sábado, 30 de outubro de 2010

Nos últimos anos, 700 mil portugueses deixaram Portugal: Crise faz emigração disparar para valores históricos dos anos 60 e 70

Já não restam dúvidas de que há uma nova vaga de emigração portuguesa. Na última década, 700 mil pessoas deixaram o país. São números que se aproximam dos valores do maior êxodo português de sempre, nas décadas de 60 e 70. E com o cinto a apertar, a fuga de Portugal vai agravar-se, garante Álvaro Santos Pereira, autor do estudo "O regresso da emigração portuguesa".

Os números assustam: entre 1998 e 2008, saíram de Portugal 700 mil pessoas. São 6,5 % da população total só numa década.

"Portugal está a encolher", alerta Álvaro Santos Pereira, professor na Universidade Simon Fraser em Vancouver, no Canadá, com quem o CONTACTO falou por telefone.

O economista é autor do estudo "O regresso da emigração portuguesa", o primeiro a fazer a contabilidade do fluxo migratório nos últimos anos. Há muito que as associações na diáspora garantem que há uma nova vaga de emigração portuguesa, mas o fenómeno nunca tinha sido quantificado. Até agora.

Descontente com os números fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), Álvaro Santos Pereira decidiu lançar mão de outros métodos.

"A partir de 1992, por causa do espaço Schengen, deixou de se fazer a contabilidade a partir da emissão de passaportes, e a contabilidade da emigração começou a ser feita de forma indirecta pelo INE, a partir de inquéritos às famílias. O problema é que os números são pouco fiáveis, e quase sempre subestimam o número de pessoas que saiu", explica.

Na senda do trabalho de Maria Baganha, pioneira no estudo dos fluxos migratórios, o professor universitário consultou os dados da Segurança Social e dos Centros de Emprego dos principais países de destino dos portugueses, que cruzou com dados da OCDE. E o que descobriu alarmou-o.

O fluxo da última década não está longe do maior êxodo português de sempre, na década de 60, quando saíram do país 800 mil, e na de 70, quando partiram mais 850 mil. Na primeira década deste século, depois da adesão à União Europeia e de um "boom" económico fugaz, os números já rondam os 700 mil.

"Os números mostram inequivocamente que existe uma grande vaga migratória portuguesa, provavelmente a segunda maior de sempre, e a maior seguramente desde os anos 60", garante Santos Pereira.

"O que mais me alarmou foram os números de 2007 e 2008: estamos a falar de cerca de cem mil portugueses por ano. Até 73/74, no pico da emigração, havia cerca de 150 mil pessoas a sair de Portugal todos os anos. Havia mais gente a sair de Portugal nos anos 60 e 70 que agora, mas os números aproximam-se muito".

CRISE OBRIGOU PORTUGUESES A SAIR
O novo fluxo migratório é o espelho da crise em que o país mergulhou na última década. Uma "crise à portuguesa" que deve pouco à crise internacional, e é antes fruto das dificuldades de adaptação ao euro e da estagnação económica que se lhe seguiu, garante o professor universitário.

"A nova vaga migratória acontece claramente porque há falta de oportunidades no país e não há perspectivas de as coisas melhorarem nos próximos tempos", diz. "A emigração começou a aumentar a partir de 2000 e bastante mais a partir de 2002 e 2003, bem antes da crise internacional. Não teve nada a ver com a crise internacional: foi por causa da crise interna". E se a recessão prolongada fez com que os portugueses batessem com a porta, a saída ajudou, paradoxalmente, a mascarar a crise.

"A taxa de desemprego já estaria há muito tempo nos 15 por cento, e provavelmente estaria agora perto dos 20 %, se não fosse a emigração", frisa o economista. Mas não foi só aí que o êxodo mascarou o declínio da economia portuguesa: as remessas dos emigrantes têm sido essenciais para aguentar o barco durante o mau tempo económico.

"A Maria Baganha, uma das maiores investigadoras da emigração portuguesa, costumava dizer que a emigração era a nossa exportação mais bem sucedida. E as receitas da emigração são exactamente as remessas. Portugal tem um défice externo crónico nos últimos 70 anos, isto é, importa mais do que exporta. E a única maneira de equilibrar isto são as transferências do exterior, como os fundos da União Europeia, e principalmente as remessas dos emigrantes, que chegaram a constituir 8 a 10 % do PIB nos anos 80".

