Moção de censura entra em jogo
A política portuguesa passou a contar com um dado novo, vindo do Partido Comunista que, de uma só vez, conseguiu colocar a pressão sobre o Governo, mas também sobre os dois partidos de direita – o novo dado chama-se moção de censura.
O líder dos comunistas admitiu a possibilidade de o seu partido viabilizar uma moção de censura, vinda de alguns dos partidos de direita, votando-a favoravelmente. Menos de 24 horas depois desta afirmação, Jerónimo de Sousa foi mais longe e disse que essa iniciativa política podia partir do seu próprio partido, bastando para isso uma decisão do Comité Central.
Mas há alguma ambiguidade, por parte de Jerónimo de Sousa. Por um lado, diz que a moção de censura deve ser usada de "forma ponderada", ao mesmo tempo que avisa que o seu partido não assina nada de cruz. Portanto, a questão dos "pressupostos e dos considerandos" é muito importante, para que o PCP se possa associar aos partidos da direita, no derrube de um governo que, ainda assim, mantém a matriz do Partido Socialista.
O que se realça de tudo isto é que o PCP quer ser parte activa neste jogo e está disposto a negociar, quer com o PSD quer com o PS. Resta saber até onde vai a vontade dos outros partidos em chegar a acordo com os comunistas. No caso do PS, um eventual entendimento seria para que o PCP inviabilizasse qualquer moção de censura e permitisse a continuidade desde governo. Caso o acordo fosse com o PSD, naturalmente, que teria fins opostos, isto é, o voto dos deputados comunistas deveria garantir a queda do executivo de José Sócrates.
O Bloco de Esquerda mantém-se fora deste jogo. Este fim de semana, reuniu-se a sua Mesa Nacional, órgão máximo entre congressos, que não analisou o assunto. A ordem de trabalhos prendia-se com questões relacionadas com a precariedade laboral e, no final, os seus dirigentes, reafirmaram a sua posição de princípio. Uma moção de censura, nesta altura, é absolutamente inútil.
Mas o poder está desorientado, nem todos os membros do governo dizem a mesma coisa e há leis, como a do divórcio, que confirmadamente contém erros, alguns dos quais foram aqui enunciados. É mesmo o fim de um ciclo político que só não acabou ainda, porque cada um obedece mais à sua estratégia que aos interesses nacionais.
O ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, manifestou-se favorável a um entendimento com o PSD para reduzir o número de deputados. Dos actuais 230, a Assembleia da República passaria para 180, de acordo com a sua proposta que está de acordo com a do PSD.
Lacão foi de imediato desautorizado pelo Primeiro-Ministro. José Sócrates disse que essa não era a posição do Partido Socialista e que qualquer revisão do sistema eleitoral excluiria a redução do número de deputados. A polémica agitou não apenas os círculos políticos, mas também alguns especialistas em direito administrativo e constitucional. A discussão divide-se em dois pontos. Por um lado, a possibilidade de os partidos mais pequenos verem reduzida a sua representação parlamentar. Por outro, o baixo rácio entre eleitores e eleitos.
Qualquer dos argumentos é ponderável, mas o que não é admissível é que, por mais uma vez, se adie a reforma do sistema político, usando como desculpa este argumento bloqueador. Há processos para ultrapassar as duas questões. Para além de que, a redução do número de deputados só se justifica se se mantiver o actual modelo de eleição, que gera vagas enormes de inutilidades, no parlamento. Com um outro sistema, com certeza que só se elegerão deputados com mais utilidade.
Esta semana, o Observatório da Justiça, presidido pelo sociólogo, Boaventura Sousa Santos, concluiu que a nova lei do divórcio, entre outros erros, não acautela as questões materiais, da parte mais frágil. Esse e outros erros foram aqui denunciados em tempo útil. Mas insisto que o novo quadro legal abre caminho à fraude, sobretudo, ao abuso de confiança, para além de que estimula o casamento de estrita conveniência, por exemplo, para aquisição da nacionalidade.
Tudo isto parece fazer parte de uma estratégia mais vasta. Primeiro, destruíram-se os fundamentos de um valor civilizacional, como era o matrimónio, para depois, em nome da igualdade de direitos e da não discriminação, abrir esse instituto a pessoas do mesmo sexo. Mas esqueceram-se que, antes da lei do casamento gay, os homossexuais tinham o mesmíssimo direito de acesso ao casamento que qualquer heterossexual. Ou estarei enganado?
Sérgio Ferreira Borges
(o autor assina uma coluna de análise política semanalmente no CONTACTO)
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