sábado, 24 de dezembro de 2011

Crónica: O Natal dos simples!


Os dramas que atravessam a sociedade portuguesa agravam-se sempre no Natal e, este ano, de forma muito particular, pelas infelizes razões que são conhecidas de todos. Com os apelos do consumismo e a redução dos rendimentos, a quadra deixou de ser festiva para muita gente, tornando-se no mais difícil período do ano.

Percebo perfeitamente que o comércio precise de facturar e, por isso, nesta altura, apela aos desejos mais escondidos e recalcados de consumo das sociedades. Mas isso acaba por subverter as tradições e os objectivos daquela a que se chama, por excelência, a festa da família.

Há muito tempo que defendo o regresso do Natal às origens, recordando de certo modo aquilo que foi a minha infância. Nesse tempo já distante, havia presentes, mas em número muito mais parcimonioso, deixando tempo às crianças para apreciarem todas e cada uma das prendas que recebiam. Hoje, esse número tornou-se escandalosamente esbanjador, a tal ponto que são as crianças que elegem um deles, desprezando a maioria. Não têm tempo para desfrutar de todos os presentes.

Seria por isso bom que o Natal recuperasse a sua magia, a fantasia de outros tempos, que permitisse a reunião da família, sem que as pessoas estivessem a pensar no drama de terem gasto muito mais que aquilo que de facto podiam. Deixo as questões de carácter mais religioso para quem, sobre o assunto, está mais habilitado que eu.

Seria também bom que a reunião de família permitisse recuperar algum ânimo, para enfrentar os momentos difíceis que aí vêm e para se recomporem de tudo o que passaram, ao longo de um ano de extremas dificuldades.

Recordo que num Natal da minha infância fui surpreendido por uma bicicleta fantástica, um pouco maior que a primeira que tive e que não acompanhara o meu repentino crescimento. Tornara-se pequena. Fiquei deslumbrado com a nova, mas também nostálgico, por saber que a "velha" bicicleta vermelha tinha ido embora, integrada no negócio de aquisição da nova. Para mim, os brinquedos também eram merecedores de afecto e a companheira de tantas passeatas e aventuras estava já a causar-me uma saudade imensa.

Isto contrasta com o que se vê hoje. A playstation ou o telemóvel do ano passado tornaram-se obsoletos, perante os desejos das crianças e jovens que, em cada ano, exigem sempre mais, a última novidade. E num espírito de concorrência, violador do espírito do Natal. Se o amigo ou o vizinho têm, ele também quer ter. E os pais cedem a isto.

Só um exemplo, para que se veja o terrorismo que os mais novos exercem sobre os progenitores: um adolescente de 14 anos já teve mais telemóveis que eu. Usa para isso os mais diversos expedientes, desde perdê-los, a parti-los e os pais ficam desarmados, porque não querem que a criança seja privada daquilo que todos os amigos têm. E, de cada vez que se compra, escolhe-se sempre um modelo mais sofisticado que o anterior.

Para muitos, o Natal deste ano vai ser mais dramático, como já o disse. Muita gente ficou sem parte do respectivo subsídio, incluindo os pensionistas, os que mais precisam. E não me parece que os mais jovens tenham consciência suficiente para perceberem esse drama e colaborarem na redução dos seus efeitos.

Por estes dias, vejo os centros comerciais cheios de gente, embora as lojas mais vazias. Vejo muita gente a deitar contas à vida, a comprar sem prazer, mas apenas porque a "ditadura" do consumismo é mais forte que as possibilidades e a consciência de cada um. Não é deste Natal que eu gosto. Prefiro o outro, o da família, das filhoses, das rabanadas, do bolo rei, do bacalhau, do peru. Prefiro o Natal da missa do galo e o da solidariedade que, na minha terra, juntava os jovens, para oferecerem uma ceia aos excluídos, aos marginalizados, aos indigentes. Prefiro o Natal dos amigos que, sem SMSs, se visitavam brevemente, antes da consoada, com os votos de uma noite feliz.


Sérgio Ferreira Borges,
analista político

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