quinta-feira, 1 de março de 2012

Luxemburgo: Atribuição de bolsas de estudo e abonos de família "é discriminatória", diz a Comissão Europeia

Foto: Marc Wilwert
A Comissão Europeia exigiu na segunda-feira que o Luxemburgo "ponha fim à discriminação" na atribuição de bolsas de estudo e de abonos de família. Na mira do Executivo comunitário está uma lei de 2010 que limita a atribuição de bolsa aos residentes no país. A situação afecta sobretudo os trabalhadores fronteiriços, que combatem a lei há quase dois anos. Mas há portugueses a viver no Luxemburgo que também são vítimas desta lei considerada discriminatória por Bruxelas.

Os fronteiriços estão mais perto da vitória na batalha para obter bolsas de estudo, depois de a Comissão Europeia ter exigido na segunda-feira que o Luxemburgo "ponha fim à discriminação" na atribuição destes subsídios.
Desde 2010 que o Luxemburgo exige que os estudantes vivam no país para poderem obter bolsas de estudo. Uma exigência que exclui os trabalhadores fronteiriços, mas não só. Que o diga Renato Ruivo, a viver no Grão-Ducado há quatro anos. "Eu vivo no Luxemburgo, não sou fronteiriço, mas tenho exactamente o mesmo problema", conta o imigrante português.

Quando chegou ao Luxemburgo, em 2008, a lei era diferente. Divorciado, Renato Ruivo ficou com o poder paternal das filhas. A mãe nunca pagou a pensão de alimentos a que o tribunal a condenou, e Renato teve de emigrar para poder sustentar as filhas. Apesar de não viverem no Luxemburgo, as duas filhas, na altura com 17 e 20 anos, recebiam os abonos de família do Grão-Ducado. A mais velha começou nesse ano a estudar em Londres, a mais nova ficou a viver com a avó em Portugal, para acabar o ensino secundário.

"A minha maior dificuldade é não ter estudos", explica Renato, que tem o 8o ano do liceu, "e eu tinha que manter as minhas filhas a estudar. É por isso que eu cá estou, para poder pagar-lhes os estudos". Nos primeiros dois anos, ao abrigo da antiga lei, as filhas receberam sempre os abonos de família. "Receberam sempre tudo direitinho, e deu para a Andreia, a minha filha mais velha, continuar a estudar em Londres. As minhas filhas viviam com aquele dinheiro", conta Renato.

As coisas mudaram em 2010, quando ainda faltava um ano para Andreia acabar o curso de "Business e Marketing" na Universidade de Westminster. É nessa altura que a lei muda. A nova lei limita os abonos de família até aos 18 anos, quando até aí o abono era pago enquanto o aluno fizesse prova de que continuava a estudar. A partir dos 18 anos, o aluno deixa de receber esse subsídio e tem de pedir uma bolsa se quiser prosseguir os estudos. Mas para isso é preciso provar que vive no Luxemburgo.

Andreia é uma das melhores alunas do curso que frequenta em Inglaterra, mas mesmo assim não consegue obter a bolsa.
"No CEDIES [Centro de Documentação e de Informação sobre o Ensino Superior] disseram-me: 'Ela não reside no Luxemburgo, não tem direito'. A lei diz que ela tem de residir no Luxemburgo, apesar de fazer parte do meu agregado familiar e de depender de mim para viver. E contra isto, batatas!".
Resultado: Andreia "fez o último ano lectivo sem receber nada", insurge-se Renato. "Ela queria continuar a estudar e fazer mestrado, mas o problema é o dinheiro", lamenta o pai.
É por isso que o imigrante português não perde uma notícia sobre o processo que opõe os trabalhadores fronteiriços ao Estado luxemburguês. Porque o desenlace, quando chegar, também o afecta.

Contactada por este jornal, a responsável do CEDIES, Dominique Faber, recusa comentar o caso. Mas sempre diz que "a lei é clara: o apoio financeiro é atribuído ao estudante, não aos pais. E a lei luxemburguesa sujeita a atribuição da bolsa à condição de residência [do aluno] no país".

LEI VIOLA DIREITO COMUNITÁRIO

É esta lei que está agora na mira da Comissão Europeia. Na segunda-feira, o Executivo comunitário instou o Luxemburgo "a pôr fim à discriminação dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias na atribuição de bolsas de estudo e dos abonos de família". E deu dois meses ao Grão-Ducado para alterar a situação. Passado esse prazo, a Comissão Europeia vai mesmo levar o caso ao Tribunal Europeu das Comunidades.

A Comissão considera que limitar o financiamento de estudos superiores aos residentes no país "lesa sobretudo os trabalhadores migrantes originários de outros Estados-membros". O que "constitui uma forma de discriminação indirecta baseada na nacionalidade e viola a legislação europeia sobre a livre circulação dos trabalhadores", acusa o Executivo comunitário.

Uma tese defendida há quase dois anos pelos sindicatos luxemburgueses, que apresentaram queixa junto da Comissão Europeia em 2010.

"O Governo acabou com os abonos de família depois dos 18 anos e integrou-os nas bolsas. Segundo a lógica do Governo, os filhos dos trabalhadores fronteiriços não têm direito a estas bolsas, apesar de os pais pagarem impostos no Luxemburgo. É toda uma lógica para excluir os fronteiriços, com o Governo a criar cada vez mais apoios sociais ligados à condição de residência", acusa Mil Lorang, responsável do departamento de comunicação da OGB-L.

 Agora, o sindicato exige que o Luxemburgo não espere pelo fim do prazo para obedecer a Bruxelas. "Em vez de continuar a teimar e arriscar uma condenação no Tribunal de Justiça das Comunidades, o governo devia finalmente admitir que a lei de 26 de Julho de 2010 é um erro jurídico e político, que convém rectificar o mais rapidamente possível", insta a central sindical em comunicado. Mas Mil Lorang teme que o aviso da Comissão não chegue para forçar o governo a alterar a lei.

"Tenho a impressão que o Governo não vai fazer nada", disse o sindicalista ao CONTACTO. "Isto pode demorar mais um ou dois anos, se o caso chegar a tribunal. No entretanto, os fronteiriços não recebem nada. Mas depois [de o Tribunal condenar o Luxemburgo], podem fazer valer os seus direitos, nomeadamente os que apresentaram recurso", explica. À espera fica também Renato Ruivo, que vai consultar um advogado para recorrer da decisão que tem impedido a filha mais velha de receber bolsa de estudos.

Texto: Paula Telo Alves

1 comentário:

  1. Neste momento os filhos, cujos pais se encontrem a trabalhar no Luxemburgo, e eles a frequentar o ensino superior em Portugal, com mais de 18 anos, têm direito a bolsa de estudo?

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