sexta-feira, 6 de abril de 2012

Luxemburgo: Centro Sichem é "porto de abrigo" para mulheres em dificuldades

As situações de violência doméstica aumentaram em 2011, diz o último relatório de estatísticas de criminalidade da Polícia Grã-Ducal que foi apresentado na semana passada. Este balanço mostra que a incidência de crimes contra as pessoas está a aumentar. Também na semana passada o presidente da Câmara dos Deputados, Laurent Mosar, visitou o Centre Maternel Sichem, em Walferdange, que acolhe mulheres grávidas e mulheres com filhos, em dificuldades ou que são vítimas de violência doméstica. O CONTACTO conversou com duas mulheres, uma portuguesa e outra cabo-verdiana, que partilharam as suas histórias de vida. A primeira, vítima de violência doméstica, a segunda, sujeita a pressões familiares. Em ambos os casos, o Centre Maternel Sichem foi o seu porto de abrigo.

No ano passado, a Polícia Grã-Ducal interveio em 675 situações de violência doméstica, mais 86 que em 2010. Também o número de expulsões de agressores da habitação familiar pela polícia sofreu um aumento, passando de 264 há dois anos para 331 em 2011 (+67). Os números dos crimes praticados contra pessoas, entre os quais se encontram os casos de violência doméstica, sofreram mesmo um aumento de 17,6 % em relação a 2010, diz o último relatório de estatísticas de criminalidade da Polícia Grã-Ducal, apresentado na semana passada.
A violência doméstica e as situações de discriminação em relação às mulheres estão, por isso, no centro da actualidade.
O CONTACTO acompanhou a visita do presidente da Câmara dos Deputados, Laurent Mosar, ao Centre Maternel Sichem, em Walferdange, na semana passada. O centro acolhe mulheres grávidas e mulheres com filhos vítimas de violência doméstica, com problemas familiares ou de alojamento ou que precisem de apoio no acompanhamento do bebé. O CONTACTO conversou com duas mulheres que recorreram ao centro.

CONTRA TUDO E CONTRA TODOS

Janaina, cabo-verdiana, 21 anos. Foto: I. Ferreira
Janaina (nome fictício) é cabo-verdiana, tem 21 anos e é uma das oito mulheres vítimas de violência familiar ou conjugal que deram entrada no centro de acolhimento Sichem no ano passado. "O meu padrasto é um pouco egoísta. Ele ameaçou sair de casa se eu ficasse com o bebé", conta Janaina, que descobriu que estava grávida no primeiro mês de gestação.

"A minha mãe não aceitou a minha gravidez", diz a jovem com olhos tristes. "Um dia, a minha mãe chegou ao pé de mim e disse-me que tinha dois dias para sair de casa. Eu saí na hora", recorda Janaina. "A minha mãe é assim, ela vai sempre por aquilo que o meu padrasto diz. É como se ela estivesse dividida entre mim e o meu padrasto", explica a jovem.

"A minha mãe, depois disso, disse-me um dia que se o meu padrasto fosse embora de casa ela não tinha como viver porque sem o salário dele não podia sustentar-nos a todos", conta Janaina, que tem um irmão de oito anos e que deixou Cabo Verde há quatro anos. Foi em Cabo Verde, aliás, que Janaina conheceu o pai da sua filha, que tem 27 anos e que actualmente está a estudar em Portugal. "Estamos juntos há sete anos", diz a jovem com um sorriso aberto. Nesse momento, os olhos tristes e baixos iluminam-se e ganham vida.

O mesmo acontece quando fala da filha. Fortemente determinada a levar a gravidez a termo e ignorando as fortes pressões familiares para fazer um aborto, Janaina acaba por ir bater à porta de um centro de apoio social, na cidade do Luxemburgo, onde uma assistente social a encaminhou para o Centre Maternel Sichem. Foi neste centro de acolhimento a mulheres grávidas e/ou com filhos em dificuldades ou vítimas de violência doméstica ou familiar que encontrou o apoio de que precisava para realizar o sonho de ser mãe.

