quinta-feira, 7 de junho de 2012

António-Pedro Vasconcelos não tem garantias de que vai continuar a filmar

António-Pedro Vasconcelos sustenta que a dependência do Estado é o vício
que mata o cinema português
O cineasta português António-Pedro Vasconcelos critica a política do cinema em Portugal e diz que não tem garantias de que vai continuar a filmar. As declarações foram feitas ao CONTACTO, à margem da Quinzena de Cinema Português no Luxemburgo, que arrancou na passada quinta-feira, no cinema Utopolis, no Kirchberg.

"Neste momento tenho uma história escrita há mais de um ano, e que foi aprovada em concurso. O secretário de Estado da Cultura, apesar de ter aprovado o projecto, diz que não sabe quando vai haver dinheiro. Não tenho garantia de quando vou filmar e assim é impossível planear uma vida de cineasta. Isto é dramático!", lamenta António-Pedro Vasconcelos, que aponta o dedo ao "vício" da dependência do Estado que existe em Portugal.

"Todos os meus colegas de geração e das gerações seguintes aceitaram a ideia de que o cinema dependa do Estado e que seja o Estado e decidir quem filma e quem não filma. Esse é o grande vício que vai passando de geração em geração e que se perpetua. Desde o 25 de Abril, ninguém quis mudar este estado de coisas que vem desde o tempo de Marcelo Caetano: o Estado chama a si o financiamento e obriga os agentes de comercialização (distribuidores, exibidores, editores de vídeo e de canais, etc.) a dar o dinheiro ao Estado, para que seja ele a decidir o que faz com o dinheiro e a controlar o conteúdo do que se faz. Essa é a razão do divórcio entre o cinema e o público e eu sou o único a combater isso", diz o cineasta.

E com que óculos Vasconcelos vê os novos cineastas e o seu contributo para o cinema português?
O cinema português não tem qualquer relação com a realidade
e não se submete aos escrutínios financeiro e artístico, diz o cineasta

"Há sempre gente a surgir e que quer fazer cinema. Ainda bem. Alguns têm talento, mas vejo com muito pessimismo o cinema português porque o sistema que vigora mata qualquer possibilidade de haver um cinema que tenha uma relação com as pessoas. Temos um cinema autista, que não tem qualquer relação com a realidade. Se um marciano chegasse amanhã à terra e a encontrasse deserta, só com filmes, ao vê-los ia perceber o que foi a América dos séculos XX e XXI, mas nunca o que foi Portugal", refere o leiriense, que denuncia ainda a falta de "escrutínios financeiro e artístico".

"Não há escrutínio financeiro. Um filme pode ter 100 espectadores no país inteiro, e não haver consequências nenhumas. Outro pode receber 800 mil euros e o realizador decidir entregar o filme sem imagens, tudo a preto, que ninguém lhe pede contas. Os resultados artísticos não são escrutinados por ninguém. O público não conta e são cinco pessoas, escolhidas Deus sabe como, o júri, que tem a palavra. Depois, a ditadura do gosto, com os jornais 'O Público' e o 'Expresso' a decidirem quais os bons e maus filmes, através do sistema de estrelas, independentemente de os filmes terem ou não boa receptividade do público. Isso é fazer filmes para a cinemateca", remata.

Para reverter a situação, António-Pedro Vasconcelos propõe o financiamento directo por parte dos agentes de comercialização.
"O Estado tem o direito e a obrigação de impor aquilo que se chama cadeia de valores, e que envolve todos os agentes de comercialização. Eles devem participar com uma percentagem ínfima dos seus volumes de negócios para financiar o cinema português, de forma directa. Quanto ao Estado, não digo que não deve ter o seu papel, mas é preciso corrigir esse vício que vem do fascismo, de chamar a si o financiamento."
Texto: Henrique de Burgo
Fotos: M. Dias

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