quarta-feira, 16 de maio de 2012

"Estamos numa situação muito próxima da servidão"

Foto: Anouk Antony
A conjuntura de crise e as medidas de austeridade estão a empurrar o mundo do trabalho para uma cada vez maior precarização das relações laborais, diz Jorge Leite, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. O especialista falava numa conferência na Universidade do Luxemburgo, em Limperstberg, sobre o valor do trabalho à luz da evolução das leis laborais.

"Estamos numa situação muito próxima da servidão", alerta Jorge Leite. O professor de Direito da Universidade de Coimbra falava na conferência subordinada ao tema "Le valeur du travail à la lumière de l'évolution du droit du travail", que decorreu a 9 de Maio na Universidade do Luxemburgo, na capital, organizada pela frente sindical OGB-L. Jorge Leite referia-se em particular "aos emigrantes e, principalmente, aos emigrantes ilegais, como aconteceu com portugueses em Espanha, na Holanda, na Grã-Bretanha".

A precarização dos laços laborais tem vindo a acentuar-se e, para o professor de Direito, a precariedade veio para ficar. "O trabalho é como o parto: é uma espécie de síntese de sofrimento e de criação".

"O homem inteligente deve saber reduzir o sofrimento e aumentar o tempo de criação. Esse é o sentido que vale dar à vida", comparou Jorge Leite para, em seguida, dizer que se assiste "a uma fase rara na História, de grandes transformações sociais, onde não há equilíbrio".

"Hoje há pessoas a pagar um castigo que não merecem e as sociedades não têm respostas adequadas", critica. "O trabalho não é uma mercadoria mas infelizmente é tratado como tal", lamenta Jorge Leite, referindo-se às tendências actuais do direito português do trabalho. "Hoje temos uma nova escravatura, em que pessoas sem escrúpulos espezinham a dignidade humana", critica, recordando a génese da Organização Internacional do Trabalho (OIT): "A OIT foi instituída depois da Primeira Guerra Mundial e defende que a justiça social é essencial para o desenvolvimento humano", recorda.

Jorge Leite acredita que "as reformas laborais, em especial em países a atravessar dificuldades económicas e financeiras, onde predomina a concepção neoliberal, faz com que se esteja a recuar civilizacionalmente" no que toca à legislação do trabalho e das relações laborais entre trabalhadores e patronato. "O problema não está na mudança", especifica Leite, "está no sentido da mudança. Há pessoas que aproveitam a crise para ganhar com ela e no meu país isso acontece", critica o jurista.

Jorge Leite não poupa críticas à evolução que a legislação do trabalho tem vindo a sofrer: "O que a lei vem fazendo é dar cabo da vida do trabalhador; o trabalho é causador de stress, provoca desencontros no seio da família e tem efeitos negativos sobre a saúde mental do trabalhador". Uma das causas é a precariedade laboral. "Em Portugal, a precariedade é uma das características mais comuns no mercado de trabalho. Poucos são aqueles que conseguem um trabalho duradouro como primeiro emprego".

"O que me preocupa é a justiça social, é a justiça relativa entre trabalhadores. Um mundo sem justiça social arrisca-se a ser um mundo sem paz e um mundo sem justiça deve incomodar-nos a todos", conclui Jorge Leite, no final da conferência, à qual assistiu o ministro do Trabalho e da Imigração, Nicolas Schmit.

Jorge Leite é professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Foi, durante dois anos, professor convidado de Direito do Trabalho na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, foi director da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto (2008-2011), onde também foi professor. Fundador e presidente da Associação de Estudos do Trabalho e director da revista "Questões Laborais", Jorge Leite fundou também a JUTRA (Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho e foi membro-fundador do IDET (Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho). Jorge Leite participou ainda na discussão do Livro Verde da política social europeia, em Bruxelas e em Portugal, e tem obras publicadas no domínio da legislação comparada do trabalho no seio da UE.
Texto: Irina Ferreira

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