Com o fluxo migratório a disparar, as remessas dos emigrantes, em queda desde o final dos anos 80, voltaram a subir a partir de 2004. "As remessas só não aumentaram mais porque houve uma crise muito grande a nível internacional, que fez com que as pessoas poupassem mais e não mandassem mais dinheiro para trás. Houve uma pequena descida das remessas em 2008 e 2009, mas já estão a aumentar outra vez, e é natural que continuem a aumentar".

Mas se as remessas ajudam a mascarar o défice crónico de Portugal, o preço a pagar pode ser demasiado alto para um país cuja população "está a encolher".

"Portugal é neste momento, a seguir à Irlanda, o segundo país da OCDE com maior fuga de cérebros", alerta o professor. "Investimos neles e não temos nenhum retorno destas pessoas altamente dinâmicas e produtivas", lamenta. "São pessoas altamente qualificadas, muitas vezes licenciadas, com mestrado ou doutoramento. A ideia do emigrante de mala de cartão como nos anos 60 já não acontece, obviamente, mas continua a haver emigrantes pouco qualificados. Existe um pouco de tudo, no fundo como o país". Uns e outros fazem falta numa altura em que as taxas de natalidade caíram a pique e em que Portugal já não consegue atrair mão de obra estrangeira para compensar o êxodo dos portugueses.

"Portugal tem desperdiçado os seus emigrantes de maneira brutal. Tem tratado muito mal os seus emigrantes: não aproveita o seu potencial.

O FADO
DA EMIGRAÇÃO
Álvaro Santos Pereira fala com o CONTACTO por telefone a partir do seu gabinete na Universidade Simon Fraser, de Vancouver, onde trabalha desde 1998. A distância não tem impedido os jornalistas de o contactarem. Nos últimos dias, o seu estudo tem sido citado várias vezes na imprensa nacional e internacional, incluindo no Diário Económico, Expresso e no espanhol El Pais. Mas é só muito recentemente que se fala do fenómeno em Portugal, apesar de múltiplos avisos. O país, diz o economista, mantém a sina da emigração, tão sua como o futebol e o fado, mas recusa olhar-se ao espelho.

"Isto é o retrato de um país atrasado que nós pensávamos que já não existia. A emigração é um tema que é um bocado tabu porque nos envergonha. É um reflexo de quão mau o país está. É por isso que não se fala nisso".

"Aos poucos, cada vez se fala mais sobre isto, e acho que as pessoas já acreditam que está a haver uma grande vaga migratória neste momento". Até porque o fenómeno, "claramente, não vai diminuir". Com as medidas de austeridade anunciadas pelo Governo de José Sócrates, é previsível que a fuga de Portugal se agrave.

"Está muita gente a sair para Angola". Em 2006, contavam-se apenas 156 vistos para Angola. Em 2008 já eram 20 mil. Um ano depois, foram 46 mil, segundo Santos Pereira. As remessas falam por si: em 2009, as transferências com países africanos de língua portuguesa tiveram pela primeira vez um saldo positivo, de 67,1 milhões de euros. O grosso desse valor vem de Angola, país em que as remessas cresceram 130 % de 2008 para 2009.

"Portugal é um país fechado, velho, sem perspectivas", queixava-se uma emigrante portuguesa em Luanda ao Libération. O diário francês dedicou este mês um artigo ao novo eldorado português. O El Pais também: "Portugueses regressam a Angola", titula o diário espanhol. Para Angola em força ou para destinos tradicionais, os portugueses vão continuar a emigrar, vaticina o professor português no Canadá. "Claramente, vejo cada vez mais pessoas a pensar em sair do país. Acho que os nossos políticos ainda não perceberam quão sério o problema se tornou. Temos de perceber o que está a acontecer e temos de actuar", insta Santos Pereira. "Há problemas estruturais na economia portuguesa, mas houve uma série de más políticas seguidas não só por este governo, mas pelos anteriores, que agravaram a situação nacional. É preciso assumir responsabilidades".

Mas com a turbulência anunciada nos últimos dias e a recessão esperada nos próximos anos, é pouco provável que seja desta que Portugal deixe de ser um país de emigrantes.

Paula Telo Alves

Sem comentários:

Enviar um comentário