quinta-feira, 1 de março de 2012

"As pessoas é que transformam as canções em algo importante"

Ana Bacalhau, vocalista dos Deolinda, em entrevista/O grupo português actua na Philharmonie no domingo

Foto: Rita Carmo
Os Deolinda actuam pela segunda vez no Luxemburgo no próximo domingo, na Philharmonie, no Kirchberg, na cidade do Luxemburgo. Em entrevista ao CONTACTO, Ana Bacalhau fala sobre a carreira do grupo e dá uma boa notícia aos fãs do Luxemburgo: os Deolinda vão lançar um novo trabalho no próximo ano. 

 CONTACTO: Os Deolinda actuaram pela primeira vez no Luxemburgo em Outubro de 2010, no CNA (Centre National de l’Audiovisuel) em Dudelange. Regressam praticamente dois anos depois. Os Deolinda estão diferentes?
Ana Bacalhau: Sim, sem dúvida. Entretanto fizemos quatro noites nos Coliseus, em Lisboa e no Porto, tocámos muito por todo o mundo, aprendemos imenso acerca da nossa música e acerca de nós. Portanto, acho que estamos mais ricos enquanto pessoas e enquanto músicos e por isso acho que o espectáculo que vamos apresentar vai ser mais rico por isso mesmo: por causa daquilo que vivemos, viajámos e por aquilo que nos temos vindo a tornar, músicos melhores, espero. Aquilo que pretendemos é dar um concerto memorável para as pessoas que nos vão ver.

CONT.: Quando actuaram em Dudelange tinham acabado de lançar "Dois Selos e um Carimbo". Esperavam tamanho sucesso? 
A.B.: Nós, quando começámos, queríamos que as pessoas gostassem da nossa música. Nós fazemos música popular e por isso mesmo tem que chegar às pessoas, tem que ser popular. Tínhamos esse desejo mas não sabíamos se o íamos concretizar. Há sempre um factor que não é decidido pelos músicos, que é decidido pelas pessoas, e que foge ao nosso controlo. Não sabíamos se as pessoas iam gostar da nossa proposta. Graças a Deus gostaram e queremos continuar a chegar a cada vez mais pessoas.

CONT.: Havia uma grande expectativa em relação a este vosso segundo álbum. Acabou por ser o disco da consagração. 
A.B.: Havia sim e podia pensar-se que o sucesso do primeiro disco [n.d.R.: "Canção ao Lado”, de 2008] foi uma questão de sorte, um mero acaso. A única coisa que podíamos fazer nessa altura era continuar a produzir música, música com qualidade, com personalidade e foi o que fizemos. E correu bem! [risos]

CONT.: Pegando no que diz, de quem fazem música com personalidade, aproveito para lhe perguntar: como define a música dos Deolinda? 
A.B.: A melhor maneira de a definir é como música popular portuguesa, que é um território muito vasto, e nós sofremos influências desde a canção de autor à canção popular, ao fado, mas depois, fora da música popular portuguesa, ouvem-se claras influências, acho eu, de músicas de outros países, do rock, do jazz, dos blues, música clássica, que é a formação de alguns dos membros dos Deolinda. Se tiver que classificar a nossa música, acho que o mais correcto é música popular portuguesa.

CONT.: Uma característica constante ao longo da carreira dos Deolinda é a ligação com o público, com os fãs, uma afinidade que se estabelece entre o grupo e as pessoas. Será essa a chave do vosso sucesso? 
A.B.: Não tem muito sentido para nós fazermos isto sem as pessoas. Até pelo nosso carácter, evidentemente, e também porque queremos incluir as pessoas. Foi sempre claro para nós, desde o início, que no fim dos concertos queríamos estar com as pessoas, queríamos perceber se gostaram, se não gostaram e porquê, saber a opinião delas. Tem sido uma constante na nossa carreira e, claro, é muito bom para nós, porque recebemos um feedback imediato. É mesmo importante.

CONT: Os Deolinda estão actualmente a trabalhar num novo álbum, que deverá ser lançado no próximo ano. O que pode dizer-nos sobre este novo trabalho?
A.B.: É verdade, contamos lançar o novo disco em 2013. Este ano temos estado a trabalhar nas canções novas, nos arranjos e depois com calma, no início de 2013, lançamos o novo disco.

CONT.: Vai ser um trabalho na linha dos anteriores? 
A.B.: Ainda não consigo dizer que tipo de disco é que temos. Ainda estamos na fase de arranjar as músicas, de encontrar caminhos para as guitarras, para o contrabaixo e para a voz… quer dizer, ainda não conseguimos ter uma noção do conjunto, mas acredito que o carácter está lá. Como sinto que evoluímos enquanto músicos e enquanto pessoas, acho que neste terceiro disco não nos queremos repetir, porque já não estamos no "Dois Selos e um Carimbo", avançámos um bocadinho .

