Ana Bacalhau, vocalista dos Deolinda, em entrevista/O grupo português actua na Philharmonie no domingo
Os Deolinda actuam pela segunda vez no Luxemburgo no próximo domingo, na Philharmonie, no Kirchberg, na cidade do Luxemburgo. Em
entrevista ao CONTACTO, Ana Bacalhau fala sobre a carreira do grupo e dá uma boa notícia aos fãs do Luxemburgo: os Deolinda vão lançar um novo trabalho no próximo ano.
CONTACTO: Os Deolinda actuaram pela primeira vez no Luxemburgo em Outubro de 2010, no CNA (Centre National de l’Audiovisuel) em Dudelange. Regressam praticamente dois anos depois. Os Deolinda estão diferentes?
Ana Bacalhau: Sim, sem dúvida. Entretanto fizemos quatro noites nos Coliseus, em Lisboa e no Porto, tocámos muito por todo o mundo, aprendemos imenso acerca da nossa música e acerca de nós. Portanto, acho que estamos mais ricos enquanto pessoas e enquanto músicos e por isso acho que o espectáculo que vamos apresentar vai ser mais rico por isso mesmo: por causa daquilo que vivemos, viajámos e por aquilo que nos temos vindo a tornar, músicos melhores, espero. Aquilo que pretendemos é dar um concerto memorável para as pessoas que nos vão ver.
CONT.: Quando actuaram em Dudelange tinham acabado de lançar "Dois Selos e um Carimbo". Esperavam tamanho sucesso?
A.B.: Nós, quando começámos, queríamos que as pessoas gostassem da nossa música. Nós fazemos música popular e por isso mesmo tem que chegar às pessoas, tem que ser popular. Tínhamos esse desejo mas não sabíamos se o íamos concretizar. Há sempre um factor que não é decidido pelos músicos, que é decidido pelas pessoas, e que foge ao nosso controlo. Não sabíamos se as pessoas iam gostar da nossa proposta. Graças a Deus gostaram e queremos continuar a chegar a cada vez mais pessoas.
CONT.: Havia uma grande expectativa em relação a este vosso segundo álbum. Acabou por ser o disco da consagração.
A.B.: Havia sim e podia pensar-se que o sucesso do primeiro disco [n.d.R.: "Canção ao Lado”, de 2008] foi uma questão de sorte, um mero acaso. A única coisa que podíamos fazer nessa altura era continuar a produzir música, música com qualidade, com personalidade e foi o que fizemos. E correu bem! [risos]
CONT.: Pegando no que diz, de quem fazem música com personalidade, aproveito para lhe perguntar: como define a música dos Deolinda?
A.B.: A melhor maneira de a definir é como música popular portuguesa, que é um território muito vasto, e nós sofremos influências desde a canção de autor à canção popular, ao fado, mas depois, fora da música popular portuguesa, ouvem-se claras influências, acho eu, de músicas de outros países, do rock, do jazz, dos blues, música clássica, que é a formação de alguns dos membros dos Deolinda. Se tiver que classificar a nossa música, acho que o mais correcto é música popular portuguesa.
CONT.: Uma característica constante ao longo da carreira dos Deolinda é a ligação com o público, com os fãs, uma afinidade que se estabelece entre o grupo e as pessoas. Será essa a chave do vosso sucesso?
A.B.: Não tem muito sentido para nós fazermos isto sem as pessoas. Até pelo nosso carácter, evidentemente, e também porque queremos incluir as pessoas. Foi sempre claro para nós, desde o início, que no fim dos concertos queríamos estar com as pessoas, queríamos perceber se gostaram, se não gostaram e porquê, saber a opinião delas. Tem sido uma constante na nossa carreira e, claro, é muito bom para nós, porque recebemos um feedback imediato. É mesmo importante.
CONT: Os Deolinda estão actualmente a trabalhar num novo álbum, que deverá ser lançado no próximo ano. O que pode dizer-nos sobre este novo trabalho?
A.B.: É verdade, contamos lançar o novo disco em 2013. Este ano temos estado a trabalhar nas canções novas, nos arranjos e depois com calma, no início de 2013, lançamos o novo disco.
CONT.: Vai ser um trabalho na linha dos anteriores?
A.B.: Ainda não consigo dizer que tipo de disco é que temos. Ainda estamos na fase de arranjar as músicas, de encontrar caminhos para as guitarras, para o contrabaixo e para a voz… quer dizer, ainda não conseguimos ter uma noção do conjunto, mas acredito que o carácter está lá. Como sinto que evoluímos enquanto músicos e enquanto pessoas, acho que neste terceiro disco não nos queremos repetir, porque já não estamos no "Dois Selos e um Carimbo", avançámos um bocadinho .
