CONTACTO: Como surgiu o interesse do Luxemburgo em investir em território angolano? Quais os objectivos e quando foram estabelecidos os primeiros contactos?
Jean-Claude Knebeler: Actualmente, o Ministério da Economia e do Comércio Exterior do Luxemburgo está interessado em desenvolver laços económicos com África, em geral, e Angola, em particular. É nesta óptica que me desloquei a Luanda com o objectivo de ter uma ideia mais concreta do potencial de cooperação e para estabelecer os primeiros contactos com os decisores, por forma a poder preparar uma missão ministerial que incluísse empresas luxemburguesas. Trata-se claramente de um contexto comercial, o que não exclui, no entanto, uma intervenção pontual no domínio do apoio ao desenvolvimento, nomeadamente, através de iniciativas de assistência técnica, de formação bancária ou em termos de micro-finanças. Consciente da ausência quase total de empresas luxemburguesas no continente africano, o Ministério do Comércio Exterior fixou-se como objectivo melhorar a nossa presença nesse continente, do qual alguns países conhecem um crescimento económico notável. Angola insere-se bastante bem nesta iniciativa, visto que gera receitas financeiras através da produção de petróleo e outras matérias primas, e testemunha de uma relativa estabilidade política. O país tem muito potencial que actualmente permanece subutilizado, havendo uma série de empresas luxemburguesas que podem trazer uma mais-valia em domínios que o Governo angolano identificou como sendo prioritários para o seu desenvolvimento.
Prevemos actualmente trabalhar com linhas de crédito – à semelhança de Portugal, Brasil, Alemanha ou Espanha – , porque os montantes em jogo não o justificam verdadeiramente. Não devemos esquecer que o Luxemburgo é um país de pequenas e médias empresas (PME) que, ainda que especializadas, trabalham com montantes bastante reduzidos em comparação internacional. Não vamos construir linhas de caminhos-de-ferro. Já nos contentaríamos de poder assegurar a planificação de uma ou mais pontes segundo os padrões europeus.
Penso que o Governo angolano tem a capacidade e a vontade de pagar pelos seus próprios meios, o “savoir-faire” das empresas luxemburguesas, caso as considere competitivas. A cooperação noutros domínios, nomeadamente o frete aéreo, não implicam gastos directos para o Governo angolano, mas irão gerar receitas a prazo.
C.: Quais foram as suas primeiras impressões sobre Angola? Que aspectos positivos e negativos encontrou?
JCK: Fui agradavelmente surpreendido pela mentalidade angolana. São disciplinados, pontuais e falam em concreto. O acolhimento e a organização do programa foram exemplares, muito melhor do que já tenho visto em alguns países mais desenvolvidos. Acresce-se a isto o facto de o novo Governo angolano ainda não ter tomado posse oficialmente, o que, com evidência, complica a tarefa dos funcionários encarregues da elaboração do programa de encontros. Além disso, o aeroporto foi modernizado e pode hoje vangloriar-se de um serviço de nível europeu.
Em relação aos pontos negativos, constato que Luanda é hoje a cidade mais cara do mundo. Os preços praticados em instalações utilizadas por estrangeiros são proibitivos. Claro, há o jogo da oferta e da procura, mas ainda restam esforços por fazer. O 'buffet' para almoço, por exemplo, facturado a 87 dólares americanos, pareceu-me excessivo.
Outra contrariedade é a ausência de táxis. É necessário encontrar um carro com motorista por preços fantásticos. Paguei 200 dólares americanos para um trajecto de 10 minutos num Suzuki Alto.
A insegurança proclamada é outro dos aspectos negativos de Angola.
De resto, não tive nenhuma experiência negativa nem tive o sentimento de não estar em segurança, mas ficámos aquartelados à noite no hotel ou nos restaurantes de Ilha, visto que nos descrevem o nível de criminalidade como muito elevado. É provavelmente o resultado de uma repartição muito desigual das riquezas e da presença abundante de armas de fogo, oriundas do tempo da guerra civil.
C.: Muitos acusam Angola de ser uma oligarquia dissimulada em democracia, nomeadamente por causa da excessivo concentração de poderes em torno de personalidades oriundas do partido político MPLA e próximos de Eduardo dos Santos, presidente de Angola desde 1979, fazendo do país um dos mais corruptos no mundo. É também esta a sua análise?
