segunda-feira, 17 de outubro de 2011

"Os portugueses do Luxemburgo estão desligados do trabalho comunitário"

Tem 75 anos, é avó, está reformada há quase uma década, mas não lhe falta trabalho. Elza Chambel é a coordenadora nacional do Ano Europeu do Voluntariado em Portugal e veio ao Luxemburgo para um encontro internacional. A mulher que dedicou a vida inteira ao voluntariado aproveitou para sentir o pulso ao trabalho voluntário no Luxemburgo. Deixa duas críticas: diz que o coordenador luxemburguês foi "um erro de casting", e gostava de ver os imigrantes portugueses mais activos no voluntariado.

O CONTACTO apanhou Elza Chambel entre duas conferências organizadas pela Maison des Associations, na sexta-feira. "Apanhou" é o termo certo: Elza Chambel já é avó, mas quem a conhece sabe que a vida da coordenadora nacional do Ano Europeu do Voluntariado em Portugal é sempre a correr. A caminho do aeroporto de Findel, já tem plano traçado: "Se o avião chegar a horas, chego a Lisboa às 23h30, meto-me no carro, vou para Santarém, durmo um bocadinho, e amanhã volto a apanhar o avião às 10 da manhã para ir para a Volta do Voluntariado nos Açores".

É assim a vida de Elza Chambel, uma feminista "avant la lettre" que lutou pela integração das mulheres na Função Pública e montou de raiz o Instituto de Segurança Social em Angola, a pedido da Organização Internacional do Trabalho: sempre a correr.

CONTACTO: Para quem está reformada há já quase 10 anos, tem muito trabalho… Tem tempo para dormir?

Elza Chambel: No outro dia houve uma revista que me perguntou, então quantas horas é que você faz? E eu disse "não sei, mas olhe que há dias que são mais de 12”. Mas olhe que eu quando me reformei não era para parar, sabe? Eu acho que, contrariamente àquilo que muita gente pensa, a reforma não é para a pessoa ficar parada num canto, é para fazer aquilo que gosta de fazer, mas também é para não esquecer as competências. E eu há uma competência que ao longo dos meus 42 anos de serviço público fui adquirindo.

CONTACTO: O voluntariado. É um bichinho que já mexe desde o liceu, não é?

Elza Chambel: Sim. Mas tenho jeito para formar equipas, sabe? Como sou muito preguiçosa, ponho toda a gente a trabalhar [risos]. Eu entrei no voluntariado, que na altura não se chamava assim, na Conferência de São Vicente de Paulo com uma professora de física no liceu de Bragança. Foi no meu terceiro ano de liceu, tinha para aí 14 anos, não tinha 15 sequer, e ela desafiou-nos a irmos visitar as famílias mais pobres que moravam na vila. A vila em Bragança, ainda hoje se chama assim, é a parte murada ao pé do castelo onde moravam as famílias mais pobres. E eu depois fui ficando.

CONTACTO: É licenciada em Direito, mas foi convidada para montar o contencioso da Segurança Social e fez lá a maior parte da carreira. Foi a primeira chefe de divisão, o que na altura não era possível.

Elza Chambel: Pois, as mulheres só iam como chefe de secção, era um regulamento de 73. Eu fui a uma reunião do sindicato, quatro meses depois de estar na Segurança Social, e no fim perguntaram-me o que é que eu achava do estatuto. E eu disse: “Olhe, penso muito mal, porque eu admito perfeitamente não ser promovida, agora por ser mulher, uma discriminação sexual, não admito. E os homens entram como directores de serviço ou como chefes de divisão. Eu tenho licenciatura em Direito, sou mais qualificada do que eles, mas entro como chefe [de secção], não admito". O que é certo é que ao fim de um ano e meio conseguimos que as mulheres deixassem de ser descriminadas. E depois deu-se o 25 de Abril e fez-se a junção da Previdência com as Casas do Povo, e eu fui convidada para ser directora. Disse que não. Dizia-me então um secretário de Estado: "Ah, então tem de ir um coronel”. E eu: "Ah, não, tropas não. Então eu vou". Fui a primeira presidente do Centro Regional de Segurança Social de Santarém. Em 90 saí, mudou o governo, e consideravam-me um bocado colorida demais, era muito cor-de-rosa.

CONTACTO: Foi nessa altura que foi para Angola, criar o Instituto Nacional de Segurança Social de raiz.

Elza Chambel: Eu tinha o meu lugar lá mas a Organização Mundial do Trabalho propôs-me um trabalho em Angola, no tempo da guerra ainda. Entre Março de 91 e Setembro de 92. Não foi fácil. Mas foi bom. Formámos a equipa com um jovem alemão que era o "focal point" no programa de apoio ao desenvolvimento, e com o director nacional também criámos uma equipa, de tal maneira que fazíamos as coisas antes e só mandávamos dizer que já estavam feitas para o ministro assinar. A Organização Mundial de Trabalho considerou que realmente tinha sido um bom trabalho.

CONTACTO: É uma apaga-fogos.

Elza Chambel: Eu costumo brincar a dizer que hei-de pôr no meu cartão de visita "arrumadora profissional". E depois era preciso arrumar uma casa, que eram os serviços sociais, e lá fui eu para presidente dos serviços sociais da luta contra a pobreza.

CONTACTO: Nasceu no Rio de Janeiro mas veio muito cedo para Trás-os-Montes. É uma carioca transmontana?