CONT.: Foi há um ano sensivelmente que tocaram "Parva que Sou" no Coliseu do Porto. A canção teve um sucesso inesperado e fez dos Deolinda o porta-estandarte do descontentamento da chamada "Geração à rasca". Como é que essa música vos mudou, como é que mudou a vossa carreira?
A.B.: A canção foi muito importante para muitas pessoas e também para nós, músicos. Em primeiro lugar, porque foi um momento que nós vivemos nos Coliseus que foi perfeitamente excepcional na nossa vida. A interpretação daquela canção extravasou a própria música, foi um verdadeiro momento de comunhão entre as pessoas, e depois o debate que a canção lançou, ou que ajudou a lançar, a forma como a mensagem levou muitas a pessoas a querer fazer ouvir a sua voz, a juntar-se, a manifestar-se, a mostrar que não estavam contentes, foi mesmo muito importante para nós. Sempre achámos que, enquanto cidadãos, devíamos participar activamente na vida social e comunitária e fazemo-lo publicamente através das nossas canções. Foi muito importante para nós ver que a canção teve o poder de incentivar as pessoas a mobilizarem-se no exercício da sua cidadania. Em segundo lugar, a canção mostra um lado nosso que até aí não tínhamos mostrado com tanta contundência, ou seja, algumas das nossas canções que têm um cariz crítico, interventivo como "Movimento Perpétuo Associativo" e "A Problemática Colocação de um Mastro", têm algum tipo de humor ou de ironia. Acontece que "Parva que Sou” não tinha, era crua. Esta não recorre ao humor, logo torna-se mais dura. A música fez com que o público se apercebesse de que nós não recorremos ao humor para fazer passar a nossa mensagem e mostrou uma faceta nossa que, até aquela altura, era desconhecida do público.
CONT.: Esperavam que a canção tivesse tamanho impacto na vida das pessoas, que fosse objecto de tanto interesse por parte da comunicação social?
A.B.: As pessoas é que transformam as canções em algo importante. Portanto, tudo isso resultou da vontade das pessoas em discutir aquele assunto numa altura em que as pessoas estavam descontentes e foi uma forma de esse assunto ser discutido. A canção foi depois utilizada a nível político para vários objectivos mas o que foi importante para nós foi a reacção das pessoas à canção. O que é importante para nós é saber que as pessoas percebem a canção. Se os políticos não percebem, isso já nos ultrapassa! [gargalhadas].
CONT.: Portugal vive um momento difícil com as medidas de austeridade impostas pela troika, há descontentamento social, as pessoas vivem com mais dificuldade. Como é que os Deolinda encaram o que se passa em Portugal?
A.B.: Aquilo que vemos em Portugal é que começamos a sentir as consequências das medidas que foram tomadas e que são, de facto, muito severas e que vão causar muitas dificuldades às pessoas. Estamos numa altura em tudo é questionado, inclusivé se estas medidas vão resolver efectivamente os nossos problemas a médio e longo prazo. Vemos à nossa volta as pessoas cada vez com mais dificuldades. É, de facto, um momento complicado e difícil para a vida do país.
CONT.: Acha que a música que os Deolinda fazem pode servir um pouco de paliativo para todos esses problemas?
A.B.: [risos] A música pode servir, por um lado, para que as pessoas se esqueçam dos seus problemas e pode servir, por outro, para que se lembrem deles e que ajam sobre esses mesmos problemas. Por isso é que ela é importante e por isso é que as pessoas não conseguem viver sem música, e o mesmo se aplica a outras artes. A arte é importante para a vida do ser humano. E ao contrário do que se pensa, que a arte não dá de comer nem de beber, mas alimenta! Alimenta a nossa alma, por isso nós precisamos dela. Eu estou em crer que era muito bom sentir isso, que as pessoas pensassem que a nossa música era precisa para se fortalecerem nas suas vidas. Era muito bom sentir isso.
CONT.: Voltando ao início da nossa conversa e à vossa actuação no Luxemburgo em 2010, quais são as vossas expectativas para este concerto na Philharmonie a 4 de Março?
A.B.: Em primeiro lugar, é dar o melhor concerto possível. Em segundo, é conquistar mais público, fazer com que as pessoas que nos vão ver continuem a falar de nós, que falem de nós aos amigos, que queiram ver-nos de novo e que fiquem entusiasmadas e tocadas pela nossa música. É esse o nosso objectivo. É também conhecer a cultura dos sítios onde vamos, estabelecermos uma ligação com as pessoas.