CONT.: Foi há um ano sensivelmente que tocaram "Parva que Sou" no Coliseu do Porto. A canção teve um sucesso inesperado e fez dos Deolinda o porta-estandarte do descontentamento da chamada "Geração à rasca". Como é que essa música vos mudou, como é que mudou a vossa carreira? 
A.B.: A canção foi muito importante para muitas pessoas e também para nós, músicos. Em primeiro lugar, porque foi um momento que nós vivemos nos Coliseus que foi perfeitamente excepcional na nossa vida. A interpretação daquela canção extravasou a própria música, foi um verdadeiro momento de comunhão entre as pessoas, e depois o debate que a canção lançou, ou que ajudou a lançar, a forma como a mensagem levou muitas a pessoas a querer fazer ouvir a sua voz, a juntar-se, a manifestar-se, a mostrar que não estavam contentes, foi mesmo muito importante para nós. Sempre achámos que, enquanto cidadãos, devíamos participar activamente na vida social e comunitária e fazemo-lo publicamente através das nossas canções. Foi muito importante para nós ver que a canção teve o poder de incentivar as pessoas a mobilizarem-se no exercício da sua cidadania. Em segundo lugar, a canção mostra um lado nosso que até aí não tínhamos mostrado com tanta contundência, ou seja, algumas das nossas canções que têm um cariz crítico, interventivo como "Movimento Perpétuo Associativo" e "A Problemática Colocação de um Mastro", têm algum tipo de humor ou de ironia. Acontece que "Parva que Sou” não tinha, era crua. Esta não recorre ao humor, logo torna-se mais dura. A música fez com que o público se apercebesse de que nós não recorremos ao humor para fazer passar a nossa mensagem e mostrou uma faceta nossa que, até aquela altura, era desconhecida do público.

Foto: Rita Carmo
CONT.: Esperavam que a canção tivesse tamanho impacto na vida das pessoas, que fosse objecto de tanto interesse por parte da comunicação social? 
A.B.: As pessoas é que transformam as canções em algo importante. Portanto, tudo isso resultou da vontade das pessoas em discutir aquele assunto numa altura em que as pessoas estavam descontentes e foi uma forma de esse assunto ser discutido. A canção foi depois utilizada a nível político para vários objectivos mas o que foi importante para nós foi a reacção das pessoas à canção. O que é importante para nós é saber que as pessoas percebem a canção. Se os políticos não percebem, isso já nos ultrapassa! [gargalhadas].

CONT.: Portugal vive um momento difícil com as medidas de austeridade impostas pela troika, há descontentamento social, as pessoas vivem com mais dificuldade. Como é que os Deolinda encaram o que se passa em Portugal?
A.B.: Aquilo que vemos em Portugal é que começamos a sentir as consequências das medidas que foram tomadas e que são, de facto, muito severas e que vão causar muitas dificuldades às pessoas. Estamos numa altura em tudo é questionado, inclusivé se estas medidas vão resolver efectivamente os nossos problemas a médio e longo prazo. Vemos à nossa volta as pessoas cada vez com mais dificuldades. É, de facto, um momento complicado e difícil para a vida do país.

CONT.: Acha que a música que os Deolinda fazem pode servir um pouco de paliativo para todos esses problemas? 
A.B.: [risos] A música pode servir, por um lado, para que as pessoas se esqueçam dos seus problemas e pode servir, por outro, para que se lembrem deles e que ajam sobre esses mesmos problemas. Por isso é que ela é importante e por isso é que as pessoas não conseguem viver sem música, e o mesmo se aplica a outras artes. A arte é importante para a vida do ser humano. E ao contrário do que se pensa, que a arte não dá de comer nem de beber, mas alimenta! Alimenta a nossa alma, por isso nós precisamos dela. Eu estou em crer que era muito bom sentir isso, que as pessoas pensassem que a nossa música era precisa para se fortalecerem nas suas vidas. Era muito bom sentir isso.

CONT.: Voltando ao início da nossa conversa e à vossa actuação no Luxemburgo em 2010, quais são as vossas expectativas para este concerto na Philharmonie a 4 de Março? 
A.B.: Em primeiro lugar, é dar o melhor concerto possível. Em segundo, é conquistar mais público, fazer com que as pessoas que nos vão ver continuem a falar de nós, que falem de nós aos amigos, que queiram ver-nos de novo e que fiquem entusiasmadas e tocadas pela nossa música. É esse o nosso objectivo. É também conhecer a cultura dos sítios onde vamos, estabelecermos uma ligação com as pessoas.

O concerto dos Deolinda na Philharmonie não está esgotado. Ainda há bilhetes a 35 e a 45 euros. Informações e reservas pelo tel. 26 32 26 32. 

Entrevista conduzida por Irina Ferreira

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