"Não quero que lhe paguem muito, só peço que a tratem bem". Esta foi a única exigência da mãe para Rosalina começar a trabalhar. A filha nasceu no ano do primeiro Dia Internacional da Mulher, mas viveu quase sempre à margem destes direitos.
Foi há 100 anos que numa aldeia beirã a mãe de Rosalina deu à luz, seis meses após o nascimento da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Mas, naquele tempo, as notícias tardavam a chegar a Cerdeira. E se os ecos das lutas nacionais pelos direitos das mulheres não chegavam a Cerdeira, muito menos se sabia sobre o que se passava no estrangeiro.
A três mil quilómetros de distância de Sarzedas, em Copenhaga, a socialista alemã Clara Zetkin propõe a 08 de março de 1910 a instituição de um Dia Internacional da Mulher. Rosalina só agora soube da coincidência das datas centenárias entre o seu aniversário e o dos direitos das mulheres.
Aos cinco anos, a menina abandonou a aldeia rumo à capital, onde fervilhavam as actividades femininas pela igualdade de sexos. Mas "isso eram coisas para quem tinha tempo", conta hoje. Rosalina tinha poucos estudos e muito trabalho.
Andou na escola até à terceira classe, altura em que pediu à mãe para abandonar o ensino: "Para quê? Andava lá a perder tempo", recorda. Às mulheres, naquela época, estavam destinados os papéis de esposas, mães, donas de casa e educadoras dos filhos.
Em 1911, o analfabetismo feminino ultrapassava os 80 por cento. A ideia de que a educação era um direito essencial para a emancipação das mulheres era defendida apenas por uma elite.
Rosalina ainda não tinha 13 anos quando começou a servir numa casa de gente rica. Foi falar com os patrões acompanhada pela mãe, que pediu apenas que a tratassem bem. Mas ficou pouco tempo.
A menina dominava, como era exigido naquele tempo, os saberes do croché, das rendas e dos bordados. E por isso não foi difícil arranjar trabalho na costura.
Trabalhava 12 horas por dia e aos sábados, muitas vezes, ficava até à meia noite. "Mas esse serão não nos pagavam", conta Rosalina. A mãe ia buscá-la ao trabalho, porque "as mulheres não andavam sozinhas na rua", lembra.
Mas, mesmo assim, conseguiu namorar, à porta de casa, e casar em 1933, no mesmo ano da Nova Constituição do Estado Novo que veio aproximar direitos, salvo "quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família".
A vida de casada veio a revelar-se ainda mais penosa. Terminada a jornada de 12 horas, tinha de encontrar ânimo para pôr a casa num aprumo.
Lavava a roupa numa celha, encerava o chão, puxava o lustro de joelhos e não havia dia que se livrasse de pegar no pesado ferro de brasas. "A vida era assim", desabafa.
No final da gravidez, andava a puxar o lustro ao chão quando começou a sentir as dores de parto.
"A minha vizinha disse-me que havia uma velhota, a quem chamavam 'parteira dos gatos', que era bem entendida no que fazia", lembra Rosalina, que, na aflição, só queria alguém que lhe acudisse.
A filha Lurdes havia de nascer em casa, numa cama protegida por uma camada de jornais tapados por um lençol lavado. "Eu nunca fui a uma consulta, nem a médico nenhum, porque não havia nada do que há agora", conta.
Apesar da vida difícil, Rosalina diz que "sempre" teve liberdade. Mas nunca questionou porque razão nunca via mulheres, quando acompanhava o pai à mesa de voto.
Também nunca ouviu falar de Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher que votou em Portugal, em 1911. Foi a primeira e única a votar naquela altura, porque na sua condição de viúva se apresentou como chefe de família, papel reservado aos homens.
Vinte anos mais tarde, em 1931, as mulheres com cursos superiores foram autorizadas a votar. Com a 3.ªclasse, Rosalina ficou de fora, situação só alterada com a Revolução de Abril (1974), que deu a todas as mulheres o direito de voto.
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