terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Portugal: Comemorações do Centenário da República lançadas no próximo domingo, mas já envoltas em polémica

Os promotores da romagem à campa dos homens que mataram o rei Dom Carlos voltam a homenagear os regicidas no próximo domingo, 31 de Janeiro, este ano com fortes críticas ao programa do centenário da República por excluírem o regicídio das comemorações.

"Basta ver as comemorações oficiais: da Presidência da República ao primeiro-Ministro, passando pelos municípios a nível nacional, apenas Castro Verde inclui o regicídio nas comemorações alusivas ao centenário da implantação da República", disse à Agência Lusa o presidente da Associação Promotora do Livre Pensamento (APLP), Luís Vaz.

É esta associação que, pelo terceiro ano consecutivo, promove uma romagem às campas de Manuel dos Reis Buíça e Alfredo Luís Costa, os homens que, a 1 de Fevereiro de 1908, mataram o rei Dom Carlos e o príncipe Luís Filipe.

A romagem realizar-se-á um dia antes da efeméride, a 31 de Janeiro, altura em que "todos os actores dos factos ocorridos se encontravam vivos e aptos a modificarem as suas opções".

"Não deixo de reconhecer que a morte é sempre passível de ser condenada, por isso comemoramos o acontecimento no dia 31 de Janeiro, porque festejamos a vida e não a morte. Deixamos a morte para ser comemorada por aquelas instituições que acreditam no transcendente. Nós, não", disse Luís Vaz.

O historiador, autor de várias obras sobre o regicídio, algumas das quais atribuem a autoria deste acontecimento à Associação do Registo Civil e Livre Pensamento (ARCLP), da qual Manuel dos Reis Buíça e Alfredo Luís Costa eram sócios, recusa qualquer provocação.

"Lamento profundamente que alguém pense que a APLP promove estas romagens para agredir a liberdade individual de alguém. Respeitamos a liberdade individual de todas as pessoas", sublinhou.

Para Luís Vaz, é um vício histórico" não reconhecer o regicídio como um "acontecimento" que é "parte integrante do derrube da monarquia".

"O regicídio tem de ser lido e visto no contexto histórico", disse, reclamando para Manuel dos Reis Buíça e Alfredo Luís Costa a autoria de "um acto que tinha a cobertura de uma instituição de anarquistas intervencionistas e que apareceram como alternativa ao golpe de estado falhado que ia destituir o ditador João Franco".

"A lógica é esta: Abatendo-se o rei e o João Franco, abatia-se o próprio sistema totalitário, o regime de ditadura", adiantou.

Para o historiador, esta é uma lógica histórica, não interpretada da mesma forma por outros sectores da sociedade, dos quais fazem parte "estruturas clássicas e tradicionais na sociedade portuguesa, que se mantêm poderosas".

Instado a identificar estas estruturas poderosas da sociedade portuguesa, Luís Vaz aponta o dedo a "instituições de carácter religiosos e outras com reminiscências no pensamento autoritário monárquico, ou da monarquia absoluta".

O historiador não tem dúvidas de que, "se não houvesse regicídio, continuaria a haver uma monarquia constitucional". A legitimidade do parlamento "iria voltar, mas a República só tardiamente se implantaria".

Por esta razão, não entende como o regicídio não faz parte das comemorações do centenário da República, interpretando o distanciamento de algumas organizações, como o Grande Oriente Lusitano (GOL), com a busca pela consensualidade.

"Fazendo o GOL parte das programações oficiais do Centenário da República e estando nelas inseridas outras estruturas, também representativas da mentalidade portuguesa, que não aceitam o regicídio como parte integrante da história e como uma etapa que levou ao fim da monarquia, porventura faz a gestão desta clivagem através da consensualidade e aceita a exclusão".

"A história é mais importante que este tipo de atitude", frisou.

A abertura oficial das comemorações do Centenário está marcada para 31 de Janeiro, no Porto, e conta com a presença do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, havendo já actividades no dia anterior, sábado, 30 de Janeiro.