O concerto dos Deolinda na Philharmonie não está esgotado. Ainda há bilhetes a 35 e a 45 euros. Informações e reservas pelo tel. 26 32 26 32.
Entrevista conduzida por Irina Ferreira
Foto: Rita Carmo |
CONTACTO: Os Deolinda actuaram pela primeira vez no Luxemburgo em Outubro de 2010, no CNA (Centre National de l’Audiovisuel) em Dudelange. Regressam praticamente dois anos depois. Os Deolinda estão diferentes?
Ana Bacalhau: Sim, sem dúvida. Entretanto fizemos quatro noites nos Coliseus, em Lisboa e no Porto, tocámos muito por todo o mundo, aprendemos imenso acerca da nossa música e acerca de nós. Portanto, acho que estamos mais ricos enquanto pessoas e enquanto músicos e por isso acho que o espectáculo que vamos apresentar vai ser mais rico por isso mesmo: por causa daquilo que vivemos, viajámos e por aquilo que nos temos vindo a tornar, músicos melhores, espero. Aquilo que pretendemos é dar um concerto memorável para as pessoas que nos vão ver.
CONT.: Quando actuaram em Dudelange tinham acabado de lançar "Dois Selos e um Carimbo". Esperavam tamanho sucesso?
A.B.: Nós, quando começámos, queríamos que as pessoas gostassem da nossa música. Nós fazemos música popular e por isso mesmo tem que chegar às pessoas, tem que ser popular. Tínhamos esse desejo mas não sabíamos se o íamos concretizar. Há sempre um factor que não é decidido pelos músicos, que é decidido pelas pessoas, e que foge ao nosso controlo. Não sabíamos se as pessoas iam gostar da nossa proposta. Graças a Deus gostaram e queremos continuar a chegar a cada vez mais pessoas.
CONT.: Havia uma grande expectativa em relação a este vosso segundo álbum. Acabou por ser o disco da consagração.
A.B.: Havia sim e podia pensar-se que o sucesso do primeiro disco [n.d.R.: "Canção ao Lado”, de 2008] foi uma questão de sorte, um mero acaso. A única coisa que podíamos fazer nessa altura era continuar a produzir música, música com qualidade, com personalidade e foi o que fizemos. E correu bem! [risos]
CONT.: Pegando no que diz, de quem fazem música com personalidade, aproveito para lhe perguntar: como define a música dos Deolinda?
A.B.: A melhor maneira de a definir é como música popular portuguesa, que é um território muito vasto, e nós sofremos influências desde a canção de autor à canção popular, ao fado, mas depois, fora da música popular portuguesa, ouvem-se claras influências, acho eu, de músicas de outros países, do rock, do jazz, dos blues, música clássica, que é a formação de alguns dos membros dos Deolinda. Se tiver que classificar a nossa música, acho que o mais correcto é música popular portuguesa.
CONT.: Uma característica constante ao longo da carreira dos Deolinda é a ligação com o público, com os fãs, uma afinidade que se estabelece entre o grupo e as pessoas. Será essa a chave do vosso sucesso?
A.B.: Não tem muito sentido para nós fazermos isto sem as pessoas. Até pelo nosso carácter, evidentemente, e também porque queremos incluir as pessoas. Foi sempre claro para nós, desde o início, que no fim dos concertos queríamos estar com as pessoas, queríamos perceber se gostaram, se não gostaram e porquê, saber a opinião delas. Tem sido uma constante na nossa carreira e, claro, é muito bom para nós, porque recebemos um feedback imediato. É mesmo importante.
CONT: Os Deolinda estão actualmente a trabalhar num novo álbum, que deverá ser lançado no próximo ano. O que pode dizer-nos sobre este novo trabalho?
A.B.: É verdade, contamos lançar o novo disco em 2013. Este ano temos estado a trabalhar nas canções novas, nos arranjos e depois com calma, no início de 2013, lançamos o novo disco.
CONT.: Vai ser um trabalho na linha dos anteriores?
A.B.: Ainda não consigo dizer que tipo de disco é que temos. Ainda estamos na fase de arranjar as músicas, de encontrar caminhos para as guitarras, para o contrabaixo e para a voz… quer dizer, ainda não conseguimos ter uma noção do conjunto, mas acredito que o carácter está lá. Como sinto que evoluímos enquanto músicos e enquanto pessoas, acho que neste terceiro disco não nos queremos repetir, porque já não estamos no "Dois Selos e um Carimbo", avançámos um bocadinho .