JCK: Se há oligarquia, esta tenta mascarar-se. Cheguei a Luanda no dia da nomeação do novo Governo e ao falar com angolanos e ao ler os jornais, constatei que havia um debate democrático - pelo menos no seio de uma elite dita "intelectual". Não nos devemos esquecer que o país acaba de sair de um período de 30 anos de guerra civil – precedida pelo domínio português – e que a cultura e instâncias democráticas levam tempo a desenvolver-se. Nesta óptica, Angola é favoravelmente comparável com outros países africanos que tiveram uma história semelhante.
A concentração do poder à volta do leadership [liderança] do MPLA deve-se principalmente, na minha opinião, à história de Angola. Em vez de se transformarem em partidos políticos após a independência do país, o MPLA e a UNITA envolveram-se enquanto facções numa guerra civil, agindo mais como forças armadas do que como partidos, com impacto que tudo isso tem em termos de debate interno e de lealdade. Também a situação incerta educou certos líderes a criar planos B, como opção de saída em caso de usurpação de poder. Além disso, no Ocidente, Angola ainda goza da má reputação, como o caso publicado em França sob o nome de "Angolagate" lhe conferiu. Contudo, penso que se trata principalmente de um caso político franco-francês, que me faz lembrar estranhamente um outro caso que manchou a reputação de um prestador de serviços no Grão-Ducado, sem que o nosso país estivesse envolvido de uma maneira ou de outra.
Por isso compreendo a situação, sem justificar a existência de corrupção. É preciso saber julgar tendo em conta o contexto: uma democracia com todos os mecanismos de fiscalização e transparência necessária não se constituem de um dia para o outro. Para que uma democracia funcione, é necessário que o povo inteiro se dela aproprie e nela participe. Isso ainda vai levar tempo, a pobreza e o analfabetismo resultantes da guerra ainda estão demasiadamente espalhados para permitir a existência daquilo que chamamos "democracia liberal" em Ciências Políticas com uma verdadeira participação popular.
C.: Angola é uma antiga colónia portuguesa. Exceptuando a língua falada no país, que outros vestígios da presença portuguesa detectou?
JCK: No centro da cidade, ainda podemos ver antigos edifícios construídos pelos colonizadores portugueses, incluindo uma fortaleza. Devo também dizer que a cozinha portuguesa está bastante presente, mas parece-me que uma cozinha angolano-portuguesa parece ter-se criado. Os vinhos servidos à mesa são igualmente na sua grande maioria portugueses, podendo-se beber o vinho verde mais caro de toda a nossa vida...
Constatamos igualmente haver fortes relações comerciais entre Angola e Portugal. Alguns bancos portugueses estão muito presentes no país e os hotéis recebem um número assinalável de homens de negócios portugueses e brasileiros. É necessário também sublinhar as relações estreitas entre o Brasil e Angola, sobretudo no domínio da construção civil.
C.: Uma larga maioria dos angolanos não conhece o Luxemburgo. Em relação aos dirigentes políticos, que imagem têm do Grão-Ducado?
JCK: Geralmente, têm uma ideia muito positiva. É claro que o Luxemburgo é visto como um centro financeiro e como um país com o produto interno bruto (PIB) elevado. Mas também é o país da empresa SES, no domínio dos satélites, ou da Cargolux, no frete aéreo. A mensagem mais importante que eu, no entanto, recebi, foi a de que o Grão-Ducado era visto como um país neutro, sem história de colonização, o que lhes agrada. Eles desejam falar de igual para igual com os seus parceiros comerciais, o que por vezes é difícil com países que os dominaram durante séculos.
C.: Para quando uma visita de altos responsáveis políticos angolanos ao Luxemburgo?
JCK: Transmiti oralmente convites à ministra do Comércio e do Turismo, bem como ao presidente de Agência Nacional para o Investimento Privado (ANIP). Por sua vez, o ministro luxemburguês da Economia, Jeannot Krecké, irá endereçar-lhes convites oficiais, estando entretanto prevista uma visita sua a Luanda para Setembro ou Novembro deste ano.
C.: Tem conhecimento da presença de cidadãos de Angola no Luxemburgo?
JCK: Estamos ao corrente da existência de uma comunidade angolana no Luxemburgo sem no entanto manter contacto com os seus representantes. Em contrapartida, temos um excelente contacto com a Embaixada de Angola em Bruxelas, à qual gostaria de agradecer pela eficácia na organização da minha visita.
Nuno Costa
Nuno Costa
A baía de Luanda Foto: Lusa
(entrevista publicada na edição de 17 de Fevereiro do jornal CONTACTO)
Sem comentários:
Enviar um comentário