"Eu sempre soube que no dia em que ficasse grávida nunca iria abortar", diz com convicção. "Sinto-me segura aqui no centro mas não me sinto em casa, apesar de ser um sítio bom. As assistentes são muito simpáticas mas aqui não é a minha casa, sinto-me sozinha", confessa Janaina ao mesmo tempo que baixa os olhos e desvia a cabeça, olhando para as mãos que tem pousadas no regaço, para em seguida dizer: "O centro tem feito muita coisa por mim, é o meu refúgio".

A solidão é o principal factor que traz algum desânimo à jovem cabo-verdiana que, antes de ser mãe, tinha grandes planos para a sua vida. "O meu sonho foi sempre tirar o curso de Economia mas agora vou começar a procurar emprego. Tenho a minha filha para sustentar. Eu e o meu namorado estamos a ver como organizamos a nossa vida".

Quando lhe perguntamos onde se vê daqui a cinco anos, a resposta de Janaina é segura: "Vejo-me na minha casa, aqui no Luxemburgo, com a minha filha e com o meu namorado".


QUATRO ANOS NO CENTRO SICHEM

Paula Sousa, portuguesa, 44 anos. Foto: I. Ferreira
Paula Sousa esteve por duas vezes no Centre Maternel de Sichem. A primeira foi por oito meses. A segunda por quatro anos. As duas pelo mesmo motivo: violência doméstica.

A portuguesa de 44 anos chegou com o filho ao Luxemburgo em 1995. Em Portugal deixava o marido que se tinha tornado dependente das drogas. "Fui obrigada a deixar o meu país porque ele fazia-me a vida num inferno", recorda Paula.

É no Grão-Ducado que se cruza com o segundo homem violento da sua vida. "Em 2002 conheci aquele que iria tornar-se o pai da minha filha. Ele é luxemburguês. Antes de me casar trabalhava. Depois de casar a situação mudou. Ele não queria que eu trabalhasse, dizia que ganhava o suficiente para nos sustentar a todos". Em 2003, nasce a filha.

Os sinais, ainda ténues, de possessividade e de ciúmes do marido passavam despercebidos. Mas havia comportamentos estranhos, sim, reconhece Paula. "Como cortar o seguro do meu carro para eu não poder ir visitar o meu filho ao colégio interno na Bélgica, onde ele estava na altura". Perguntamos-lhe por que razão tinha o seu filho longe de si. A resposta é curta: "Porque ele tinha ciúmes loucos do meu filho e nem queria que o miúdo vivesse connosco", exclama Paula.

"Eu devia estar louca para ter permitido uma coisa dessas, ter o meu filho longe de mim", continua. "A violência era mais com o meu filho. Ele chegava a cortar a televisão no quarto do miúdo, cortava-lhe a luz e o aquecimento no quarto. E o meu filho calava-se, não queria arranjar problemas."
"Tive que abandonar o pai da minha filha pelo meu filho. É muito complicado", diz Paula com um grande suspiro.

A primeira vez que deu entrada no Centro Sichem de Walferdange foi em 2006. "Eu estava completamente deprimida, fui-me abaixo, não tinha auto-estima nenhuma", resume assim a sua condição psicológica. "Vim pela primeira vez em Março de 2006, o meu filho estava no colégio interno desde Setembro de 2005. Fiquei até Outubro, Novembro desse ano até que ele me convenceu a voltar para casa".

Os abusos psicológicos continuaram e o isolamento a que o marido a forçava era contínuo. "Até que na véspera de Natal de 2007, ele chega a casa completamente bêbado. Tratou-me muito mal, insultou-me. São palavras que fazem muito mal". Paula abana a cabeça como que a tentar afastar as más memórias.

Paula reconhece que, por detrás de todos os comportamentos obsessivos do marido, se escondia um problema grave de alcoolismo. "Voltei ao centro, sentindo-me pior do que da primeira vez em que dei entrada". Desta vez, Paula ficou durante quatro anos. Saiu em Outubro do ano passado. Durante todo esse tempo lutou para obter o divórcio do marido. "Sem sucesso, o advogado dele tem conseguido atrasar tudo, não chegamos a lado nenhum", lamenta a portuguesa.