CONT.: Foi há um ano sensivelmente que tocaram "Parva que Sou" no Coliseu do Porto. A canção teve um sucesso inesperado e fez dos Deolinda o porta-estandarte do descontentamento da chamada "Geração à rasca". Como é que essa música vos mudou, como é que mudou a vossa carreira?
A.B.: A canção foi muito importante para muitas pessoas e também para nós, músicos. Em primeiro lugar, porque foi um momento que nós vivemos nos Coliseus que foi perfeitamente excepcional na nossa vida. A interpretação daquela canção extravasou a própria música, foi um verdadeiro momento de comunhão entre as pessoas, e depois o debate que a canção lançou, ou que ajudou a lançar, a forma como a mensagem levou muitas a pessoas a querer fazer ouvir a sua voz, a juntar-se, a manifestar-se, a mostrar que não estavam contentes, foi mesmo muito importante para nós. Sempre achámos que, enquanto cidadãos, devíamos participar activamente na vida social e comunitária e fazemo-lo publicamente através das nossas canções. Foi muito importante para nós ver que a canção teve o poder de incentivar as pessoas a mobilizarem-se no exercício da sua cidadania. Em segundo lugar, a canção mostra um lado nosso que até aí não tínhamos mostrado com tanta contundência, ou seja, algumas das nossas canções que têm um cariz crítico, interventivo como "Movimento Perpétuo Associativo" e "A Problemática Colocação de um Mastro", têm algum tipo de humor ou de ironia. Acontece que "Parva que Sou” não tinha, era crua. Esta não recorre ao humor, logo torna-se mais dura. A música fez com que o público se apercebesse de que nós não recorremos ao humor para fazer passar a nossa mensagem e mostrou uma faceta nossa que, até aquela altura, era desconhecida do público.
Foto: Rita Carmo |
A.B.: As pessoas é que transformam as canções em algo importante. Portanto, tudo isso resultou da vontade das pessoas em discutir aquele assunto numa altura em que as pessoas estavam descontentes e foi uma forma de esse assunto ser discutido. A canção foi depois utilizada a nível político para vários objectivos mas o que foi importante para nós foi a reacção das pessoas à canção. O que é importante para nós é saber que as pessoas percebem a canção. Se os políticos não percebem, isso já nos ultrapassa! [gargalhadas].
CONT.: Portugal vive um momento difícil com as medidas de austeridade impostas pela troika, há descontentamento social, as pessoas vivem com mais dificuldade. Como é que os Deolinda encaram o que se passa em Portugal?
A.B.: Aquilo que vemos em Portugal é que começamos a sentir as consequências das medidas que foram tomadas e que são, de facto, muito severas e que vão causar muitas dificuldades às pessoas. Estamos numa altura em tudo é questionado, inclusivé se estas medidas vão resolver efectivamente os nossos problemas a médio e longo prazo. Vemos à nossa volta as pessoas cada vez com mais dificuldades. É, de facto, um momento complicado e difícil para a vida do país.
CONT.: Acha que a música que os Deolinda fazem pode servir um pouco de paliativo para todos esses problemas?
A.B.: [risos] A música pode servir, por um lado, para que as pessoas se esqueçam dos seus problemas e pode servir, por outro, para que se lembrem deles e que ajam sobre esses mesmos problemas. Por isso é que ela é importante e por isso é que as pessoas não conseguem viver sem música, e o mesmo se aplica a outras artes. A arte é importante para a vida do ser humano. E ao contrário do que se pensa, que a arte não dá de comer nem de beber, mas alimenta! Alimenta a nossa alma, por isso nós precisamos dela. Eu estou em crer que era muito bom sentir isso, que as pessoas pensassem que a nossa música era precisa para se fortalecerem nas suas vidas. Era muito bom sentir isso.
CONT.: Voltando ao início da nossa conversa e à vossa actuação no Luxemburgo em 2010, quais são as vossas expectativas para este concerto na Philharmonie a 4 de Março?
A.B.: Em primeiro lugar, é dar o melhor concerto possível. Em segundo, é conquistar mais público, fazer com que as pessoas que nos vão ver continuem a falar de nós, que falem de nós aos amigos, que queiram ver-nos de novo e que fiquem entusiasmadas e tocadas pela nossa música. É esse o nosso objectivo. É também conhecer a cultura dos sítios onde vamos, estabelecermos uma ligação com as pessoas.
O concerto dos Deolinda na Philharmonie não está esgotado. Ainda há bilhetes a 35 e a 45 euros. Informações e reservas pelo tel. 26 32 26 32.
Entrevista conduzida por Irina Ferreira
Sem comentários:
Enviar um comentário