O governo luxemburguês reagiu ontem, num comunicado, ao documento de 1.518 páginas que o autor confesso do duplo atentado de 22 de Julho na Noruega (que fez 76 mortos, número revisto em baixa desde segunda-feira) publicou na internet e no qual o Luxemburgo é citado 21 vezes, bem como o papel determinante que o primeiro-ministro Jean-Claude Juncker tem tido na construção europeia.
Após leitura atenta do documento, o executivo luxemburguês diz tomar muito a sério o documento e nota ainda que as passagens que falam sobre o Grão-Ducado põem em causa a sua riqueza e a sua coesão social, designando o Luxemburgo como "alvo prioritário" de atentados com o objectivo de destabilizar o país.
No seu "manifesto", o terrorista exige que o governo luxemburguês "capitule", acusando o Luxemburgo de "abrigar" sete por cento de muçulmanos e de a população luxemburguesa ter sofrido uma "forte lavagem cerebral multicultural".
Ora pegando, por exemplo, nesta estatística errónea (os muçulmanos são cerca de 2 por cento, segundo números de 2008 do CEPS-Instead), percebe-se como Breivik tenta com argumentos falaciosos instigar o ódio entre a população autóctona e a muçulmana. E vai mais longe, estimando que o Grão-Ducado terá 38 por cento de muçulmanos em 2070. Mas não aponta em que dados se apoia para extrapolar estes números fantasiosos.
Breivik apelida ainda os partidos luxemburgueses CSV, LSAP, DP e "Déi Gréng" de "marxistas culturais", "humanistas suicidários" e "capitalistas mundialistas". O presidente do parlamento luxemburguês, Laurent Mosar já considerou estas declarações "intoleráveis" e "chocantes".
Para Breivik, o ADR é o único partido de salutar, já que o considera como "nacionalista", "conservador" e anti-imigrante". O ADR também não demorou a reagir ao documento e qualifica Breivik de "psicopata", repudiando as assimilações com o confesso terrorista.
O noruguês diz ainda ter "criado" (inventado) um "índice de endoutrinamento cultural" (dixit). E como é que ele calcula este índice? Através de um método pseudo-científico de análise do número de páginas nacionalistas que um país tem... no Facebook. "Quanto menor for o número de páginas que a extrema-direita de um país tenha activas no Facebook, maior é o índice de endoutrinamento desse povo", conclui. O Luxemburgo aparece com o índice 10 nesse "rating".
Cattenom alvo potencial para atentado bombista
Breivik diz que "há 7.777 traidores" no Grão-Ducado e 498 pessoas que deviam ser alvos potenciais para receberem cartas com antrax. Breivik determina as pessoas como alvos quando estas são responsáveis, aos seus olhos, de "propagarem o multiculturalismo".
A França também é descrita como um "país hostil" e demasiado "multicultural". Um dos alvos que o terrorista aponta para um atentado bombista é a central nuclear de Cattenom.
As autoridades luxemburguesas informam que estão a trabalhar de forma estreita com os seus homólogos norugueses de modo a adaptar, caso seja necessário, os dispositivos existentes para garantir a segurança do país e da população.
Um documento muito comentado pelos media
O documento que Anders Behring Breivik publicou na internet intitula-se “2083 – Declaração Europeia da Independência”, e explica detalhadamente o seu plano anti-multiculturalismo e anti-islamização da Europa. Pela leitura do manifesto, percebe-se que Breivik acredita que a Europa está a ser invadida por muçulmanos e que um dia - supostamente dentro de sensivelmente 60 anos - isso conduzirá inexoravelmente a uma guerra civil na Europa, a uma guerra de religiões, a um choque de culturas - que os europeus perderão.
Para que no longíquo ano de 2083 a Europa seja um lugar "limpo" das culturas não-europeias (leia-se muçulmanas), Breivik explana um plano que deve ser activado, o mais tardar a 1 de Janeiro de 2020, e que passa por eliminar, pela sabotagem e com atentados bombistas se necessário, os governos que fomentam o multiculturalismo e acolhem o Islão intra-muros.
O norueguês de 32 anos diz ter elaborado este documento nos últimos nove anos em colaboração com outros “indivíduos corajosos de todo o mundo”.
Este plano é a “única solução para os problemas actuais da Europa Ocidental", argumenta Breivik neste documento. O terrorista sugere mesmo alvos para novos atentados e deixa mais planos de "como a resistência deverá actuar nas próximas décadas”, de modo a chegar aos fins que apresenta.
Breivik quer fomentar uma guerra civil europeia
No documento, Breivik destila veneno e ódio, fomentando o que aspira que seja uma guerra civil europeia, que considera "necessária", para limpar o continente. Adultera citações filosóficas e políticas de conhecidos pensadores e autores, publica número parciais de estatísticas, denuncia a islamização da Europa, acusa o multiculturalismo de ser o inimigo do nacionalismo, que descreve na expressão eufemística "auto-confiança cultural". O multiculturalismo, denuncia, conduzirá à morte cultural da Europa.
Breivik chega ao ponto de explicar em páginas e páginas bastante pormenorizadas, destinadas aos seus leitores e seguidores, como construir bombas, armas e até fatos protectores. E faz uma lista de alvos em toda a Europa, não só de governos, como de governantes e pessoas a quem devem ser enviadas cartas com antrax, como inclusive edifícios e instalações estratégicos que devem ser alvo de atentados bombistas.