Paula só tem elogios para o pessoal do Centro Sichem de Walferdange: "Se recuperei as minhas forças e a minha auto-estima, foi graças às assistentes do centro que me puxaram sempre para cima". "Decidi sair do centro porque já era capaz de organizar a minha vida, sentia-me mais segura e confiante, tudo graças às assistentes sociais".

Paula trabalha agora a meio-tempo como costureira, vive com os dois filhos num apartamento mas não esquece o Centro Sichem: "Custou-me muito sair do centro porque se tornou um pouco a minha casa, o meu porto de abrigo. Eu sinto que elas são a família que nunca tive aqui no Luxemburgo. Ainda hoje, depois de ter saído, venho visitá-las", diz com evidente carinho.

O Centre Maternel Sichem, em Walferdange, pode ser contactado pelos tels. 33 25 96 e 33 62 20. O centro situa-se no no 2, rue Charles Rausch, em Walferdange.

Texto: Irina Ferreira 

Sichem acolheu quatro portuguesas vítimas de violência doméstica em 2011

Quatro das oito mulheres vítimas de violência doméstica e/ou familiar que passaram pela rede Sichem no ano passado são portuguesas. Os números são do relatório de actividades de 2011 daquela entidade, que está sob a gestão da Fondation Maison de la Porte Ouverte e que é subvencionada pelo Ministério luxemburguês da Igualdade de Oportunidades. 

No ano passado, os quatro centros de acolhimento que compõem a rede Sichem albergaram 23 mulheres e 29 crianças. Ao todo, nasceram 10 bebés durante o período de permanência das mães num destes centros ao longo do ano passado. 

A violência doméstica e familiar levou 8 das 23 mulheres a recorrerem aos centros de acolhimento, seguida de problemas familiares (2), falta de alojamento (6), necessidade de acompanhamento da gravidez e/ou de criação de um laço afectivo entre mãe e bebé (4), por ordem do tribunal (2) e por falta de capacidades ou handicap (1). Das 23 mulheres, 18 foram vítimas de violência em algum momento das suas vidas, especifica o relatório. 

No que toca à fonte de rendimentos, nove das 23 mulheres não eram dependentes economicamente do marido ou companheiro. Outras fontes de rendimento são: subsídio de desemprego (2), RMG - rendimento social garantido (2), trabalho a meio tempo (2), licença de maternidade (1), trabalho a tempo inteiro (2), contrato de inserção profissional (1) e outras três mulheres eram ainda estudantes e não tinham, portanto, uma fonte de rendimentos. 

Os centros acolheram mulheres de oito nacionalidades. De acordo com o relatório, algumas mulheres, apesar de residirem no Luxemburgo, são de origem estrangeira e obtiveram a nacionalidade através do casamento. A nacionalidade mais representada é a luxemburguesa (12), seguida da portuguesa (4), francesa (2) e em ex-aequo, a brasileira, cabo-verdiana, guineense, romena e tunisina (1). 

A dificuldade em encontrar alojamento é a razão principal que leva as mulheres a estenderem a sua estadia nos centros de acolhimento. De acordo com o relatório de actividades, "as mulheres são confrontadas com uma desigualdade flagrante de acesso à habitação. Os proprietários dos alojamentos mostram-se reticentes em alugar bens imobiliários a uma mulher sozinha com um ou mais filhos, que disponha de rendimentos baixos e/ou que seja de origem estrangeira". 

Um dado importante, refere-se no documento, é o facto de "mais uma vez este ano nenhuma das mulheres ter voltado a viver com o marido ou companheiro violento." Assim, o aluguer de um alojamento através de particulares beneficiou duas mulheres, seguido de viver em casa de familiares ou amigos (4), a "Wunnengshëllef" - ajuda ao alojamento (1), lideram a lista de soluções de alojamento. 

Ao todo, em 2001, 52 pessoas foram acolhidas na rede Sichem, sendo que sete eram mulheres em dificuldades, 16 eram jovens mães e 29 eram crianças. 

A taxa de ocupação foi de 97,84 %. A rede Sichem dispõe actualmente de 28 camas. 

Texto: I.F. 

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