçamento de Estado aprovou uma redução salarial e essa redução foi horizontal, não houve excepções e apanhou todos os trabalhadores portugueses, quer em Portugal quer no estrangeiro.
CONTACTO - Quer dizer, não só não recebem pela tabela salarial do Luxemburgo como ainda lhe cortaram os vencimentos.
Embaixador - Sim, tudo isto é uma situação quase absurda, há duas opções possíveis: ou o Estado português não cumpre os acordos estabelecidos e entra numa situação de incumprimento, como até aqui, ou aplica a indexação e nesse caso passa a haver dois tipos de funcionários: aqueles que são aumentados e aqueles que vêem o seu vencimento diminuído, o que é uma injustiça.
Eu vou-me embora, não sei como é que a situação pode ser resolvida. De um ponto de vista legal, os funcionários que foram contratados de acordo com a lei local deviam ser aumentados. Mas há também o problema dos outros. que estão ao abrigo da lei portuguesa.
CONTACTO - Para terminar, e numa palavra, José Cesário, o novo secretário de Estado das Comunidades.
Embaixador - Não conheço pessoalmente o senhor secretário de Estado. Sei que é uma pessoa experiente, porque já ocupou aquele cargo no governo do Dr. Durão Barroso.
CONTACTO - E o seu novo ministro, Paulo Portas?
Embaixador - Também não conheço. Só conheço através dos media . Está lá há pouco tempo, tomaram posse há pouco tempo e estão assoberbados de trabalho. No caso do MNE temos um problema crónico, que é o Orçamento, e agora há o movimento de embaixadores para fazer, e não sei se vão ser todos preenchidos imediatamente ou não, depende das disponibilidades orçamentais, e portanto estamos à espera de saber quem será o meu sucessor. Neste momento não sei quem será.
CONTACTO - O que é que vai fazer?
Embaixador - Vou pra Lisboa e vou auscultar as possibilidades para continuar a desenvolver alguma actividade, apesar de ter todas as condições para exercer uma actividade. Mas para já tenho de dar apoio à família
CONTACTO - Em termos pessoais, o que é que lhe apetece fazer?
Embaixador - Eu sinto-me mais vocacionado para a área cultural. Eu sou um cinéfilo, como sabe organizei aqui o Festival de Cinema, que espero que continue. Se me aparecer alguma coisa interessante do ponto de vista cultural, continuarei a trabalhar nessa área, mas há sempre muita coisa que se pode fazer.
Domingos Martins
Fotos: Manuel Dias
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