Portugal é 13° na lista do terrorista
Portugal é um alvo potencial "moderado", surgindo em 13a posição da sua lista de governos a abater.
Breivik, que se auto-proclama como um dos líderes do “Movimento Nacional e pan-Europeu de Resistência Patriótica”, defende também o desenvolvimento de “operações de sabotagem” que tenham como alvos instalações de produção energética, entre as quais as refinarias da Galp no Porto e em Sines, e refere Durão Barroso como exemplo de destinatário para o envio de antrax.
Numa “primeira fase” da resistência, afirma, os principais alvos são “líderes políticos e de meios de comunicação social”, referindo-se, no caso português, ao PSD, PS, PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes como os partidos políticos que têm apoiado a “islamização da Europa”. Breivik alega que na Europa Ocidental há cerca de 400 mil traidores, dos quais 10.807 encontram-se em Portugal e defende ataques nucleares nas principais cidades europeias a partir de 1 de Janeiro de 2020.
Os investigadores norugueses ainda não conseguiram determinar se Breivik agiu sozinho ou se alguma rede terrorista o apoiou e secretamente germina planeando outros atentados.
Advogado de Breivik pondera alegar "insanidade mental" do seu cliente
O advogado de Anders Breivik está a ponderar alegar insanidade mental na defesa do caso, tendo pedido já uma análise psiquiátrica a dois especialistas.
Geir Lippestad disse em entrevista à Associated Press (AP) que o seu cliente, que alega fazer parte de uma organização com várias células em países ocidentais, não tem consciência do impacto dos ataques, tendo-lhe perguntado se “estava chocado e se lhe poderia explicar o que tinha acontecido”, porque “não sabia se tinha sido bem sucedido com o seu plano”.
Lippestad perguntou a Breivik quantas pessoas tinha morto, mas não obteve resposta, e afirmou que o seu cliente considera-se uma “espécie de salvador” e é “provavelmente perturbado”, ressalvando que ainda não decidiu se irá alegar insanidade mental na defesa do caso.
Ao explicar que o autor confesso dos atentados na Noruega tomou drogas “para ser forte, eficiente e para se manter acordado” durante o ataque a um campo de férias da juventude do Partido Trabalhista na ilha de Utoeya, o advogado observou que o seu cliente parece desconhecer os efeitos do seu crime.
Lippestad adiantou que dois psiquiatras já examinaram Breivik para determinar se ele está mentalmente doente ao sublinhar, porém, que ainda é cedo para definir qual vai ser a defesa.
Anders Breivik confessou a autoria dos atentados de 22 de Julho, mas considerou-se inocente das acusações de terrorismo que enfrenta.
Na segunda-feira apresentou-se pela primeira vez em tribunal, tendo alegado que pretendia salvar a Europa daquilo que chama de “colonização muçulmana”.
“A sua justificação (para os atentados) é que pretende iniciar uma nova guerra contra a democracia, contra os muçulmanos no mundo, e, como ele disse, pretende libertar a Europa e o mundo Ocidental”, explicou o advogado ao realçar que o seu cliente se considera “uma espécie de salvador”.
Geir Lippestad, membro do Partido Trabalhista, que Breivik acusa no seu manifesto de trair a cultura norueguesa, disse não saber porque aquele o escolheu para o representar. A imprensa norueguesa alega que Lippestad já defendeu neo-nazis.
“Sentei-me com a minha família, amigos e colegas e decidimos que hoje é tempo de pensar em democracia, alguém tem de fazer este trabalho”, justificou ao referir que não sabe se o seu cliente conhece a sua afiliação partidária.
Também numa entrevista à AP, a antiga madrasta de Breivik, Tove Oevermo, disse nunca ter observado nenhum comportamento violento ou anti-muçulmano por parte do jovem, mesmo nos últimos meses, mas salientou que o mesmo falava muito de um livro que estava a escrever, sem revelar do que se tratava.
“Sentia-se orgulhoso do livro, mas evasivo sobre o seu conteúdo, só me dizia que estava a tentar publicar um livro, mas não disse sobre o quê. ‘Vais ver quando estiver acabado’, dizia”, explicou a antiga madrasta, para quem Breivik “era um norueguês comum e um jovem bem comportado”.
"Crime contra a humanidade" pode dar 30 anos de prisão
As autoridades norueguesas planeiam invocar uma disposição do código penal, que pune os “crimes contra a humanidade” com uma pena máxima de 30 anos de prisão, para acusar Anders Breivik.
O procurador norueguês citado pelo jornal Aftensposten sublinhou que o recurso à nova disposição do código penal, introduzida em 2008, é, para já, apenas uma possibilidade.
Até ao momento, as autoridades norueguesas invocaram apenas a disposição do código penal que se refere aos “actos de terrorismo” e que prevê uma pena máxima de 21 anos de prisão.
Anders Breivik mantém o estatuto de suspeito dos atentados, apesar de ter confessado ter sido o seu autor, até ao término da fase de inquérito.
José Luís Correia
(com base em textos de agências e da edição de 27 de Julho do jornal "La Voix du Luxembourg", na pág. 2, artigo assinado por Christelle Rainieri, com a devida vénia)
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