Elza Chambel: Os meus pais viviam no Brasil, eram emigrantes. Eu nasci no Rio de Janeiro, em Ipanema. Andei no colégio até aos 10 anos, e vim para Portugal por acidente. O meu pai morreu quando eu tinha nove anos, eu sou a mais velha dos meus três irmãos, e a minha mãe ficou com três crianças. Tinha umas coisas poucas, que em Trás-os-Montes era tudo pouco, umas propriedades no concelho de Vinhais, em Sobreiró de Baixo. Fui transplantada em 1946 de Copacabana para Vinhais. Não havia telefones, não havia telemóveis, não havia telex, não havia nada nessa ocasião, muito menos computadores.

CONTACTO: Essa transição tão cedo, esse choque entre dois modos de vida completamente diferentes, foi seminal? Estruturou-a, de alguma forma?

Elza Chambel: Ouça, quando eu penso nisso (durante muito tempo não pensei nisso), penso que realmente valeu a pena, sabe, porque se calhar foi aí que eu comecei a aprender a dar importância ao que é fundamental e não ao que é acessório. E mesmo quando o mundo todo está a tombar, eu acho que é possível ir lá buscar uma pedrinha e fazer qualquer coisa. E aprendi também a não me levar muito sério, por exemplo…

PORTUGAL É UM "CASE-STUDY"

CONTACTO: É a presidente do Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado e foi convidada para chefiar também a Coordenação do Ano Europeu do Voluntariado em Portugal. Com bons resultados.

Elza Chambel: Sim, Portugal está a ser está a ser considerado um "case study" da União Europeia. Isto é público, cada vez que lá vai alguém diz "ah, vou a Portugal ver como é que é".

CONTACTO: O que é que Portugal está a fazer melhor do que os outros países?

Elza Chambel: Olhe, é simples. Para já, eu tenho uma vantagem, conheço o terreno todo. Já estava no negócio, digamos assim. O prazo para apresentar o projecto que cada país tinha era dia 15 de Setembro. Se calhar por eu ter sido notária, o prazo para mim era para cumprir, e a 14 de Setembro o projecto foi. A maior parte dos outros países consideraram que era um prazo indicativo e não vinculativo. Resultado: no dia 13 de Outubro nós já tínhamos o financiamento e os outros países ainda não tinham apresentado a candidatura.

CONTACTO: Durante estes dois dias, teve tempo para sentir o pulso do Ano do Voluntariado aqui no Luxemburgo?

Elza Chambel: Ouça, esta associação [Maison des Associations] trabalha lindamente. A Nicole, que é mulher do Guy Reger [presidente da APL], era a presidente da agência de Bénévolat do Luxemburgo, a fazer um trabalho notável. Mas eu quanto a mim, não tenho nada a ver com isso, acho que houve um erro de “casting”. E a pessoa que foi nomeada coordenador nacional do Ano Europeu do Voluntariado [Jacques Küntziger, funcionário], acho que foi um erro de “casting”… Encontrei-o duas vezes lá nas reuniões, mas mesmo eles dizem que a agência de Bénévolat é que fazia as coisas e ele aparecia.

CONTACTO: Cá, durante estes dois dias, falou-se muito de portugueses e da integração dos portugueses…

Elza Chambel: Que é muito boa, aqui no Luxemburgo.

CONTACTO: Foi a impressão com que ficou?

Elza Chambel: Tenho desde sempre realmente a impressão que, comparativamente a outros países, é uma boa integração. Mas também tenho a sensação que os portugueses da segunda geração já não passaram os problemas que passaram os da primeira geração e estão um bocadinho desligados do trabalho comunitário em prol da sociedade.

CONTACTO: A Elza Chambel propôs aliás, durante um dos encontros aqui no Luxemburgo, tentar recuperar esta segunda geração para o trabalho voluntário, nomeadamente para trabalhar na integração da primeira geração ou da nova vaga de imigrantes…

Elza Chambel: Absolutamente, porque são cultos, são integrados, estão bem colocados, podem realmente devolver aos seus concidadãos algo de que eles aproveitaram por estarem neste país. É uma questão de reciprocidade.

CONTACTO: Um estudo apresentado durante este encontro indica que os imigrantes participam menos em acções de voluntariado que os nacionais. Os portugueses no Luxemburgo estão pouco activos nesta área?

Elza Chambel: Se calhar ainda estão numa primeira fase. São activos nas festas, nas associações culturais, de desporto, recreativas, o que é importante, e até são solidários com certeza com o seu vizinho. Agora o trabalho social mais profundo, passar de um acto de solidariedade, de uma acção social, para um voluntariado organizado, comprometido, em que realmente é preciso, se eu me comprometo a fazer uma determinada actividade, ser àquela hora que eu vou e ser naqueles dias da semana, isso já não é tão fácil.

CONTACTO: Para isso tudo é preciso haver estruturas. Além das tais associações recreativas, parece-lhe que há estruturas em que o trabalho de voluntariado dos portugueses é possível, aqui no Luxemburgo?

Elza Chambel: Ouça, eu realmente não posso falar daquilo que não sei, mas a minha sensibilidade diz-me que a APL [Amizade Portugal-Luxemburgo] pode realmente ser uma boa estrutura de enquadramento. Não pode é fazer pesca de arrasto, tem de ser pesca à linha.

CONTACTO: Atrair um a um cada voluntário…

Elza Chambel: E cada um trazer um amigo, como realmente na cantiga do Zeca Afonso. Traz outro amigo também. Porque o voluntariado é um instrumento de cidadania, mas também é proximidade e afectividade.

Texto e foto: Paula Telo Alves

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