Sem dados históricos absolutamente fiáveis, Guimarães fundamenta-se na “tradição”, disse hoje à Lusa o presidente da autarquia.
“Não é nosso propósito que o programa comemorativo venha responder a qualquer questão, nem, tão pouco, é nossa intenção aclarar dúvidas históricas que, de quando em vez se animam, e que apenas encontrarão resposta no labor de investigadores e medievalistas”, acrescentou António Magalhães.
O autarca socialista assina o documento de apresentação das comemorações dos 900 anos de nascimento de D. Afonso Henriques.
A par com Viseu, a cidade minhota, que a tradição considera berço da nacionalidade, comemora o aniversário do fundador de Portugal.
As duas cidades apresentam "pareceres" históricos e documentos que tentam provar o local onde, efectivamente, nasceu o primeiro rei de Portugal.
“Não há nenhum tipo de dúvida de que D. Afonso Henriques nasceu em Guimarães”, disse à Lusa o historiador Barroso da Fonte que, sexta-feira, apresenta o livro ‘Afonso Henriques - um Rei Polémico”.
Em 300 páginas, o antigo vereador da cultura na câmara vimaranense e ex-director do Paço dos Duques de Bragança e do Castelo de Guimarães, tenta provar que filho do Conde D. Henrique e de D. Teresa, nasceu em 1111, na cidade-berço.
“A Câmara de Guimarães antecipou, em dois anos, as comemorações dos 900 anos, talvez para mostrar a Viseu que está atenta”, frisou Barroso da Fonte.
Batalha de S. Mamede - O Dia em que nasceu Portugal
Para comemorar a Batalha de S. Mamede, a 24 de Junho, o "Dia Um de Portugal", como referem os vimaranenses, a autarquia iniciou uma festa que vai durar 900 horas.
Hoje à tarde, três centenas de crianças, vestidas com roupas semelhantes às usadas no tempo de D. Afonso Henriques, elaboraram um cortejo pelas ruas do centro histórico.
No Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, foi inaugurada a exposição “Afonso Henriques: o ‘Dux’ que se fez Rei”.
Na discussão sobre qual terá sido a cidade-berço de Portugal, entrou também a Sociedade Martins Sarmento (SMS), em Guimarães.“Não há documento algum que esclareça com exactidão o dia e o local de nascimento do primeiro rei de Portugal e, sendo assim, ganha a força da tradição”, salientou hoje Amaro das Neves, presidente da Sociedade.
No entanto, segundo Barroso da Fonte “todos aprendemos na escola que D. Afonso Henriques nasceu em Guimarães, em 1111. Só porque um historiador vem questionar essa data, não se pode mudar a história”.
Também Diogo Freitas do Amaral, natural de Guimarães, escreveu um romance histórico sobre D. Afonso Henriques e aponta a cidade minhota como o berço da nacionalidade.
A tese de que o primeiro rei terá nascido em Viseu foi sustentada, em livro, pelo medievalista Almeida Fernandes e é também defendida pelo historiador José Mattoso.
Aos argumentos históricos, a Câmara de Guimarães responde: “Aqui Nasceu Portugal”, “Cidade-Berço”, “Capital Histórica de Portugal” são alguns dos rótulos que se colaram à cidade “em resultado da epopeia fundadora que em Guimarães teve inicio. Um olhar um pouco mais atento descobrirá muitas outras formas como a figura do nosso primeiro rei faz parte do nosso quotidiano, ainda hoje”.
A tese de Viseu incontestada há 19 anos
A Fundação Mariana Seixas está convencida de que, 19 anos após o historiador Almeida Fernandes ter avançado a tese do nascimento de D. Afonso Henriques em Viseu, não será a obra de Barroso da Fonte a enfraquecê-la.
A polémica tese "Viseu, Agosto de 1109, nasce D. Afonso Henriques", do medievalista Armando de Almeida Fernandes, foi publicada pela primeira vez na revista Beira Alta, depois em livro pelo Governo Civil de Viseu (1993), tendo este sido reeditado em 2007 pela Fundação Mariana Seixas, da mesma cidade.
"Durante estes 19 anos nunca ninguém contestou a tese com bases científicas. E não será com certeza um publicista (pessoa que divulga ideias) a contestar a tese de um historiador", afirmou hoje à Agência Lusa António José Coelho, editor da Fundação Mariana Seixas, que criou em 2004 um prémio de História Medieval Portuguesa com o nome de Almeida Fernandes.
No entanto, considera que o livro "Afonso Henriques: um Rei Polémico", do investigador Barroso da Fonte - a apresentar sexta-feira, em Guimarães - poderá ser "um contributo interessante para fazer os historiadores virem à liça debater o assunto".
No ano em que, quer em Viseu, quer em Guimarães, se comemoram os 900 anos do nascimento do primeiro rei de Portugal, António José Coelho congratula-se por a tese de Almeida Fernandes ter "cada vez mais ecos favoráveis e apoios entre os investigadores de História Medieval".
"A partir da reedição do livro em 2007 voltou a surgir o debate e, desta vez, no meio académico. Hoje existe um conjunto de medievalistas reputadíssimos a subscrever a tese", frisou.
Destacou a posição de Bernardo Vasconcellos e Sousa, professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, que considerou que "com base em informações indirectas sobre o paradeiro dos pais do monarca, creio que a hipótese de Viseu é a mais provável".
"Viseu é, quase, com muita probabilidade a terra de nascimento de D. Afonso Henriques", defendeu em Março passado António Borges Coelho, professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Numa carta enviada a Almeida Fernandes, em 1992, e que só recentemente foi descoberta, o cónego Avelino de Jesus da Costa, que era professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra escreveu: "Quanto ao nascimento de D. Afonso Henriques em Viseu, os documentos apresentados por V.ª Ex.ª não permitem outra conclusão".
António José Coelho admitiu que a biografia sobre D. Afonso Henriques do Círculo de Leitores (2006), escrita pelo historiador José Mattoso, "foi um contributo importante" para que outros lhe seguissem o exemplo, até porque ele manteve, durante mais de duas décadas, um diferendo com Almeida Fernandes devido a diferentes perspectivas históricas.
"A demonstração feita por Almeida Fernandes alcança verosimilhança suficiente para se admitir como possível, ou mesmo a mais provável. É de facto admissível, com base nos documentos por ele invocados, que D. Afonso Henriques tivesse nascido em Viseu por meados do mês de Agosto de 1109", escreveu José Mattoso.
A tese de Almeida Fernandes surgiu, curiosamente, depois de, em 1990, ter sido posta em causa a "tradição" de que Guimarães foi o "berço" do fundador da nacionalidade, com o aparecimento da hipótese de Coimbra.
Almeida Fernandes explica na sua obra que esta resulta de uma encomenda feita pela Unidade Vimaranense - Associação para o Desenvolvimento de Guimarães e sua Região, que lhe pediu para "averiguar, se possível, onde nasceu D. Afonso Henriques".
"A doutrina encontrou silêncios, mais sintomáticos em quem pedira o estudo; mas não suscitou polémica à altura, muito menos capaz de a infirmar, por um argumento que fosse. Passado o tempo, verifica-se que, ao contrário, a hipótese colheu ecos, favoráveis", refere Maria Alegria Marques, da Universidade de Coimbra, no prefácio da obra reeditada em 2007.
Imagens: D. Afonso Henriques e a sua bandeira quando se declarou rei de Portugal
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