sexta-feira, 19 de junho de 2009

De comer e suspirar por mais


Diz que foi Deus que o chamou para a gastronomia, e não falta quem assegure que a sua cozinha tem inspiração divina. Conhecido como o "Papa da gastronomia portuguesa", Luís Suspiro esteve no Luxemburgo para confeccionar dois jantares organizados pelo Instituto Camões. De comer e suspirar por mais...


Miguel Esteves Cardoso chama-lhe "o Fernando Pessoa da cozinha portuguesa", o Expresso coloca-o no "top 10" dos chefes portugueses, Vasco Graça Moura não lhe regateia elogios. Luís Suspiro, chefe auto-didacta com 54 anos, desperta paixões – e sabe-o. Mas em vez dos filtros e poções com que se enfeitiçam os tolos, o chefe português usa um ingrediente que vai rareando na cozinha lusa: o amor.

"Amor, carinho, paixão, sentimento, fazem parte dos ingredientes. Gosto de provocar prazer, luxúria, levar as pessoas ao extâse, a sensações quase orgásmicas", diz
Suspiro.

O vocabulário é carnal, terreno e com substância, a mesma de que se faz a cozinha que Luís Suspiro pratica com requinte mas sem artificiosismos. Estamos longe dos rodriguinhos da "nouvelle cuisine" portuguesa, e se Suspiro é considerado, a justo título, um renovador do património culinário português, a reinvenção passa pela redescoberta das matérias-primas, pela selecção cuidada dos ingredientes e por uma confecção apurada e genuína – o oposto à "mediocridade reinante" na generalidade dos restaurantes portugueses, acusa o chefe, a quem o tema faz subir a mostarda ao nariz. "A mediocridade na cozinha é a conspurcação de um património que é nosso: chama-se português ao molotov, à baba de camelo, a uns doces horrorosos feitos com natas e bolachas; nos salgados, é o bitoque ou a francesinha, que é belga, enquanto a verdadeira cozinha portuguesa desaparece", lamenta.

Há 15 anos de volta das panelas, Luís Suspiro é um autodidacta guiado pelo "instinto". E pela inspiração divina, garante. Engenheiro agrónomo de formação, nada fazia prever que viesse a tornar-se cozinheiro, para mais de renome: a cozinha já era uma memória que vinha da infância – "cozinhava-se muito bem na minha casa" – e uma paixão – "viajava longas distâncias para comer bem" –, mas enquanto amador, sentado à mesa ou à frente do fogão a preparar pratos para os amigos.

A vocação ("que vem do latim 'vocatio' e quer dizer 'chamamento'", recorda) haveria de chegar numa fase difícil da vida em que procurou respostas na religião.

"A 10 de Agosto de 1994 fui a Fátima pedir à Virgem que me iluminasse, num período nublado da minha vida. No dia seguinte, quando acordei, disse para a minha ex-mulher: vamos abrir um restaurante".

Três meses depois, nascia o Condestável no Cartaxo, o primeiro dos cinco restaurantes de que é hoje proprietário.

Em Lisboa, além da Ordem – que resultou da conversão dos restaurantes da Ordem dos Médicos –, abriu mais recentemente o Turricado e o Portucalidades, onde pratica a "haute-cuisine" a preço democrático. Decorados com mobiliário de Philip Starck, aqueles restaurantes propõem uma ementa a 15 euros, preço quase simbólico permitido pela elevada frequência – "diariamente servimos 300 pessoas", explica Suspiro –, sem que a qualidade sofra. Uma aposta que é também uma missão: democratizar o gosto. "Eu gosto é de ver as pessoas felizes, seja o cliente dos 70 euros ou o cliente dos 15", garante. Foi também esse sentido missionário de quem divulga um património que o trouxe ao Luxemburgo, pela mão do Instituto Camões, para confeccionar este fim-de-semana dois jantares, no Country Grill, na capital, e no Lusitânia, em Dippach, ambos com lotação esgotada. "Para divulgar Portugal vou a todo o lado, mas o Portugal verdadeiro, da dignidade, não o Portugal dos medíocres", disse ao CONTACTO.

Luís Suspiro tem um livro de receitas editado e um novo no prelo. Dia 24 de Julho, o chefe português lança "Memórias de um rural refinado", autobiografia e receituário em partes iguais que descreve como "uma análise antropológica dos usos e costumes do povo, o povo de onde eu venho". Editado pela Gradiva, o livro, que inclui 60 receitas, tem prefáco de Mário Soares.

Paula Telo Alves

Copyright foto: Luís Suspiro

1 comentário:

  1. A sondagem não me permite exprimir mais abertamente, por isso faço-o assim. O que acho é que neste site se limitam bastas vezes a publicar notícias da Lusa ou de outros jornais e que ja li depois de passar pelo site do Público ou noutros sites.
    O que mais procuro, noticias do Luxemburgo, raramente encontro neste site. Infelizmente não tenho muito tempo para ler o jornal que me enviam, por isso venho aqui nas horas de trabalho, mas o site é muito menos completo do que o jornal em noticias nacionais. Gostava de perguntar porque razão? Digo isto porque estou cá com o meu marido há dois anos e interessa-nos conhecer o mais rapidamente possivel o país. Obrigado e espero que vejam esta critica como positiva.
    Conceição Ramos Dias

    ResponderEliminar