"Mausoléu de homens que mataram o rei deve ser reposto", defende APLP

A APLP exige que seja colocado junto à campa com as ossadas dos regicidas, no Cemitério Alto São João, o mausoléu que as acolheu antes de serem transferidas para uma discreta campa, onde ainda se encontram.

O presidente da APLP, Luís Vaz, revelou à Agência Lusa que desde 2008 - ano em que se assinalou o centenário da morte do rei Dom Carlos, da autoria de Manuel dos Reis Buíça e Alfredo Luís Costa - que esta associação envida esforços para reaver o mausoléu.

Em causa está o sepulcro que, em 1914, acolheu as ossadas dos regicidas e que foi construído pela Associação do Registo Civil.

No seu livro "As mortes que mataram a monarquia", Luís Vaz conta que o monumento foi erigido por decisão da Associação do Registo Civil e que o seu autor foi o arquitecto Wenceslau de Lima.

"Uma cercadura em aros de ferro fundido. Dois punhos robustos de trabalhador espoliado, um deles segurando um facho para alumiar os espíritos menos esclarecidos, dois braços de inteireza dórica" compunham o mausoléu, segundo descrição que consta no livro do historiador.

O monumento fúnebre teria ainda uma lápide com o nome dos regicidas, classificados como "libertadores da pátria portuguesa".

Depois de erguido, o mausoléu foi destino de romagens anuais, aquando da efeméride do regicídio, a 1 de Fevereiro, razão que terá estado na origem da posterior mudança.

No livro "Clericais e Livres Pensadores - O grande confronto", Luís Vaz desenvolve este tema, escrevendo que, "a partir de 1926, data da queda de República, todas as romagens ao mausoléu começaram a ser símbolo de resistência contra a ditadura".

Para a justificação da transferência das ossadas dos regicidas, a Repartição de Higiene Urbana terá alegado, em 1940, que o mausoléu "prejudicava gravemente o trânsito", conta o historiador no livro.

Luís Vaz foi no encalço do mausoléu e encontrou no Arquivo do Arco Cego da Câmara Municipal de Lisboa um "texto produzido pela primeira Repartição de Higiene Urbana", sem data e assinatura, que o descreve.

"No depósito de materiais deste cemitério, encontram-se depositados alguns símbolos que ornamentavam o primeiro jazigo… um facho com altura de 1,20 metros com duas mãos parcialmente partidas e uma corrente… e uma lápide com as dimensões de 0,55 m/0,60m com a seguinte inscrição: Alfredo Luís da Costa e Manuel dos Reis Buíça, libertadores da Pátria Portuguesa, 1 de Fevereiro de 1908 Associação do Registo Civil".

As ossadas de Buíça e Costa foram transferidas para uma discreta campa, onde se encontram até hoje, sendo há três anos destino de uma romagem organizada pela APLP, por altura do aniversário do regicídio, que reúne poucas dezenas de pessoas no Alto de São João.

Em 2008, a APLP escreveu uma carta à CML a solicitar a reposição do mausoléu, propondo-se suportar os custos da mudança.

Segundo Luís Vaz, os serviços da autarquia que tratam desta matéria informaram a associação de que as possibilidades desta mudança estão a ser estudadas.

A Agência Lusa questionou a Divisão de Gestão Cemiterial da Câmara Municipal de Lisboa sobre a existência deste mausoléu e a possibilidade de o mesmo ser reactivado, 70 anos depois, mas não obteve resposta em tempo útil.

Para Luís Vaz, o que está em causa é o respeito pela "última das missões" da Associação do Registo Civil, a que pertenceram Buíça e Costa e à qual "se deve o Registo Civil Obrigatório em Portugal, a separação das igrejas do Estado, a implementação da educação laica alicerçada na corrente da pedagogia racionalista e o regicídio".

A abertura oficial das comemorações do Centenário está marcada para 31 de Janeiro, no Porto, e conta com a presença do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, havendo já actividades no dia anterior, 30 de Janeiro.

Sem comentários:

Enviar um comentário